segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Os erros dos luteranos (e outros) segundo a Inquisição




O que vai a seguir é parte do Capítulo V (A Inquisição) do Livro Sexto da História de Portugal, de Fortunato de Almeida (vide Segundo Volume, página 63, Bertrand Editora, Chiado 2004):

Erros luteranos e outros: dizer que não há paraíso, nem inferno, que não há mais que nascer e morrer; não crer no Santíssimo Sacramento; não crer todos os artigos da fé; dizer que a missa não aproveita às almas; afirmar que o Santo Padre e os bispos não têm poder para ligar nem absolver; dizer que a confissão se não há-de fazer a sacerdotes, mas cada um se há-de confessar em seu coração; dizer que há transmigração das almas; dizer que cada um se pode salvar ainda que não seja cristão; negar a virgindade de Nossa Senhora; dizer que Jesus Cristo não é o Messias prometido.

O de que mais gostei foi a condenação da ideia de que não há mais que nascer e morrer.
Quanto a mim, adepto desse erro, acrescentaria apenas que, com um bocadinho de imaginação, o intervalo entre esses dois eventos pode ser maravilhoso.

domingo, 20 de outubro de 2013

Ainda sobre as biografias não autorizadas

A esquerda brasileira (e outras, mas penso, aqui, nomeadamente na brasileira) é engraçada (quando não trágica). Enquanto Chico Buarque era um compositor de canções como A Banda, Rita, Carolina etc etc, e lançou três álbuns recheados de músicas de amor, com quase um único contraponto (Pedro Pedreiro). em uma época em que a esquerda glorificava os Geraldos Vandrés e suas canções arrebatadas, a respingar revoluções, a esquerda o tratou como um delinquente. O facto de ele ter sido preso por furto de automóvel era apenas um detalhe do que dele se propagava na década de 60 no ambiente quase revolucionário da rua Maria Antonia, em São Paulo.
E, de facto, Pedro Pedreiro e outras tentativas de Chico de cair nas graças da esquerda mostram uma visão quase infantil dos problemas sociais.
A meu ver, ele só encontrou a medida certa no álbum Construção, particularmente na canção com esse nome.
A partir mais ou menos daí, virou herói da esquerda.

Qualquer coisa parecida e paralela ocorreu com Caetano e Gil. A Tropicália era mal vista pela esquerda. Seus arautos, depois de um exílio, também foram alçados à condição de musas da esquerda.

De Roberto Carlos e Erasmo nem se fale. Foram execrados pela esquerda até há pouco.

Hoje, no momento em que eles (e alguns outros) se unem para impedir a liberação da publicação de biografias não autorizadas pelo biografado ou seus descendentes, a esquerda os defende com unhas e dentes.

Escrevi dias atrás sobre isso aqui. E reproduzi o texto no Facebook.

Meu amigo Reinaldo Lobo, homem orgulhosamente de esquerda,  advertiu-me: "cuidado com o assassinato de caráter".

Reinaldo: preocupa-me bem mais o caráter dos assassinos.

E, infelizmente, isso não é figura de retórica. A menos que alguém me explique a coincidência da morte em série de sete testemunhas do assassinato de Celso Daniel.
Aliás, sobre isso, eu gostaria de contar alguns detalhes escabrosos dos quais tenho conhecimento mas não posso pois não possuo provas cabais.

Mas volto ao tema.

Hoje, em O Globo, Caetano Veloso escreve a respeito da polêmica das biografias não autorizadas e nomeadamente da repercussão que o movimento desses artistas suscitou na imprensa em geral.

O texto todo me parece meio aparvalhado. Mas não faltarão baluartes da esquerda para explicá-lo aos pobres de espírito tais como eu.

O que me parece mais significativo, é que a esquerda defenda essa turma e sua tese contrária a biografias não autorizadas no momento em que toda a esquerda - e mesmo o governo federal - se empenha em obter instrumentos legais de controle da imprensa. Imprensa que eles acusam de fortemente contra os altos interesses populares.

Fico a imaginar, eu que recebo o Boletim Carta Maior todo santo dia, como seria a imprensa democrática com que a esquerda tanto diz sonhar, quando toda ela fosse como o Carta Maior. E Emir Sader fosse, digamos, o Ministro da Informação.

Aí sim, viveríamos a tão almejada Democracia.

E não se iludam os Caetanos e Chicos. Eles seriam dos primeiros a serem cuspidos ao ostracismo.

Na melhor das hipóteses.

Eu disse "seriam"?
Talvez tenha errado no tempo verbal.

sábado, 19 de outubro de 2013

Extractos da antologia Poemas Portugueses (Jorge Reis-Sá e Rui Lage)

Ernesto Manuel de Melo e Castro (Covilhã, 1932) é um experimentalista português. Aí vão três poemas de sua fase concretista (Ideogramas, 1962):




Observação: as cópias são sofríveis. Mas são as que consigo fazer...

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Biografias não autorizadas

Essa questão das biografias não autorizadas, no Brasil,  já vem de longe (Ruy Castro que o diga). Mas agora, os latifundiários da MPB, Chico, Caetano, Gil, Djavan, além do inefável místico Roberto Carlos e o talentoso Erasmo, resolveram brigar por mais alguns tostões, fora a lei Rouanet, fora tudo mais.
O maniqueísmo que existe em mim gostaria que todos eles tivessem comprado suas músicas de algum pobre coitado do morro, como era comum na época de Chico Alves.
Mas não. Tenho de aceitar que um mau caráter seja capaz de produzir belíssimas canções populares. Sim, a obra desprende-se do autor. Por menos que eu queira engolir essa ideia.
Nessa matéria que aí vai, Chico Buarque já inicia o processo de tirar o dele da reta. Percebeu que apostou no cavalo errado. 


Ele, autor de canções maravilhosas, ele o garotão do Mackenzie, que furtava carros junto com os amigos para divertir-se. Que quando percebeu que A Banda tinha lhe rendido a fama de alienado passou a fazer Pedro Pedreiro e a assinar qualquer coisa que Antonio Candido assinasse antes.
Quanto aos baianos, contraponho-lhes uma proposta: continua a ser proibido publicar biografias não autorizadas, desde que seja proibido usar a Bahia como gancho pra ganhar dinheiro, usando os decantados encantos dela para gozar a vida em qualquer lugar que não seja lá. Topam?

quinta-feira, 17 de outubro de 2013

Dificuldades de um estrangeiro

Sou português. Moro em Bragança. Mas o sotaque não engana ninguém.
Abro a boca e logo me perguntam quando retorno ao Brasil.
Quem mandou nascer lá e lá viver mais de sessenta anos?

E tem mais: desde que resolvi ter um pé no Porto, a confusão aumentou.
Quando explico que não vou voltar ao Brasil. Que moro em Bragança, escuto logo:
- Ah! Mora em Braga!?
Parece que os tripeiros pensam que ninguém vive em Bragança.
Também, quase todas as fotos do Castelo de Bragança não mostram um ser vivo.


Se alguém vive em algum lugar cujo nome comece por Bra, só pode ser Brasil ou Braga.
Bragança é, em Portugal, como o Acre no Brasil: as gentes se admiram ao constatar que alguém vive lá.

Coitados, não sabem o que é bom.

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

A solidariedade e o mundo virtual

Como é bonito ler, nas páginas da Internet (nomeadamente no Facebook e em blogues), as manifestações calorosas de solidariedade entre os humanos e destes em relação aos animais. Até mesmo em relação às árvores, florestas e todo o Reino Vegetal.
Não escapam nem mesmo as pedras.
No mundo virtual reina a solidariedade.



Faz pouco mais de cinco anos que uma tia minha, solteira, sem filhos, poucas amizades e de hábitos solitários, começou a mostrar sinais de demência.
Meu primo e eu resolvemos cuidar dela. E para isso solicitamos a ajuda de vários familiares. Uma dezena deles prontificou-se a colaborar financeiramente. Isso proporcionou a ela um fim de vida com o maior conforto e cuidado possíveis.
No final de Março deste ano ela se foi.

Serei sempre grato aos que nos ajudaram a minorar o sofrimento dos últimos anos de vida dela.

Mas fico pasmo com o descaso de muitos outros.
Já não falo de contribuição financeira. Quanto a isso, sei que muitas vezes é mesmo difícil abrir mão de recursos já escassos para ajudar a terceiros.
Mas penso naqueles que, mesmo morando na mesma cidade dela - São Paulo, assim como não tiveram um único tostão disponível, não se abalaram a ir até a clínica em que ela estava, apenas para dar a ela o conforto de sua companhia durante alguns poucos minutos.

Reservaram toda sua solidariedade para despejá-la nos comentários do Facebook.

terça-feira, 15 de outubro de 2013

Oftalmoideologia

Amanhã vou buscar meus novos óculos. Mesmo com a chuva que cai no Porto, vou buscar meus óculos.
Quem sabe, com óculos novos, novinhos, possa eu enxergar o porquê de pessoas inteligentes e cultas reverenciarem o governo do Partido dos Trabalhadores (PT), Brasil (noves fora as que ganham dinheiro com isso. Essas entendo).



O país apresenta o pior desempenho dos chamados emergentes. Não tem programa estratégico. Aliás, não tem programa nem de curto prazo. Não tem infraestrutura. Nem plano para desenvolvê-la. Tem apenas a ambição de seus dirigentes. Voltada, por definição, para seu próprio interesse e nada mais.

O único sector da economia que contribui para que o PIB tenha variação positiva é o agro-negócio. E justamente esse é o sector Geni da economia. Toda gente, do governo e seus acólitos, joga pedras nos pejorativamente chamados ruralistas.

Essa conversa de que o governo tirou não sei quantos milhões de brasileiros da miséria é mais um enxugar de gelo. A renda familiar exigida pelas estatísticas para sair-se da miséria é ridícula.

A capacidade gerencial de Dilma é nula. Ela não sabe delegar e pior:  mesmo centralizadora, não sabe decidir com eficácia.
Saiu do nada e ao nada voltará.

Mas, como dizia, vou buscar meus óculos.

segunda-feira, 14 de outubro de 2013

Caso Maddie



A polícia britânica prossegue nas investigações que a polícia portuguesa abandonou desde 2008.
Tudo muito interessante. Tomara que se chegue a um final feliz.
Mas uma observação deve ser feita:
Quem tem 41 suspeitos não tem suspeito algum.

domingo, 13 de outubro de 2013

O Jogo

O indivíduo joga no Euromilhões.
Deve acertar cinco números dentre os cinquenta primeiros números inteiros positivos.
E é preciso fazer coincidir as duas "estrelas" que escolheu, entre onze, com as sorteadas, para fazer jus ao primeiro prémio.


Há os que têm sua chave favorita. São dias de aniversário dos filhos, dos pais, coisas assim. Jamais dá certo, mas continuam a acreditar naquela chave.

Há os que jogam a esmo. Instigam o acaso.

Há os que desenvolvem regras do bom jogar. Não repetem números sorteados no sorteio anterior. Ou evitam números consecutivos. Ou jogam só em números pares. Ou apenas em ímpares.

Enfim, há de tudo que a mente humana consegue imaginar.

Difícil é aceitar que qualquer desses métodos leva à mesma probabilidade de vitória.

Que não há nenhuma divindade, ser superior ou o diabo, que favoreça alguma de tais estratégias.

Ninguém se importa.

O ganhador, se houver algum, será pelas artes do Acaso, o único mistério que, se calhar, merece o nome de divindade.

Se calhar.

sábado, 12 de outubro de 2013

Dia para não esquecer

Recebemos hoje a visita de dois doutores, acompanhados das mulheres e de um filho.
Um deles é um médico cirurgião que operou a Léa.
O outro é um doutor em Psicologia.

Um deles é ateu.  O outro, católico.

Como não podia deixar de ser, a conversa girou em torno de temas tais como Fé, Crença e que tais.
Depois de tanta conversa agradável, fica-se à espera de que o Universo interrompa seu curso para tratar de nossas divergências.
Claro, elas não se dissolverão.
Mas, no auge das discussões, surgiu uma menção a poema de José Régio.
Fui ao escritório buscar a Antologia de Poesia Portuguesa e - como não podia deixar de ser - lá estava o poema, às páginas 1227/1228.
Poema que foi lido em voz alta e emocionada.
Ei-lo:
(clique no texto para ampliá-lo)

Dias como esse dão sabor à vida.

Entre outras coisas, lembrei-me do dia em que, em um apartamento do quarto andar do Edifício Canadá, na rua Maria Antonia, em São Paulo, no intenso ano de 1968, meu amigo Henrique, também de pé e solene, leu Tabacaria, de Pessoa.

E chorámos.

Como diz Jorge Ben em uma de suas músicas, agora ninguém chora mais.

Mas talvez as emoções de hoje, mais controladas, sejam mais intensas.

sexta-feira, 11 de outubro de 2013

Portugal tropeça no hino de Israel

Eu jamais ouvira o Hino Nacional de Israel.
Antes do início da partida de futebol entre Portugal e Israel, a valer pela classificação para a Copa de 2014 no Brasil, o hino tocou, interpretado por orquestra.
Como é praxe, apenas um pequeno trecho do hino.
O estádio de Alvalade, o maior de Portugal, estava lotado. É óbvio: a imensa maioria era de portugueses.
Ao ouvir as primeiras notas do hino israelense pensei:
- Tomara que tirem logo essa gravação do ar. Mais um pouco dessa música e todos ficarão a favor da seleção de Israel.
Para quem, como eu, nunca o ouviu. E para quem o conhece e o aprecia, aí vai Hatikva:


Portugal não conseguiu vencer. Não sei se graças à beleza do hino ou por causa da inteligência dos jogadores de Israel.

Tanto faz. Ter tido a atenção chamada para o hino, valeu.

quinta-feira, 10 de outubro de 2013

Há 200 anos...

...nascia Giuseppe Verdi.



Que esse registo valha por homenagem ao ramo materno de minha família.
As origens italianas ficaram um bocadinho esquecidas pelos descendentes dos Comenale, entre os quais me incluo.
Ocorre que meu avô, Vicente Martins Franco, era - na verdade, um Comenale. Sua mãe, minha bisavó Philomena, foi da Itália ao Brasil com o marido, naquele navio que ficou famoso por transportar também os Matarazzo (1.881).
Pouco depois de chegados ao Brasil, nasce meu avô.
Logo em seguida, morre o meu bisavô. Minha bisavó se casa, então, com o português Manoel Martins Franco.
Este adota os filhos dela e lhes dá o sobrenome Martins Franco.
Segundo me informa minha irmã, um de meus tios avós obteve, mais tarde, o direito de voltar a usar o sobrenome Comenale. Meu avô, contudo, não se interessou por isso. Permaneceu Martins Franco.
Na infância, eu soube vagamente que algumas Comenale que moravam em São Paulo tentaram contacto com minha mãe. Mas nada disso foi adiante.

Mas queiram ou não, nossos antepassados são italianos.

quarta-feira, 9 de outubro de 2013

Vindimas

Hoje foi dia de vindimas para minha prima Zelinda.
E foi a primeira vez na vida em que participei de vindimas de modo ativo.

Primeiro almoça-se, que é preciso transmitir energia aos que irão vindimar.
Depois vai-se às vinhas, aparelhados com baldes, tesouras e sacos plásticos.
Cortam-se os cachos, primeiro reunidos nos baldes, depois concentrados nos enormes sacos plásticos.

(clique na foto para ampliá-la)

Transportam-se os sacos ao lagar. Despejam-se nele os cachos de uva que vão ser pisados para que formem a massa que, fermentada, gerará o milagre do vinho.

Das emoções de hoje não esquecerei jamais.

Obs: Na foto, perceba que o castanheiro ao fundo já está carregado de ouriços. Já, já, será a hora da colheita das castanhas.

terça-feira, 8 de outubro de 2013

Extractos da antologia Poemas Portugueses (Jorge Reis-Sá e Rui Lage)

Transcrever Pessoa é quase covardia.
Pois.
Ainda a pensar em minha neta, nascida no Brasil mas da qual esvaiu-se o Português: gostaria que ela pudesse saborear Pessoa. Isso, por exemplo:


(clique nos textos para ampliá-los)

Mas que diabos estou a dizer?
Pessoa tem poemas em Inglês.
E aí vai para minha neta um deles, o Soneto nº 27:




(Este foi copiado da Obra Poética, Poemas Ingleses, pag.597, Companhia José Aguilar Editora, 1974)

segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Comemoração

Decididamente, a Bíblia é faca de vários gumes.
Esse provérbio tem sido exaltado ao longo dos séculos.
Merece tanto enaltecimento?

Começo por pensar no filho de um Fernandinho Beira-Mar, por exemplo. Será mesmo bom que ele siga os ensinamentos do pai?
Alguém certamente dirá: Assim não vale! Que exemplo esdrúxulo!
É evidente que o autor desse provérbio não tinha algo assim em mente.
Mas vamos pegar mais leve.
Vários de meus conhecidos foram formados - pelos próprios pais, por professores, por amigos mais velhos - na ortodoxia marxista. Alguns deles não se desviaram desse caminho mesmo na velhice.
E continuam a vomitar stalinismo, ainda que em versão edulcorada.

A questão, a meu ver, é: é salutar que alguém fique fiel toda a vida àquilo que aprendeu na infância?

É evidente que não há resposta unívoca para tal pergunta.

Mas eu apostaria todas as minhas fichas em que está mais perto de ter acertado quem rompeu com os ensinamentos primevos. Romper exige reflexão. Manter o rumo talvez seja também fruto de reflexão, mas ninguém pode garantir.
Na maior parte dos casos não é.
O mundo está repleto de gentes que são católicas porque os pais eram, que são evangélicos porque os pais eram, que são socialistas porque os pais eram, que são budistas porque os pais eram, que são ateus porque os pais eram. A lista é quase inesgotável.

Quanto a mim, produziria provérbio mais ou menos assim:

Ensina o que quiseres à criança. 
Se ela tiver inteligência e personalidade, 
fará seus próprios juízos e tomará seu próprio rumo. 

Essa conversa vem a propósito do que vim a saber hoje:

Tenho uma neta que, do alto de seus treze anos, informou aos pais que é ateia, que não fará crisma e que abandonou a escola religiosa.
Talvez não fosse necessário acrescentar que se trata de estudante modelo.

A segunda geração de minha descendência está a sair-se melhor que a encomenda.

Um brinde a minha neta!

domingo, 6 de outubro de 2013

Pragmatismo

Nas recentes eleições autárquicas em Portugal, o Bloco de Esquerda (BE) teve 2,42% dos votos dos portugueses, conseguiu eleger, em todo o país, apenas oito vereadores e perdeu o comando da única autarquia na qual o autarca era seu militante.
Logo após o pleito, seus dirigentes foram à TV a salientar a estrondosa derrota... do PSD.
O BE é a agremiação política que quer expulsar a troika de Portugal, deixar de pagar a dívida externa etc etc.

Para os brasileiros, nenhuma novidade. O Partido dos Trabalhadores (PT) em sua época de vacas magras pregava essas mesmas bandeiras ridículas. Apenas o Fora a Troika era traduzido para Fora o FMI.
Depois que o PT perdeu o medo de ser feliz e começou a buscar o Poder de verdade, o guru Lula vangloriou-se de seu governo ter pago a totalidade da dívida externa. Era uma frase sem sentido, mas o PT jamais fez questão de dizer coisa com coisa.

No tempo da ditadura, no Brasil, os grupelhos de esquerda compraziam-se em autodenominar-se Esquerda Revolucionária. Era a forma de separar-se do Partido Comunista, tido por reformista.
De facto, a clivagem verdadeira na esquerda sempre foi entre a que detém alguma parcela de poder e aquela que por ainda não desfrutar dessa ambrosia aferra-se a palavras de ordem despropositadas e absurdas para atrair a atenção (e a adesão) dos indignados do mundo.

A esse segundo grupo pertence, no Brasil, Marina Silva. E a ele pertence por excesso de ambição. Afinal, ela era militante do PT e logo que Lula foi eleito Presidente da República ela ocupou um ministério, no qual ficou por cinco anos. Só pediu demissão quando bateu de frente com Dilma e percebeu que não seria a preferida de Lula, para a sucessão do patriarca.
Ou seja, ocupou o Ministério do Meio Ambiente até perceber que o PT não lhe permitiria dominar o ambiente por inteiro.
Dona Osmarina (seu nome de batismo), então, resolveu unir-se aos Verdes. Disputou a presidência com Dilma  e teve votação não desprezível (quase 20% do eleitorado). A partir de então, como quase todo roqueiro, partiu para carreira solo.
Decidiu formar seu próprio partido político. Um não-partido, claro. Dona Osmarina pretende ser original. E fundou a Rede de Sustentabilidade. Como o povo brasileiro é um bocadinho diminuído intelectualmente (como se diz cá em Portugal), passou-se a falar em Rede. Já Sustentabilidade é palavra muito grande. Septissílabos não costumam caber no vocabulário popular.
Claro. Foi barrada pela máquina petista de manutenção do Poder dentro da Ordem Democrática (PODE).
O PODE é um tantinho distraído. Deixa escapar algumas coisinhas, mas - ao percebê-las - trata de consertá-las. Foi assim com o caso Celso Daniel. Foi assim com o julgamento do mensalão (perdão!, Ação Penal nº 470). e parece que continuará assim com o caso Osmarina.
Restou a essa outra Silva (livrai-nos deles, Senhor!) a escolha entre continuar a desenvolver a Rede e ingressar em outra agremiação política (outro partido, jamais!).
Venceu a entrada em outro ninho. E lá se foi Osmarina, desta vez para o PSB (Partido Socialista Brasileiro, seja isso o que Deus queira).
No PSB já existe um indivíduo com pretensões à Presidência da República. Vou perguntar ao meu amigo Zé Carlos, do estacionamento de Osasco no qual costumava deixar meu carro e no qual, vez ou outra, fazia uma fezinha no Bicho, que bicho vai dar.
Talvez ele saiba.
Só me incomoda a alternativa que Osmarina entende ser a que a ela se ofereceu: ou ser programática ou ser pragmática.
Quase todos estão a criticá-la por ter se mostrado pragmática.
Ora. Quanto a mim, não acredito em programa que não seja pragmático.
O dicionário me diz que pragmático é o "que tem motivações relacionadas com a ação ou com a eficiência".
Eu trocaria eficiência por eficácia.
De resto, programa político que não seja pragmático só pode mesmo subsistir em cabeças acadêmicas.

Quanto ao PT, mostrou-se já furioso por ter Osmarina escolhido o PSB como guarida de suas pretensões presidenciais.
Claro, está em jogo a reeleição de Dilma e o consequente bem viver de grande parcela da militância petista.
O Boletim Carta Maior, por exemplo, coloca em editorial:

A BORBOLETA VIROU LAGARTA? 
O tabuleiro mexeu: Campos e Marina estarão juntos em 2014. Nasce a 'quarta via', o  socialismo econeoliberal."Para destruir o chavismo do PT", diz a suave senadora que deixou o PT em 2009, 'para ser coerente com a luta 'pelo desenvolvimento sustentável'. Marina decidiu. E comunicou a seus pares em caráter irrevogável: será a vice de Eduardo Campos, que ganha assim um discurso palatável à classe média, ele que antes só falava à Fiesp e à Febraban. Marina perde a Rede, mas sobretudo, a aura de maria  imaculada e ganha a companhia dos Bornhausen, os afáveis banqueiros de Santa Catarina, que terão o comando do PSB no Estado e voz ativa na esfera nacional. Os Demos também querem 'destruir o chavismo do PT' e tem precedência na fila. É natural que ocupem espaços. Parece não incomoda-la: Marina é obstinada. 


Maravilha. Os assalariados do PT não têm vergonha e criticam Osmarina por aceitar o apoio dos Bornhausen.
O PT, que aceitou o apoio de Maluf, de Collor, de Sarney, de Renan, do diabo e de seus anjos.

Aqui entre nós: falta vergonha na cara dessa turma. Ou melhor, faltava dinheiro para chegarem ao final de cada mês. Agora já o tem garantido.

O triste é que quando parece que o PT já alcançou o mais abjeto dos níveis de luta política, percebe-se que o poço não tem fundo.

E há quem faça esse tipo de luta política graciosamente. Como se diz em Portugal: à borla. Existe idiota pra tudo, nesse mundão.

sexta-feira, 4 de outubro de 2013

A rainha da floresta e seus gnomos



Marina Silva era, até ontem, o novo bote salva-vidas de boa parte dos eleitores brasileiros.
Depois de ter sido agraciada com quase 20 milhões de votos na eleição presidencial de 2.010 (algo próximo de 20% dos votos), Marina decidiu construir um partido que não fosse exatamente um partido. E partiu para a formação da Rede.
Apesar de afirmar-se capaz de levar o Brasil a melhores rumos, Marina não soube gerenciar o processo de formação de sua Rede. E ficou sem partido para disputar as próximas eleições, em 2.014.
Se tivesse conseguido formar a Rede seria uma possível ameaça à liderança de Dilma, a atual presidente. Sua candidatura tornaria provável que a eleição passasse a uma segunda volta.
O Partido dos Trabalhadores (PT), construído pelo talentoso oportunista Lula da Silva e transformado pelo inefável José Dirceu em máquina de poder, já aparelhou a estrutura sindical, com seus riquíssimos fundos de pensão, as estatais, particularmente a Petrobrás e todo e qualquer nicho de governo que renda dinheiro e/ou poder.
Chegou ao poder para dele jamais sair.
Na sequência virá o controle da imprensa (a mídia, no jargão petista), assim como já veio o domínio do pensamento marxista de salão nas universidades, graças a excrescências como Marilena Chauí e que tais.
Ao invés da família Mesquita (jornal Estadão), dos Frias (Folha de SPaulo), dos Civita (Editora Abril) e dos Marinho (Organizações Globo), o Brasil terá informações administradas por Rui Falcão, Tarso Genro e o resto da camarilha petista. O João Bosta, que não gostava de seu nome, passará a chamar-se António Bosta.

Quanto a Marina, que foi petista até quando percebeu que não seria a eleita de Lula, poderá reingressar na floresta - que lhe é tão cara - e conviver com os gnomos que encontrar no oco das árvores.

quarta-feira, 2 de outubro de 2013

Aventuras no país das coincidências

Comentei dia desses as coincidências na morte de Celso Daniel. Foram sete testemunhas do crime ou de algum evento a ele associado que morreram em sequência. Detalhes na Wikipédia.

Mas o Brasil é pródigo em coincidências. Leio hoje, no Público, que a empresa Oi (brasileira) e a PT (portuguesa) acabam de anunciar a assinatura de acordo de intenções para uma fusão entre elas.
Até aí nada.
Mas vejam quantas coincidências:
Corre à boca pequena, no Brasil, o boato de que a Oi é do Lula. Claro, é apenas um boato. Do mesmo tipo daquele que afirmava que o Banco Santos era do Sarney.
Mas além de boatos, há alguns factos notáveis.
Um dos casos mais rumorosos do período Lula foi a aplicação na empresa Gamecorp, do Lulinha, de R$ 5 milhões por parte da Telemar... atual Oi, uma concessionária de serviços públicos. A Gamecorp tinha capital de R$ 10 mil. E era propriedade de um filho do Presidente da República. Como se isso não bastasse (e, pelos resultados da investigação, não bastava e não bastou), logo depois de tal aporte de recursos, Lula assinou decreto tornando legal a fusão entre a Telemar e a Brasil Telecom, fusão que deu origem à Oi. Até então a legislação não permitia tal fusão.
A única consequência boa de todo esse imbroglio, para nós contribuintes, foi o dito  "Em países decentes os negócios são feitos de acordo com a lei. No Brasil as leis são feitas de acordo com os negócios".
Mas vamos adiante.
Já vimos que a Oi é controlada pela Telemar Participações S.A.. Mas quem são os principais acionistas da PT (Portugal Telecom) ?


Segundo o quadro acima (extraído do sítio da PT), o principal acionista é o Grupo Espírito Santo, do Banco Espírito Santo (BES).

E nisso nos deparamos com mais uma coincidência.
No final de 2.012, o Blog do Garotinho publicou um post com uma acusação.
Aquela Rose (Rosemary Nóvoa de Noronha), que viajava com Lula sempre que dona Marisa não o fazia, aquela, que era chefe do Gabinete da Presidência da República em São Paulo, aquela que Dilma demitiu quando se descobriu que fazia tráfico de influência graças a sua proximidade com Lula, aquela enfim, esquecida como tantos outros protagonistas de tantos outros escândalos. Rose aparece no post do Blog do Garotinho acusada de levar 25 milhões de euros para a cidade do Porto e de depositá-los em uma agência do BES.
Os petistas logo dirão, como sempre fazem: Esse Garotinho é um crápula. Não merece atenção!
Até concordo com a primeira afirmação. Mas a segunda não decorre da primeira. Estabelecer essa vinculação de implicação lógica entre as duas frases é um velho truque.
Que eu saiba, nada disso foi investigado pelo Ministério Público brasileiro nem por Polícia Federal nem por ninguém com competência para isso.
E se foi, deve ter terminado como o caso do Lulinha mencionado acima. Arquive-se e fim de papo.
E reparem que a denúncia menciona a existência de documentos comprobatórios e não sujeitos a sigilo bancário.
E daí?! Coincidências. Meras coincidências.

terça-feira, 1 de outubro de 2013

Ainda as Eleições autárquicas


O mapa dos resultados, praticamente finais, publicado pelo Público, não deixa dúvida: o Partido Socialista (PS) venceu de maneira categórica.
Penso que esse resultado é o que todos já esperavam. O governo do Partido Social Democrata, em coligação com o Partido Popular, não para de levar surra da opinião pública há muito. Mesmo que as eleições autárquicas não tenham relação estreita com o quadro político nacional, é evidente que a má avaliação do governo Passos Coelho pesou um bocadinho no resultado das eleições municipais.

Outra coisa é dizer quem venceu, em termos de lideranças.
António José Seguro passa a ser um político-sande.
As duas fatias do pão que o abriga chamam-se Sócrates e António Costa.
Herdou do anterior primeiro-ministro a desgraça de se ver obrigado a defender um governo caótico.
Vai passar ao agora mais autarca de Lisboa do que nunca a possibilidade de tornar-se primeiro-ministro.
Para Seguro, essas eleições ofertaram uma vitória de Pirro.

segunda-feira, 30 de setembro de 2013

O ritmo da Vida

Neste último sábado começou o Outono. Atrasado mas bem-vindo.
Quando vi as primeiras chuvas me dei conta de que já não sabia bem o que era o chover.
O calor se foi.
Vêm agora as vindimas, depois a colheita das castanhas, nestas terras frias de Trás-os-Montes.

E nada como acompanhar tudo isso a comer figos.
Neste pedacinho de paraíso, os figos se dividem em três categorias: os doces, os muito doces e os exageradamente doces. Os melhores, é evidente, são aqueles em que se nota o trabalho do bico de um pássaro.


Ao chegar à casa de minha prima, em Passos, para um almoço em família, já comecei por arrancar do pé alguns figos, à guisa de antepasto. Verdes na cor, maduros no sabor.

Quando vier o frio, sei que o pequeno almoço terá em sua composição figos secos e goles de bagaço.
Mas só em Passos, que é onde tudo isso se torna sublime.

E dessa forma, com os rituais próprios, sucedem-se as estações ao infinito.

Nós acabamos. Elas prosseguem pelos tempos afora.

domingo, 29 de setembro de 2013

Recomendação

Não sou enólogo, aviso já.
Mas esse vinho é muito bom. E por um preço excelente.
Com direito a Medalha de Ouro.


Na Garrafeira Nacional consta com o preço de € 3,30.
No Continente (Modelo), eu o comprei a €3,99.

Esse é o Dona Ermelinda 2010. Da região de Setúbal.

Comprei também o Dona Ermelinda Reserva 2011. É um bocadinho mais caro - €4,99 - mas, apesar de muito bom, não se iguala ao de 2010 elogiado acima.

Em tempo: esta propaganda é absolutamente gratuita. Tem o objetivo de espalhar o prazer aos leitores deste blogue. O pessoal da Casa Dona Ermelinda nem sabe que existo.
- - -
Atualização: esqueci de dizer que se trata de um vinho tinto. As características descritas no rótulo: Elaborado com base na casta Castelão com um toque de Cabernet Sauvignon e Touriga Nacional.

sexta-feira, 27 de setembro de 2013

O tapete voador


Ele era um tapete como outro qualquer, estendido em determinado lugar do chão da sala, entre um sofá e algumas cadeiras. Levava uma vidinha agradável, com algum conforto. Era escovado periodicamente e graças a isso e à calma que reinava naquela casa estava em bom estado.

Apesar disso, não era feliz. Sonhava com outros mundos, viagens de aventuras e contacto com outros seres, diferentes dos habitantes daquela casa.

Como o desprazer aumentasse, um dia saiu a voar janela afora.

Pensava em realizar seus mais acalentados sonhos, viajar, conhecer mundos novos, estabelecer diferentes relacionamentos. Mas, como tapete voador não existe, depressa se deu conta de que ficara reduzido a uma ideia. Deixara de ter materialidade. Puro espírito, de agora em diante. Ou de agora para trás, pois como espírito o tempo para ele deixou de ser linear, não havia mais passado, presente, futuro. Só o puro pensar. E nem o Cogito cartesiano lhe era de alguma serventia. Pensar, pensava. Mas nem por isso existia. É verdade que existia como ideia. Mas isso não lhe interessava. Queria o existir com todos seus atributos.

Mas não adiantava lastimar-se. O mal estava feito. E, por esses acasos difíceis de entender, escolheu-me para transmitir seus pensamentos. Dar vazão a eles.
Quando entrou em contacto comigo, estranhei um bocadinho. Mas a gente se acostuma com tudo. Hoje em dia já recebo suas observações com naturalidade.
Lembro-me bem de sua primeira afirmação. Além da surpresa de um primeiro contacto, intrigou-me que a observação dele contrariasse tão frontalmente as famosas palavras de Gagarin: A Terra é azul.
Aos poucos consegui perceber o porquê: Gagarin referia-se ao aspecto físico, material, da Terra. O tapete voador, por ser puro espírito, só podia perceber o espírito de cada coisa.
E, então, disse-me à guisa de cumprimento inicial:

Isso aí embaixo é uma grande merda!

Mas disse mais, muito mais. aos poucos conto a todos.


quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Eleições autárquicas

Em Portugal, são as eleições mais ou menos equivalentes às eleições municipais no Brasil.

No Brasil, vota-se em um candidato a prefeito do município. Elege-se o prefeito e ele carrega consigo um vice-prefeito. É o que se poderia chamar de pague um e leve dois.
O prefeito ficará encarregado do Poder Executivo.
O Poder Legislativo (no Brasil, ele é exercido, nos municípios, pelas Câmaras municipais) será formado por vereadores eleitos segundo o critério de proporcionalidade entre os vários partidos. Cada eleitor vota em um candidato. Feita a apuração, verifica-se quantos votos teve cada partido (não há a possibilidade de candidaturas independentes). Calcula-se o quociente eleitoral de cada partido (dividindo-se o total de votos dados a candidatos do partido pelo total de votos). Isso determinará quantas vagas cada partido terá na Câmara (nem vamos falar sobre os critérios de arredondamento...). Aí cada partido usa suas vagas ocupando-as com seus candidatos mais votados.

Cá em Portugal, os Distritos (mais ou menos equivalentes aos Estados do Brasil) são divididos em Concelhos. Os Concelhos são as entidades municipais e dividem-se em Freguesias (com alguma semelhança a conjuntos de bairros, no Brasil).
Nas eleições autárquicas, escolhem-se os titulares do Poder Executivo e do Poder Legislativo de cada município (Concelho). Além de, em escala menor, os equivalentes no âmbito das freguesias.

A nomenclatura é diferente e confunde um bocadinho: as Câmaras municipais de Portugal são o equivalente das Prefeituras brasileiras. As Assembleias municipais equivalem às Câmaras municipais do Brasil.

Feito esse tosco resumo, vamos ao que me interessa.
Domingo agora, dia 29, haverá eleições autárquicas em Portugal.
Cá em Bragança, tudo indica que o candidato à presidência da Câmara do PSD será o vencedor. Afinal, ele vem a ser o sucessor do último autarca, que governou durante os últimos 16 anos. E bem. Digo isso de ouvir dizer. Afinal, só cá estou há dois anos.
Meu voto irá para o CDS-PP.
Quem me conhece há mais tempo se perguntará: por que no Brasil sempre anulavas o voto (ao menos nos muitos últimos anos) e agora vais votar em alguém?
Por várias razões. Mas a principal, de longe é:
Aqui vota quem quer. Não sou obrigado a votar. E isso, para mim, é absoluta novidade. E olha que não é fácil a alguém de quase 70 anos deparar-se com uma absoluta novidade.
 Perdoem-me meus conterrâneos brasileiros. Mas enquanto o voto obrigatório persistir no Brasil, os cidadãos brasileiros serão cidadãos de segunda classe.
Quanto a isso, não vi ninguém protestar, nos movimentos de Junho passado. Talvez por já ser tido como normal, no Brasil,  esse aviltamento da cidadania.

quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Definição ideológica - 2

No Presídio Tiradentes conheci os Betos e os Vannuchis da vida.
A ALN (Aliança Libertadora Nacional) só tinha heróis. Apenas se atrapalhavam um bocadinho quando tentavam explicar como haviam caído todos os militantes em estilo dominó.
Havia a Ala Vermelha, que oscilava entre submeter-se à ALN ou ter voz própria nas discussões do Presídio. Havia os trotskistas, os da 4ª Internacional, que eram a caricatura da Esquerda caricata.

O resto éramos uma porção de desenganados, a tentar pensar como refazer a vida, como encontrar novos rumos para a vida. Tudo isso em meio a discussões que deixariam envergonhados os contendores das disputas sobre o sexo dos anjos.

Hoje percebo que a grande vantagem daqueles anos foi da espécie das vacinas. Hoje olho estupefacto e triste para os que não passaram pela experiência da prisão e os vejo a continuar o debate sobre apodrecidos temas dos anos 20 ou 30 do século passado. Ou até mais antigos.

Em Portugal, ainda se vive a época que o Brasil já ultrapassou: a da Esquerda de dedo em riste, a combater os insanáveis defeitos do capitalismo. E a deixar no ar a ideia de que basta entregar à Esquerda o Poder e tudo se resolverá.

No Brasil, de facto, quase tudo se resolveu. O pessoal da Esquerda tirou a barriga da miséria e passou a apontar o dedo em riste para os adversários mas agora para justificar-se com a afirmação de que o que a Esquerda faz é tão somente  mais do mesmo. E a batalhar para que a mamata não acabe nunca.

Como já se viu o que acontece quando essa turba toma o Poder, quero sim menos Estado, menos controlo, menos sábios a me dizer o que devo ser e fazer.

Sou, então, um neoliberal? Penso que não. Neo certamente não  Não me parece que seja novo em nada.
Talvez liberal. Talvez.

(continua, talvez)

segunda-feira, 23 de setembro de 2013

Definição ideológica - 1

O lugar em que nasci foi meu útero social.
O mundo começou lentamente a expandir-se. Lembro-me de uma redação que tive de fazer no terceiro ano primário, aos nove anos. Era esperado que falasse de minha cidade, de meu mundo. E falei de uma Santos que se resumia às ruas de minha infância. A rua Osvaldo Cruz, onde morava e onde ficava a escola em que estudava. A Campos Melo,quase uma continuação da outra, ao menos na minha vida. As principais avenidas, a Conselheiro Nébias e a Ana Costa. A orla da praia, claro.
Depois surgiu São Paulo, com seus desníveis, suas ruas umas sobre as outras, maravilha para mim, que vinha de terra plana, à beira-mar.
Em São Paulo minha visão ampliou-se. Lá fiz meu curso de engenharia. Ali desisti da engenharia e comecei meu curso de filosofia.
Em São Paulo livrei-me do cristianismo mas caí na armadilha do marxismo.
Resolvi lutar pelo socialismo. Atenção! Vivia-se uma ditadura, mas não lutávamos por democracia. Nosso objetivo final era a ditadura do proletariado.
Claro, fui preso.
Na prisão conheci melhor a esquerda brasileira. Lá fora, na clandestinidade, era difícil conhecê-la em detalhe. No presídio isso se tornou possível.
A desilusão, se é que ainda restara alguma ilusão quando fui preso, foi total.

Descobri então, às custas de dois anos de minha juventude, que a Esquerda é algo tão podre quanto a Direita.
Para mim, o Poder é podre. E a luta por ele - e é disso que se trata - não poderia ser limpa.

Quem gosta de Poder mete-se nisso. Quem gosta de viver, volta-se a outros cenários.

É evidente que, assim, deixa-se o Poder aos cuidados de outros. E outros que vão determinar aspectos importantes de nossa vida. É o preço que se deve pagar para ser livre. O contrário disso, seria envolver-se na luta pelo Poder e perder a Vida.

(continua, talvez)

António Ramos Rosa (1.924 - 2.013)



Poema Dum Funcionário Cansado vai em três blocos para facilitar a leitura. Clique nos textos para ampliá-los. O poema foi copiado de Poemas Portugueses Antologia da Poesia Portuguesa do Séc. XIII ao Séc. XXI.





sexta-feira, 20 de setembro de 2013

A Dor

A dor é totalitária.
Li isso, pela primeira vez, em Vilém Flusser. Mas nem precisaria dessa leitura. Qualquer dor de dente nos leva a essa conclusão.



Há dor para todos os órgãos. Os materiais, os anímicos.
Volta e meia me lembro das dores de meus vinte anos. E me pergunto por que sofria tanto, aquele garoto que tudo tinha ao alcance da mão.
Talvez toda a dor resultasse da dificuldade de esticar as mãos para alcançar o alívio.

E eis que retomo, quase aos setenta, as mesmas dores de meus vinte anos.
Consigo suportá-las melhor. Os cinquenta anos de intervalo não foram em vão.

Mas como dói.

quinta-feira, 19 de setembro de 2013

Mulher é melhor

Pena que o Português não seja como o Hebraico.
No Hebraico, omitem-se as vogais e as palavras ligadas semanticamente têm uma mesma raiz, em geral formada por três consoantes.
Ocorre algo assim com mulher e com melhor. Ambas têm a raiz, por acaso de três consoantes (ou fonemas consonantais): m, lh e r.
Além de milhar, molhar e malhar.
De facto, uns 90% dos homens concordarão com o sentido de mulher é melhor.
Se eu pudesse ser concretista, construiria um poema:

.
E você?

Prefere malhar para melhor impressionar a mulher?
Ou acertar no milhar?
Ou no melhor da mulher?

quarta-feira, 18 de setembro de 2013

Humor involuntário

Nem sei se é mesmo involuntário.
Hoje, a conversar com minha irmã, que mora no Rio de Janeiro e ainda leva a sério a vida política do país, disse-lhe que iria assistir à leitura do voto de Celso de Mello pois não é todo dia que se pode assistir a um programa de humor tão bom.
O voto dele, com toda a fundamentação que ele conseguiu reunir, resultou - na prática - em absolvição (ou quase) dos maiores expoentes do PT envolvidos na roubalheira.
É disso que se trata.
O resto é juridiquês.
E a luta política no Brasil, naquele estilo Fla x Flu de que o PT tanto gosta, irá prosseguir, agora com a exaltação de Celso de Mello pelos funcionários petistas alocados na imprensa.
Terminada a leitura do douto voto, fui à varanda e fiquei a contemplar o Parque Natural de Montesinho.

E a dar graças aos deuses por ter tido uma decisão acertada na vida - ao menos uma!  A de vir viver aqui e deixar longe de mim essa pasta viscosa que é a política brasileira.

segunda-feira, 16 de setembro de 2013

Anotações no rodapé da barbárie - IV

Quando saí do Brasil imaginei que não mais escreveria posts com esse título.
Mas há a internet...
Ontem, domingo, resolvi assistir a um seminário do grupo e-teacher cujo assunto seria O Nome de Deus. Claro, em um pano de fundo do estudo do hebraico bíblico.
O seminário começaria às 16:30 horas, no horário de Brasília. Portanto, para mim, 20:30 horas.
Quando estabeleci a conexão com o sítio do seminário, verifiquei que participariam dezenas de pessoas. A grande maioria composta de habitantes da terra brasileira.
As pessoas recebiam o som da central, tinham microfone para falar, podiam ligar a webcam para aparecer e havia um espaço para chat.
Antes de iniciar a palestra que duraria mais ou menos uma hora, seguida de debates (uns 20 a 30 minutos), a professora Maya Levin solicitou que todos fechassem seus microfones e desligassem suas câmeras. Para não haver microfonia e para que os que utilizam internet de baixa velocidade não fossem prejudicados pela utilização de câmeras. Pediu ainda que os participantes não ficassem a conversar pelo chat durante a palestra.
Tudo muito simples e lógico.
Mas não para brasileiros, pelo que me foi dado observar.
E ressalte-se que não se tratava de nenhuma plebe ignara. Afinal, pessoas que resolvem dedicar quase duas horas de seu domingo a uma discussão sobre questões de hebraico no Velho Testamento não parecem ser propriamente analfabetos ou imbecis.
Analfabetos certamente não os havia na plateia virtual.
Já quanto a imbecis...
O facto é que durante todo o tempo de duração da palestra a professora teve de ficar reiteradamente a pedir que desligassem microfones e que não ficassem a utilizar o chat.
Em resumo: zorra absoluta.
Decididamente, o Brasil passou do primitivismo à barbárie sem o estágio intermediário da civilização.

domingo, 15 de setembro de 2013

Topologia antiga

Aprendi, dia desses, que no mundo do Antigo Testamento referências a situações topográficas tinham carácter diferente do actual.
Para nosso tempo a referência é o Norte.
No mundo do Velho Testamento a referência era o Oriente, o Leste.
Assim, quando a Bíblia se refere a uma cidade à esquerda de outra, isso significa que a tal cidade fica a Norte da outra. O Sul fica à direita e o Oeste atrás.
A raiz hebraica de Oriente (קדם) significa frente. É o que está diante de nós.
Já nos dias de hoje, quando queremos dizer que algo nos orienta, nos dirige, dizemos que é nosso Norte.

Mas a mesma raiz nos leva ao significado de passado.
Há lógica nessa semântica: o passado é o que está diante de nós. É o que podemos ver.
O futuro não nos é apreciável. Está atrás de nós.

sábado, 14 de setembro de 2013

Neymar Junior

Tenho muita curiosidade para saber como se sairá o garoto cá em terras catalães.
De início, parece estar a ser bem orientado. Deixou de lado aqueles penteados exóticos e partiu para um cabelinho sem pintura e cortado do modo comum aos demais mortais (ao menos à grande maioria deles). Imagino que tenham dito a ele que, aqui, era preciso jogar futebol. Depois, quando já tiver mostrado que justifica os milhões de euros nele investidos, poderá pintar o cabelo da cor que preferir e cortá-lo do modo mais absurdo que lhe ocorrer.
Além disso, deixou de cair a cada esbarrão do adversário.
Hoje, no jogo contra o Sevilha, deu um primoroso passe para Messi fazer o segundo golo do Barcelona. Por outro lado, tentou dar outro golo de presente a Messi em momento em que o indicado era ele mesmo fazer o golo.
Mas nada disso é relevante. Quem ganhou o jogo para o Barcelona foi o árbitro. Anulou um golo legítimo do Sevilha e mostrou critérios diferentes na avaliação de faltas para uma e outra equipas.
Resumo: tudo indica que Neymar não será um novo Viola, que veio jogar em Espanha e acabou por desistir de jogar aqui porque não se adaptou aos hábitos culinários da península ibérica. Sentia falta do cardápio arroz - feijão - mistura.



Fazer o quê.

sexta-feira, 13 de setembro de 2013

Sinceridade é mesmo desejável?

Canso-me de ler, no Facebook e em blogues, louvores à sinceridade. Tanto mulheres quanto homens gostariam de ter por companhia pessoas antes de tudo sinceras.
Mas será a sinceridade realmente virtuosa?
Como quase tudo, depende da dose.
A Baixinha, por exemplo, é fantástica por me dizer, sempre que cabível, que estou com mau hálito.
Isso me conforta muito, pois quando ela nada diz, significa que ou ela necessita de ir com urgência a um otorrino ou eu estou com hálito agradável (ou pelo menos aceitável).
Mas, durante bastante tempo, ela insistia em alertar que meu cabelo precisava de corte. Ora, acho uma das injustiças deste vale de lágrimas o facto de um quase-totalmente-calvo ter de frequentar o barbeiro com grande frequência. Assim penso e de acordo com isso sempre agi. Ou seja: só frequento o barbeiro quando nem mais euzinho mesmo suporto aquelas pontas capilares que só crescem para baixo.
Nesse segundo caso, a sinceridade dela me incomoda. Melhor, me incomodava. De um tempo a esta parte ela miraculosamente parou de fazer comentários sobre o comprimento de meu cabelo. Resultado: estou a transbordar tufos de cabelo nuca abaixo. Amanhã, como volto a Bragança (estou em Matosinhos), farei uma visita a meu barbeiro. Que melhor designado seria se o fosse como promotor de striptease de couro cabeludo. E logo em mim, cujo couro cabeludo já vive despudoradamente com pouquíssima roupagem.
A sinceridade também já me trouxe não poucos dissabores no lidar com amigos e conhecidos (como quase toda gente sabe, há conhecidos que não chegam a ser amigos. E, cuidado!, há amigos que pouco são conhecidos).
Já contei aqui, faz quase 7 anos, a história da psicanalista que me pediu que dissesse a primeira palavra que me ocorresse ao pensar nela. Eu disse. E meu relacionamento com ela acabou. Leiam.
Há aquele filme com Jim Carrey (que eu não suporto), o LiarLiar, em que o indivíduo - justo um advogado! - é impedido de mentir e gera as maiores confusões.
Há, também, vídeos do Gato Fedorento e da turma da Porta dos Fundos sobre os inconvenientes da sinceridade absoluta.
Uma mentira pode ser de utilidade indispensável. Diria que na maioria dos casos.

quinta-feira, 12 de setembro de 2013

Às vezes é salutar estar atrasado

Portugal tem uma esquerda raquítica. Ainda bem, digo eu.
No Brasil, a esquerda, ao menos aquela agrupada no Partido dos Trabalhadores (PT), conseguiu chegar ao poder. E vai destruir o país. O trabalho de desmanche já começou há dez anos.
Os últimos tempos viram, por exemplo, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgar a acção penal 470, conhecida como mensalão. Por variadas razões, entre as quais inclui-se o clamor da opinião pública, a quase totalidade dos réus foi condenada a penas não comuns em casos que envolvam gente graúda.
Mas o jogo não estava ganho. Havia uma prorrogação. E nela os defensores dos notáveis do PT conseguiram já quase reverter todo o julgamento e lançar para as calendas o final desse imbroglio.

Nada disso é novidade. Essa turma já conseguiu façanhas de igual talante. A morte de Celso Daniel, militante do PT e prefeito de Santo André, na Grande São Paulo, teve sua investigação encerrada com a conclusão de ter sido resultado de um sequestro comum. Isso depois de sete (no mínimo) testemunhas (de algum modo) do crime terem sido assassinadas:
  • Dionísio Aquino Severo - Seqüestrador de Celso Daniel e uma das principais testemunhas no caso. Uma facção rival à dele o matou três meses após o crime.
  • Sergio - ‘Orelha’ - Escondeu Dionísio em casa após o seqüestro. Fuzilado em novembro de 2002.
  • Otávio Mercier - Investigador da Polícia Civil. Telefonou para Dionisio na véspera da morte de Daniel. Morto a tiros em sua casa.
  • Antonio Palácio de Oliveira - O garçom que serviu Celso Daniel na noite do crime pouco antes do seqüestro. Em fevereiro de 2003.
  • Paulo Henrique Brito - Testemunhou a morte do garçom. Levou um tiro, 20 dias depois.
  • Iran Moraes Redua - O agente funerário que reconheceu o corpo do prefeito jogado na estrada e que chamou a polícia em Juquitiba, morreu com dois tiros em novembro de 2004.
  • Carlos Delmonte Printes - Legista que atestou marcas de tortura no cadáver de Celso Daniel, foi encontrado morto em seu escritório em São Paulo, em 12 de outubro de 2005.

(dados da Wikipedia)

Há muito que essa gente consegue tudo que quer. A democracia, no Brasil, passou a ser feudo do PT.

Em Portugal, nosso atraso político tem suas vantagens. Aqui, o Partido Comunista e o Bloco de Esquerda ainda são apenas grupos folclóricos.

quarta-feira, 11 de setembro de 2013

A maldição da Virgem

O casal viveu séculos em perfeita união. O único senão foi que todos os filhos e filhas nasceram à semelhança do pai. E o pai era feio. Muito feio.
A mãe, bonita, envelheceu sem perder a formosura.
Os filhos casaram-se com mulheres bonitas, que os admiravam pelas qualidades intelectuais ou, quem sabe, até mesmo pelas qualidades sexuais. Mais provavelmente, as qualidades económico-financeiras terão sido as determinantes.
Já as filhas, ah! as filhas. Desassistidas de formosura, arrastaram pela vida suas fealdades, inconformadas com os sucessivos fracassos amorosos.
Pior: nas poucas vezes em que conseguiram procriar, produziram varões razoáveis e raparigas quase tão pavorosas quanto elas mesmas.
Consta, no folclore, que pesou em tudo a indefectível crença na virgindade de Maria.
Será?

terça-feira, 10 de setembro de 2013

Memória e imortalidade

Ao longo de alguns últimos anos, consegui reunir informações ancestrais do ramo paterno de minha família.
Soube, por exemplo, que minha avó Amélia teve três irmãs. O pai delas, meu bisavô, chamava-se Leonardo.
Outro dia, em almoço na casa de parentes que vivem em Vinhais, soube que as quatro - minha avó e as três tias avós - tiveram um irmão, o Zé Pigarreiro.
Nasceu assim, para mim, um tio avô. Enquanto eu viver, o Zé Pigarreiro viverá comigo. Penso até em dar-lhe um rosto, imaginar suas feições.
Minha memória empurrará o Zé Pigarreiro rumo à eternidade.

segunda-feira, 9 de setembro de 2013

O caiçara saloio

O Houaiss dá o sentido (apenas o 16º...) de praiano, natural ou habitante de localidade litorânea, ao substantivo caiçara, de dois gêneros. Como substantivo apenas masculino, caiçara vem a ser homem ordinário, malandro, vagabundo.
Quanto a saloio, o Priberam diz ser que ou quem trabalha ou vive no campo. Mas se esse é o segundo sentido da palavra, os terceiro e quarto sentidos são: que ou quem é grosseiro, revela falta de educação (...) e que ou quem age de forma desonesta.
Começa por ser curioso que, no Brasil, associe-se praiano a malandro. E, em Portugal, agricultor, camponês, a desonesto.
Talvez porque os dicionários sejam feitos por pessoas que nem do campo nem da praia são. Ou não?
Aliás, no Brasil o termo agricultor vem sendo substituído por ruralista. Proprietário rural. Esse indivíduo, o ruralista, é associado a Satanás. Embora seja responsável pelo pouco de desenvolvimento que apresenta a economia pátria. Talvez quando conseguirem acabar com os ruralistas, os militantes da Esquerda consigam substituí-los com vantagem na produção de riquezas.
Mas vamos voltar à vaca fria.
Hoje saí de Bragança, a cidade (talvez) mais saloia de Portugal, em direcção ao Porto. Mais especificamente, Matosinhos. Cidade praiana.
Troquei o skyline da Serra de Sanabria pelo horizonte do Oceano Atlântico.
Troquei o desonesto pelo vagabundo. O saloio pelo praiano.
A julgar pelos santos que conheço, prefiro ser malandro e ordinário.

Comecei minha permanência junto ao mar a saborear muito malandramente umas magníficas costeletinhas de porco preto no Ribs.

domingo, 8 de setembro de 2013

Nova jabuticaba

Se Charles de Gaulle disse ou não disse que o Brasil não era um país sério não sei.
O facto é que não é.

Diz-se que a jabuticaba é algo que só dá no Brasil. Também não sei.

Mas vejo que surgiu uma nova jabuticaba: o traficante evangélico.
Evangélico e altamente preconceituoso contra as demais seitas. Em particular, as seitas de origem africana.

A matéria que se pode ler aqui, fala de traficantes que expulsam de favelas do Rio de Janeiro mães e pais de santo (ou filhos, sei lá). Porque os evangélicos entendem que essas crenças não são dignas de respeito.

Já o tráfico de drogas...

sábado, 7 de setembro de 2013

Jogos de classificação para o Mundial 2014 no Brasil

Selecção da Irlanda do Norte 2 X 1 Selecção de Portugal





Cristiano Ronaldo 3 X 0 Selecção da Irlanda do Norte


Resultado Líquido: Selecção de Portugal 4 X 2 Selecção da Irlanda do Norte

sexta-feira, 6 de setembro de 2013

Os índices da velhice

Fui hoje ao oftalmo.
Além de me receitar novos óculos, deu-me a notícia de que tenho cataratas.
Muito educado, pediu desculpas pela má notícia.
E eu, que considerara a notícia boa por não precisar operar já. Afinal, as minhas não são tão abundantes como as de Niagara, que visitei na passagem de ano. Esclareceu-me o facultativo que tenho cá um índice de 9 em 10 (referia-se à quantidade de linhas de letras que eu consegui ler em uma dezena). Só quando alcançar o índice de 5 em 10 é que haverá chegado o momento da cirurgia.

E assim, minha velhice está cada vez mais atrelada a índices. Este das cataratas vem juntar-se aos milímetros de diâmetro da aorta ascendente. Até o ano passado estava estável em 46 mm. Quando chegar a 50 mm terei chegado ao fim de minha visita a este vale de lágrimas. Vale, diga-se, em que derramei poucas lágrimas e no qual deliciei-me e delicio-me a valer.
Isso para não mencionar os mais prosaicos: índice de glicemia, índices de tensão arterial, índice de ácido úrico etc etc etc.
Estou fadado a transformar-me em uma tabela do Excel.

***

Duas coisas me deram alegria no dia de hoje.
A primeira, bem mais desimportante que a segunda, foi ter conseguido utilizar o substantivo facultativo para referir-me a um médico. Desde criança ouço os comentaristas esportivos referirem-se a médicos de clubes de futebol dessa maneira. Eu desde sempre os invejava. Agora, na velhice, mais. Afinal, a algo que se torna a cada dia mais necessário é muito agradável que se o possa chamar de facultativo.
A segunda: meu filho, como escrevi há pouco, chega hoje a seu sexto quadrado perfeito. E tem sido durante esses 36 anos uma de minhas três mais gratas alegrias.

quinta-feira, 5 de setembro de 2013

Alternativas de Esquerda

Portugal está a tentar emergir de grave crise. Apesar das bobagens que o actual governo insiste em cometer, alguns sinais de êxito aparecem no horizonte.
Mas os sectores de esquerda cá neste pequeno retângulo ibérico, depois de muito criticarem a política adoptada, parece que enjoaram disso e resolveram tratar de outros temas que consideram mais candentes.

O Bloco de Esquerda (BE) tratou de levantar a discussão do piropo. Para os brasileiros, diga-se que piropo é o galanteio, aquelas considerações nem sempre muito polidas dirigidas nomeadamente a mulheres, em lugares públicos.
Claro que o piropo pode ser também homossexual. Mas quem tiver a paciência de assistir ao vídeo com a palestra de uma militante sobre o assunto (aqui) constatará que o BE prefere vê-lo como expressão da supremacia do masculino sobre o feminino. Como forma reveladora de domínio. Pois. Se a luta de classes já tornou-se um bocadinho antiquada, que surjam novos conflitos sociais. Afinal, a Revolução tem de resultar de conflitos sociais. Ou não seria dialéctica. Então, denunciemos a supremacia masculina, a opressão racial, a homofobia e tudo o mais que se prestar a combustível da Luta.

Já o Partido Comunista Português (PCP), que não se envergonha de ostentar em seu sítio na Internet a dupla foice-martelo, ou seja, não tem mesmo a mais irrisória noção de ridículo (e aqui é difícil não ser redundante), o PCP, eu dizia, decidiu implicar com uma nomeação feita pelo ministro da Defesa em fins de 2.012.
O PCP questiona o Governo por considerar ilegal a nomeação de um civil para o cargo de vogal no órgão IASFA.

(clique na imagem para ampliar o texto)

Veja a parte do decreto-lei que normatiza o assunto:

(clique na imagem para ampliar o texto)

O item 2 do Artigo 7º diz que "o vogal pode ser designado de entre contra-almirantes e majores-generais dos ramos das Forças Armadas."
Como salienta o ministro da Defesa, se pode ser também pode não ser.
Mais: o item seguinte (item 3 do Artigo 7º) estabelece: "Nos casos previstos no número anterior (...)". Ora, então o próprio decreto-lei reconhece a possibilidade de haver outros casos.

É verdade que a nomeação e o questionamento dela por parte do PCP ocorreram no final do ano passado. Eu é que só soube agora do imbróglio.
Fico a perguntar-me quantos pelos em ovo o PCP já terá denunciado neste ano da graça de 2.013.

quarta-feira, 4 de setembro de 2013

Aula de culinária

É a primeira vez que derramo neste blogue meus conhecimentos de culinária. E seria capaz de jurar que será a última.
Não entendo patavina do assunto.
É verdade que cheguei a cozinhar no presídio Tiradentes. Mas confesso que não foram momentos de glória, apesar de - assim como meus companheiros de cela - caprichar sempre no feijão, despejando nele tudo que houvesse de aromático disponível no xadrez. De noz moscada ralada a generosos pedaços de paio (aquele, do porco).
Mas o que me traz ao tema é algo muitíssimo mais sofisticado. Da esfera da nouvelle cuisine. E bota nouvelle nisso.

Tudo começou por volta de 2.005. Eu morava no Brasil e era o feliz possuidor de um cartão de crédito Amex. Volta e meia recebia convites para eventos aos quais eu teria acesso facilitado pelo cartão.
E um incerto dia, não sei se belo ou não, recebi o convite para um jantar para duas pessoas em um novo espaço gastronômico chamado From The Galley. Pra simplificar, vou passar a me referir ao dito cujo pela banal designação de restaurante, com a devida concordância tácita (assim espero) de seu proprietário, o simpático Ton (Neriton Vasconcelos).
O restaurante recebe para o jantar apenas. Possui uma mesa apenas (para 20 lugares). Participam do evento clientes que tenham feito reserva antecipada apenas (com a informação do número do cartão de crédito).
Há um menu de 8 etapas, outro de 5 etapas (Ton prefere o termo courses).
Tais menus são renovados a cada mês.

Talvez por ter ido jantar lá em 2.005, recebo até hoje e-mails mensais com o detalhamento do novo cardápio.
Vale a pena dar uma espiadela no menu deste novo mês de Setembro do ano da graça de 2.013.

Tudo começa com PIPOCA BAFO DO DRAGÃO NO NITROGÊNIO LÍQUIDO. Não arrisco palpite sobre o que seja isso. Mas encontrei um vídeo que mostra o pessoal a comer a dita pipoca lá no From The Galley.



Na sequência, temos KING CRAB ENVOLTO EM PEPINO COM OVAS DE SALMÃO SOBRE ASPARGOS E AIOLI . Aqui a compreensão já ficou mais ao alcance de leigos. Trata-se de caranguejo, devidamente desencapado. Como o crustáceo foi privado de sua indumentária natural, fornecem-lhe fatias de pepino para cobrir suas vergonhas. As ovas de salmão sobre aspargos e aïoli me parecem uma simulação do habitat do bicho. Mas não garanto.
Depois disso, seremos brindados com SALMÃO NO VAPOR COM ESPUMA DE DILL . Em menu assim tão pós-moderno não faltaria uma espuma. Informo aos tão ignorantes quanto eu na matéria (mais ignorantes, impossível) que não há cardápio nouvelle cuisine que se preze sem uma espuminha. Só não confundam dill (tempero) com DIU (dispositivo intra uterino). 
A seguir, SORBET DE COCO . Finalmente, algo autoexplicativo.
Próxima: KOBE BEEF FEITO NO SOUS VIDE COM MOLHO DE TRUFA E COUVE DE BRUXELAS . Essa dá pra desvendar via Google.
Adiante: DUO DE GELATINA CREMOSA . Está tão fácil que já me ocorre notar a ausência de um termo tão indispensável quanto espuma, em um menu desses: redução. Espero que o Ton corrija essa falta grave no cardápio de Outubro. Redução, meus caros, é o nome caprichado para engrossar um caldo, um molho, algo assim. Em geral faz-se a redução no fogo. Pode ser, também, por evaporação.
Por último, vamos coroar nosso estudo com um termo também frequentador assíduo desse universo da alta gastronomia. Encerra-se o menu com TORTA DE LIMÃO DESCONSTRUÍDA . Desconstruir, neste contexto, significa esbagaçar tudo, despedaçar. No caso, a torta de limão. Faz-se a torta.(em Portugal, tarte). Por qualquer motivo, apodera-se do cozinheiro um furor incontido. E ele desconstrói a tal torta. Arrependido, coloca pedaços dela em uma taça, enfeita com natas ou lá o que lhe apeteça e serve.

Bom apetite! (בְּתֵאָבוֹן - lê-se bete'avon )

terça-feira, 3 de setembro de 2013

O Homem que discursava - II

Sabia mencionar vários corónimos, alguns limnónimos, poucos eremónimos, muitos potamónimos e quase todos os talassónimos.
Apenas jamais vira como são feitas as alheiras.
Mesmo sem essa vivência, costumava classificá-las em execráveis alheiras de direita e virtuosas e democráticas alheiras de esquerda.
Ou o contrário, tanto faz.

segunda-feira, 2 de setembro de 2013

Comemorar quadrados

Próximo dia 6, sexta-feira, meu filho completa 36 anos.
Perguntei-lhe hoje a quantas andavam os preparativos para a comemoração.
Respondeu-me que mal lembrava de que completaria mais um ano.
Fiz minha advertência: não vais completar mais um ano. Vais chegar a teu sexto quadrado perfeito.
E isso vale bem mais do que um simples birthday.
Primeiro, porque os quadrados perfeitos são poucos. Até os 100 anos apenas dez deles nos aguardam. Mas não muitos chegam ao nono.
Segundo: os quadrados perfeitos seguem o tempo psicológico que é - a rigor - o único que conhecemos por experiência direta. A uma criança de 9 anos, falar que ela terá uma nova data significativa ao completar 16 anos deve soar como sinônimo de infinidade. No entanto, terão passado apenas 7 anos de um a outro.
Já meu filho reencontrará um quadrado perfeito só daqui a 13 anos. Não me arrisco a apostar qual dessas distâncias temporais é psicologicamente maior.
Talvez sejam iguais e resida aí o encanto dos quadrados perfeitos em nossa cronologia.

E também talvez fosse mais adequado comemorarmos apenas os birthday squared (se me permitem a expressão, que talvez até já exista).

Afinal, nossa importância não é assim tão significativa, para comemorarmos a continuidade de nossa respiração a cada 365 dias.

domingo, 1 de setembro de 2013

O Homem que discursava

Antigo amigo meu costumava dizer, quando ouvia alguma coisa que considerava besteira:
- Melhor ouvir isso que ser surdo.
É o que me ocorre pensar quando leio opiniões de certas pessoas.
Algumas são "de direita". Outras "de esquerda".
Em comum, que eu saiba, têm o histórico de viverem grande parte de suas vidas, até aqui, em gabinetes, salas de aula, ambientes assim. Tudo sempre bem longe de qualquer coisa que cheire a produção de bens, que se pareça com a prestação de serviços essenciais.
Vivem em um mundo de metáforas.
Alimentam-se de ilusões e vomitam citações. Tanto faz se eruditas ou banais. Pensam entre aspas.