quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Um tipo inesquecível


Quando era criança, eu costumava ler vários artigos em Seleções. Meu pai era assinante.
Uma seção permanente da revista era o “Meu tipo inesquecível”.
Vai daí, lembrei-me, hoje, de uma figura gravada em minha memória para sempre.
Tratava-se de um goês radicado em Santos. Constava que fora alto funcionário sei lá do quê. A bebida o levou à ruína.
Hoje sei que a bebida não leva ninguém à ruína. É a ruína que às vezes leva o indivíduo à bebida.
Mas vamos adiante.
Não lembro o nome dele. Minha irmã mais nova talvez lembre.
Tinha aquela cor cinza característica dos indianos. Vivia a mendigar e, a partir de uma certa época, passou a fazer da entrada da Primeira Igreja Batista de Santos a sua residência.
Era aquele mendigo que sempre usa um paletó. Imundo, mas paletó.
A despeito de seu estado lastimável, transmitia uma imagem altiva, quase imponente, ao menos para crianças como eu, lá pelos nove ou dez anos.
Volta e meia abordava a mim e a meus amigos da Igreja com perguntas sobre gramática, aritmética, coisas assim. E distribuía balas.
Meu pai, é óbvio, presenteou-o com alguns livros de catequese.
Lia-os e os comentava ao reencontrar meu pai. Sempre com a ressalva de que lera com atenção mas – infelizmente – sem os confortos que uma verdadeira casa poderia oferecer.
Lembro-me, em particular, de um dia em que o tesoureiro da Igreja, o Nestor, lhe deu uma nota de dois cruzeiros (se não me falha a memória era uma nota amarela), que mal dava para pagar um cafezinho.
Preocupado com a utilização que dela faria o goês, o tesoureiro advertiu:
- Veja lá o que vai fazer com esse dinheiro!
Como calhou que eu estivesse por perto, pude perceber o que murmurou o goês ao retirar-se:
- Dá-me dois cruzeiros e me diz para não esbanjar!

De pessoas assim, tenho saudade.

terça-feira, 2 de novembro de 2010

Gêneros


Parece que Dilma gostaria de ser tratada por presidenta.
Os presidentes anteriores deveriam, então, passar a ser ditos presidentos.

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Era uma vez - XXXVIII
A importância dos presos políticos dos anos 70


No tempo em que eu estava na cela 12, no chamado fundão do Pavilhão 2 do Presídio Tiradentes, houve um dia em que discutimos a respeito da eventual importância daquele nosso grupo de presos políticos no futuro do país.
Antes de falar sobre essa discussão, faço pequena digressão:
Ainda no Dops, conheci um senhor, lá pelos seus sessenta anos, preso por ser estelionatário.
Em conversa com ele, soube que, na juventude, já tinha puxado cana pelo mesmo motivo. E havia ficado preso no Presídio Tiradentes junto com o escritor Monteiro Lobato.
Ele me afirmava:
- Vocês que estão presos hoje, aqui, serão os que vão mandar no país daqui a alguns anos.
Reencontrei esse senhor no Presídio Tiradentes. Nas visitas de familiares ele segurava no colo um de seus netos e chorava por estar na situação em que estava.
Pois bem. Na discussão da cela defendi um ponto de vista inspirado nas premonições daquele simpático estelionatário.
- Vários de nós [presos políticos aqui encarcerados] seremos responsáveis por este país daqui a alguns anos. Aqui está a nata política da nação.
Meu companheiro de cela, o Jonas, sempre bastante cético, contraditava:
- Imagine! Nós somos um grupo de despreparados. Jamais teremos condição de assumir grandes responsabilidades na política nacional. As pessoas-chave sairão de outras áreas, não deste presídio.
Eu tinha de reconhecer que o grupo todo era muito fraquinho.

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O tempo passou. Vários dos meus companheiros de infortúnio carcerário tornaram-se figuras proeminentes da política nacional:
Frei Betto, Paulo Vanucchi etc etc.
Finalmente, a Dilma – moradora da Torre, a parte feminina do Presídio Tiradentes – torna-se, hoje, presidente do Brasil.

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Eu tinha razão.
Mas o Jonas também tinha: éramos – e somos – muito fraquinhos.
Ou mais precisamente: fraquinhos na qualificação para a direção da nação. Mas vários de nós – daquela turma encarcerada – tornaram-se fortíssimos em outras artes.
Se é que me entendem.

Brasil Norte, Brasil Sul


O mapa abaixo mostra com alguma nitidez que o país se dividiu em Norte e Sul, com poucas exceções (Rio de Janeiro, Roraima).

CLIQUE PARA VER O MAPA COM OS ESTADOS

Não deixa de ser uma ideia.

Atualização (06/11/2010): Minha irmã me alertou para o erro que eu havia cometido: a exceção, ao Norte, não era o Amapá. Era Roraima.