domingo, 30 de outubro de 2011

Portugal é comer bacalhau em Lisboa


Para a grande maioria dos brasileiros, Portugal resume-se a Lisboa. O surpreendente é que para boa parte dos portugueses também.
Se tal simplificação (um antigo professor de Física já dizia a nós, seus alunos: não confundam simplificação com amputação!) é - ou deveria ser - inaceitável, há outra igualmente lastimável, espero que - neste caso - só cometida pelos brasileiros: a de que a comida, em Portugal, restringe-se a variações em torno do bacalhau.
Não conheço brasileiro (dos que nunca vieram a Portugal, ao menos) que não pergunte a quem visitou Portugal:
- Comeste muito bacalhau por lá?
Preocupado que sou com o nível cultural do povo brasileiro, enumero a seguir alguns pratos encontradiços no cotidiano deste retângulo ocidental da Europa, no qual come-se melhor e de modo mais variado que em quase toda parte do planeta.
Como não sou nenhum erudito no assunto, limito-me a copiar nomes de pratos servidos em restaurantes de Portugal e constantes do guia de restaurantes de 2.011, publicado pela revista Sábado (copiei alguns, ao acaso):
Arroz de cabidela, Cavala fumada com caviar, Sopa de tomate, Frango com alheira e polenta de sarrabulho, Perdiz estufada com grelos e castanhas (essa come-se aqui ao pé de casa, no Geadas de Bragança), Arroz de lebre, Leitão confitado e puré de batata-doce, Bife tártaro com alcaparras, Terrina de rabo de polvo das bruxas, Tortellini de massa de algas com lavagante, batata-doce e emulsão de champanhe e cebolinho, Arroz de entrecosto, Bochecha de bísaro guisada em verde tinto, acompanhada com canela e leite-creme com louro, limão e rojões, Capão recheado com enchidos, Pombo com chila e folhado de foie gras, Arroz de pato com passas e pinhões, Cabrito ao vinho do Porto com favas e alheira de caça, Pitéu de safio (um estufado do peixe com ervilhas), Anho assado, Sarrabulho e rojões, Vitela assada, Arroz de fumeiro etc etc.

Ah! Há bacalhau preparado das mais variadas maneiras.

sábado, 29 de outubro de 2011

O cuidado com as fontes


Não me parece necessário ler José Honório Rodrigues (História da História do Brasil ou Teoria da História do Brasil, por exemplo), ainda que seja desejável, para se perceber a importância de bem avaliar as fontes das quais se bebe informação.

Essa observação vem a propósito da enxurrada de e-mails que invade minha caixa postal a propósito dos mais variados assuntos, sempre com tons de final-de-mundo, ora a elogiar os dons curativos da limonada, ora a alertar para o uso de sandálias made in China.
Hoje, por exemplo, estava eu a ler os e-mails recebidos enquanto a Baixinha descongelava uns filetes de peixe-gato para nosso almoço.
De repente, leio horrores sobre os tais pangas. Para uns, peixes criados em pântanos fétidos do Vietname; para outros, peixes alimentados por rações recheadas de substâncias altamente tóxicas.
Corro à cozinha, relato tudo à Baixinha e resolvemos devolver os filetes ao congelador até pesquisas mais conclusivas.
Feitas algumas pesquisas no Google, logo descubro que tudo não passa de alarmismo ou interesseiro ou muito ingênuo.

Saboreamos filetes de pangas no almoço, acompanhados de um delicioso vinho alentejano, claro, claro.

Seria tão bom se as pessoas, antes de saírem a repassar todo e qualquer lixo electrónico que recebem, fizessem umas rápidas pesquisas via Google ou outro qualquer programa de busca disponível na internet.

Ora, ora. Há tanta coisa que seria "tão bom"...

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Humor de Estado


Há tempos não me interesso quase nada pelos assuntos brasileiros, particularmente os políticos.
Contudo, hoje, resolvi ler alguns jornais brasileiros.
Na coluna Panorama Político (de Brasília), publicada sempre à página 2 do jornal O Globo, do Rio de Janeiro, leio:

Despacho roubado


O presidente da Câmara, Marco Maia (PT-RS), determinou a abertura de investigação, pela Polícia Legislativa, para averiguar o roubo de um pé de arruda do hall do apartamento do deputado Paulo Magalhães (PSD-BA). "Esta Casa está obrigada a adotar um posicionamento firme para apurar o desaparecimento desse vaso de arruda, que nós colocamos com o objetivo de nos proteger dos maus-olhados e trazer alguns benefícios", disse Magalhães, na tribuna.


Ponto final.

terça-feira, 25 de outubro de 2011

Conversa de barbeiro


- Você é brasileiro, não?
- Sou português, mas vivi sempre no Brasil.
- Percebe-se, pelo sotaque.
- Pois é. Até tento imitar o português, mas é difícil.
- Nós aqui também tentamos imitar o brasileiro...
- E também não conseguem...

- É verdade que no Brasil barbeiro também significa o que conduz mal?
- Sim, é. E barbeiragem é o que faz o condutor do veículo ao executar mal uma manobra.

- Certa vez esteve cá um brasileiro e pediu-me que lhe cortasse as costeletas. Fiquei sem entender... Depois é que entendi que ele queria que lhe fizesse as patilhas.
Pensei mas não disse:
- E por que não lhe perguntou se as queria bem ou mal passadas?

sábado, 22 de outubro de 2011

Amarelas


No início, achava estranho que houvesse tantas vivendas amarelas em Bragança. E, diga-se, trata-se de um amarelo forte, intenso. Pra lá de gema de ovo.
Parecia-me um bocadinho de mau gosto.
Agora que vivo cá meu primeiro outono, começo a perceber que faz algum sentido pintá-las assim.
Devo essa mudança de apreciação ao convívio diário com multidões de folhas amarelas caídas ao chão.
Ainda bem que não as varrem.
Fazê-lo seria desonrar o outono.

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Chantagem de mãe


Estava eu a passear o cão, no Parque da Braguinha, lá pelas 11 horas da manhã. Passa por mim uma senhora vestida em tons escuros, enormes botas em pele, pretas, daquelas de salto-agulha que cá em Bragança as mulheres utilizam para ir ao talho. Enquanto caminha fala ao telemóvel.
Os fragmentos de conversa que me chegam indicam que fala com a filha e a chama a almoçar. Parece que, do outro lado, a filha recusa o convite.
Diz então a mãe:
- Mas já comprei o frango...
E logo encerra a conversa, de certeza com o convite já aceito.
Fico a pensar: por que a mãe não telefonou à filha antes de comprar o frango?
E a resposta é óbvia:
Porque é mãe.

sábado, 15 de outubro de 2011

Formas


Se as montanhas, vales, planaltos, planícies, colinas e que tais fossem pirâmides, paralelepípedos, cones e demais formas ditas geométricas, talvez o ensino da matemática devesse ser alterado.
Começar-se-ia por complexas equações que descrevessem formas repletas de ondulações, de pequenas concavidades, de grandes abismos.
Só mais tarde, em cursos de matemática avançada, chegar-se-ia a fórmulas descritivas de cubos, esferas, dodecaedros.
Um mundo geométrico seria simples, mais compreensível.
Do modo como está, fica-se às voltas com superfícies não planeadas, irregulares, assimétricas, quase aleatórias.
Ainda bem que sobre tudo isso paira uma lua esférica, impecável:

Clique para chegar à lua

Maria João


Como português fajuto que sou, não conhecia Maria João, a cantora.
Hoje, no Teatro Municipal de Bragança, pude ouvi-la, acompanhada pela Orquestra de Jazz de Matosinhos.
Dona de extensão vocal enorme, de emoção quase infinita, Maria João levou o espetáculo ao ápice ao interpretar Baden e Vinicius (Canto de Ossanha), Tom (Lígia) e - maravilha! - Edu e Chico (Beatriz).
Só pra ilustrar, aí vai uma amostra do balanço da cantora:

sábado, 8 de outubro de 2011

A Cópia


E havia um deus todo poderoso que morria de inveja de outro deus, um deus todo criativo, muito engenhoso e jeitoso.
Vai daí, o todo-criativo teve a ideia de criar um mundo.
E começou por iluminá-lo de modo deslumbrante.

Roído pela inveja, o todo-poderoso pôs-se a imitar o rival.
Por desgraça, seu projeto de iluminação foi mal calculado. A energia programada não permitia intensa iluminação ininterruptamente.
Havia blecaute todo santo dia. Os áulicos, para disfarçar, pediram ao marqueteiro do todo-poderoso que imaginasse algo para amenizar o fracasso.O marqueteiro começou por chamar os blecautes de noites. Muda-se o nome, muda-se a imagem, como todo publicitário sabe. E, em meio à escuridão, conseguiu – com um quase nada de gasto energético – que algumas luzinhas piscassem. Construiu até uma luminária de luz branca (para economizar energia) que se acende durante a tal noite, é verdade que nem sempre por inteiro.

Em uma segunda etapa, o todo-jeitoso separou as águas da terra das águas dos céus.
Já o poderosão se atrapalhou todo para imitar essa separação e terminou por inventar a chuva e seus derivados menos amistosos: granizo, nevasca etc etc. Em compensação, tornou-se o patrono da indústria de chapéus-de-chuva, capas impermeáveis e que tais.

Na terceira fase, aquela em que o todo-faceiro criou as ervas dos campos, as árvores e tudo aquilo que faz a alegria dos vegetarianos, o grosseirão, o outro, até que não fez tão feio. É certo que andou a criar as urtigas. Mas nada que se compare às bobagens posteriores.

Por ter o deus-artista-plástico dado uma paradinha pra repor energias, o omnisciente (mais tarde conhecido por Google) resolveu gastar a quarta etapa a tentar convencer toda a gente que essa história de dia e noite, sol e lua, estiagem e chuva, era o supra sumo.

Na quinta fase a lambança foi total. Enquanto o primeiro-designer criava pavões, pássaros deslumbrantes em sua plumagem, peixes coloridos etc etc, o todo-invejoso começou por criar o rato ao tentar construir um pássaro. Na segunda tentativa saiu-se pouco melhor: criou o morcego. E dá-lhe moscas, pernilongos, gafanhotos etc etc. Isso pra não falar em uns bichos totalmente desengonçados que Ele mesmo percebeu que haviam saído fora de esquadro e lançou-os ao fundo do mar, pra evitar maior vexame.

É ocioso enumerar a quantidade de asneiras produzidas pelo todo-imitador. O cúmulo ele o atingiu ao criar o homem.
Mal havia construído o cidadão, se deu conta de que não o havia dotado de forma alguma de reprodução.
Toca a construir um complemento que – ao ser-lhe acoplado – permita a perpetuação da espécie. Aliás, isso era necessário porque o homem foi criado com data de validade.

Uma digressão: tive um mestre que ensinava: quando algo começa errado, não tente consertar, desista.
Pois o omnipresente parece ter faltado a essa aula. A cada erro, uma tentativa de correção.

Para sanar as lacunas na construção do homem, criou a mulher.

Levou-os a habitar um Paraíso que paraíso não era. Ao menos a pedagogia moderna ensina que não há paraíso onde há qualquer proibição.
Sabe-se lá por quais motivos, o todo-atabalhoado inventou um paraíso em que uma fruta era para não ser comida.
Ainda por cima, quando Adão e Eva resolveram valer-se da melhor coisa que o todo-desastrado criara – o sexo – chutou-os do tal Paraíso e rogou-lhes várias pragas (trabalho, dor de parto etc etc).

Enfim, um desastre.

Já o Universo do todo-engenhoso ficou uma graça.
Não à toa, cada vez é maior o número de indivíduos nesse nosso mundo imperfeito que cultuam o deus todo-criativo.

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

A República, o Douro, o Jazz


Anteontem foi feriado da República aqui em Portugal (5 de outubro) e, só pra contrariar, fomos almoçar na monárquica Espanha.

Fomos à cidade de Zamora, que fica a 100 km aqui de casa.

A cidade é muito bonita. Além de guardar muita história: a independência de Portugal, com o reconhecimento do Reino de Portugal, deu-se pelo Tratado de Zamora, lá no ano de 1.143. Por incrível que pareça, eu ainda não havia nascido.

Almoçamos no restaurante Mirador, às margens do Duero, aquele mesmo que depois que entra em Portugal passa a ser chamado de rio Douro. Depois de uma deliciosa entrada de morcilla, parti para um arroz zamorano, uma espécie de paella com chouriças e outras maravilhas suínas no lugar dos ingredientes da paella.


O Mirador fica na parte histórica de Zamora
Vista desde o salão de refeições do Mirador

E por falar em Douro, ontem à noite fomos a uma apresentação de jazz, no contexto do Douro Jazz. Aqui em Bragança são quatro noites. A de ontem foi com uma cantora de origem portuguesa mas nascida na Austrália, chamada Melissa Oliveira. Ela compõe suas próprias músicas, ou ao menos escreve as letras para melodias que interpreta. Ela foi acompanhada por quatro músicos: o americano Jason Palmer (trompete), o russo radicado nos EUA Alexei Tsiganov (piano/vibrafone), João Artur Moreira (bateria) e João Cação (contrabaixo).

Espetáculo de rara perfeição técnica. Melissa faz o que quer com a voz. Os demais músicos são - para usar imagem do mundo automóvel - topo de gama. Do baterista o grupo interpretou duas composições lindas. Os improvisos foram fantásticos, particularmente os de trompete (Jason Palmer) e os de voz (Melissa).

Jazz de gente grande.