quinta-feira, 14 de abril de 2016

Luta de qualquer coisa

A luta de classes saiu de moda. Afinal, é mesmo cada vez mais difícil definir o que seja "classe". Mais ainda fazer com que lutem umas contra as outras.
Vai daí, é preciso descobrir novas formas de pôr setores da sociedade em conflito.
Qualquer coisa serve.
Há negros e brancos? Joguemos uns contra os outros. Como a escravidão já vai um tanto longe no passado, que tal lançar a ideia de cotas que privilegiem negros a pretexto de que até aqui foram injustiçados?
Há homossexuais e heterossexuais? Lancemos no ar a ideia de combate à homofobia. Os homossexuais já têm largo espaço na sociedade? Já são até nicho cobiçado pelo marketing? Não faz mal. Ainda é possível colocar em luta os dois grupos. Basta atuarmos fortemente na busca desse objetivo.
Há homens e mulheres? Vamos explorar a identidade de gênero. 

Nessa vertente, o Bloco de Esquerda (BE), em Portugal, lançou-se destemidamente.
Considerando que não há mais guerras, não há terrorismo, não há fome no mundo, não há mais problemas reais, lancemo-nos aos problemas imaginários.
Até há pouco, Portugal identificava seus cidadãos por meio do BI (Bilhete de Identidade). De uns anos para cá, surgiu o Cartão do Cidadão, a reunir em um só documento a identidade civil, o número de contribuinte, o número da segurança social e o número de utente de saúde. Pode ser manipulado em computador e guarda, sob senha, informações como a morada do indivíduo.
Para o BE o importante é que o nome desse documento gera uma indesculpável discriminação das mulheres. E exige que a denominação seja alterada para Cartão da Cidadania.
Menos mal.
Se estivéssemos sob o governo Dilma, no Brasil, a "presidenta" exigiria: Cartão do Cidadão para homens, Cartã da Cidadã para mulheres e Cart d Cidad para @s demais.
Dessa maneira chegaremos inevitavelmente ao socialismo. Isso quanto aos homens.
As mulheres chegarão à socialisma. Etc etc.

quarta-feira, 13 de abril de 2016

O melhor do mundo

Em uma reportagem sobre o túnel do Marão, publicada no portal da RTP, dia 09/04/2016, li o comentário de um bem humorado português:
"Surpreende-me. Tudo o que se faz em Portugal costuma ser o melhor ou o maior do mundo. Por que raio este feito, agora é apenas o maior só da Península Ibérica? Enganaram-se a medir! "
Comecei a perceber este hábito nacional antes de vir cá morar. Visitei Figueira da Foz em um dia cinzento e chuvoso. Toda gente sabe que praia com chuva é como dançar com irmã: não tem a menor graça. O que podíamos fazer, minha mulher e eu, era entrar em um restaurante e almoçar.
Pedimos camarões e ouvimos do dono do restaurante a convicta informação de que iríamos saborear o melhor camarão do mundo. Nem mais nem menos.
Já lá se vão uns doze anos e entretanto não parei de ouvir e ver diferentes "melhores do mundo".
O azeite de Macedo de Cavaleiros, os pastéis de nata, o vinho do Douro, as praias do Algarve, as alheiras de Vinhais, a cortiça do Alentejo, os ovos moles de Aveiro, o Cristiano Ronaldo, o José Mourinho, o queijo da Serra da Estrela, as sardinhas de Matosinhos, os leitões de Mealhada, uma lista infindável de "melhores do mundo".
O túnel do Marão talvez não seja mesmo o maior do mundo. Mas, pra mim, que vivo pra cima e pra baixo da autoestrada A4, passa a ser o melhor do mundo.

sábado, 9 de abril de 2016

Câmbio fixo, amor volátil


Agora entendo por que Fernando Henrique Cardoso manteve o real sobrevalorizado durante todo seu primeiro mandato.
É que a mesada dada por ele à ex-amante era em dólar.

segunda-feira, 4 de abril de 2016

Minhas bibliotecas (1)


A maioria das pessoas que eu conheço nasceu em hospitais. Eu nasci numa biblioteca.
Minha mãe deu-me à luz em casa.
E a casa de meus pais era entupida de livros. Nela quase não se viam as paredes. Cobriam-nas estantes abarrotadas de livros.
Fosse meu pai um comerciante, eu cedo teria aprendido a diferença entre fatura e duplicata.
Em vez disso, apaixonei-me por livros.

Esse meu berçário, essa manjedoura ao pé da qual os animais e os magos e a estrela guia brotavam da imaginação do leitor, foi minha primeira biblioteca.
Minha em termos. Era de meu pai. Graças a esse detalhe, vivi minha primeira experiência com a censura. A cada livro que eu pegava para ler era preciso submetê-lo ao juízo paterno, que decidia se era leitura para um guri de 10 anos ou pouco mais.
Foi assim que li Coelho Neto. E não li Machado de Assis.
De Monteiro Lobato só me eram permitidos os livros para crianças. Os demais ficavam no índex.
Um livro de contos de Humberto de Campos mereceu censura seletiva. Meu pai, cuja honestidade tinha o bônus de uma acentuada ingenuidade, assinalou com uma pequena cruz o título de cada um dos contos que eu deveria evitar.
O leitor pensou certo. Foram os primeiros que li. E que me presentearam com alguns pesadelos.

Com a morte de papai, minha mãe resolveu doar a biblioteca à Faculdade de Teologia, em São Paulo. E, ao preparar nossa mudança de Santos, autorizou-me a separar um ou dois caixotes de livros que eu quisesse manter. Escolhi com cuidado os que me eram mais queridos.
Ao chegar a São Paulo o caminhão com a mudança, constatei que haviam confundido os caixotes de livros. Os que eu escolhera foram para a Faculdade. Para mim vieram dois caixotes com livros guardados ao acaso. Não me lembro de nenhum que me despertasse interesse.
Perdi minha primeira biblioteca. Mas não seria a última perda.


(continua)