terça-feira, 30 de setembro de 2014

Conversa mole em tarde de domingo

Já Caetano Veloso, em sua composição Língua, dizia:

Gosto de sentir a minha língua roçar a língua de Luís de Camões
Gosto de ser e de estar “
a recordar que o Português tem esses dois verbos que outras línguas fundem apenas em “to be” ou em “être”.
No último número da revista portuguesa Visão, o humorista Ricardo Araújo Pereira lembra:

Embora os franceses e os ingleses, aparentemente, não o saibam, ser bêbado é muito diferente de estar bêbado."

No Brasil, houve um ministro da Educação, final da década de 70 e início dos anos 80, Eduardo Portella, que cunhou uma frase tornada famosa:

Não sou ministro. Estou ministro.”

O “ser” indica permanência.
O “estar” conota transitoriedade.

Mas na conversa deste domingo com primos, depois de um magnífico almoço na aldeia em casa de Zelinda e Alípio, um deles mencionou o comentário de um inglês com o qual exercitava a conversação em língua inglesa:


- Mas em Português fala-se “ele está morto”. Por que não “ele é morto” ?

quarta-feira, 24 de setembro de 2014

Brasil: Por que votar em Dilma

Neste final de campanha eleitoral no Brasil, pipocam em páginas da Internet textos de variadas figuras, algumas bem conhecidas, outras com imensa vontade de o serem, a explicar por que irão votar em Dilma.

Há um aspecto nisso que é de irrecusável aceitação:

Uma atitude dessas exige mesmo explicação.

terça-feira, 23 de setembro de 2014

Cognacthèque

Quando estive, há dois anos, em Cognac, descobri algo que se me viesse à imaginação eu mesmo diria tratar-se de wishful thinking: a Cognacthèque.

Entrar nela, para mim, foi como entrar em uma catedral para um fiel.
Ao ver tamanha profusão de cognacs, lembrei-me de meu saudoso professor Di Tulio. E de como o cognac acompanhou-me ao longo da vida.
Para Vinicius, o whisky era o cão engarrafado.
Para Drummond, o cognac deixa a gente comovido como o diabo. Com a ajuda da Lua.

Para mim, cognac só se deixa empatar com banana com aveia. São meu néctar e minha ambrosia.

Em 2012, ao voltar da viagem em que conheci Cognac, tentei fazer um pedido pela Internet. Não fui atendido. Penso que, na época, só vendiam para a França.

Dia desses resolvi insistir. E consegui!
Fiquei ainda receoso em relação à entrega. Daria tudo certo?

Hoje recebi meus cognacs.



Aproveito a oportunidade para convidar os deuses do Olimpo a virem hoje cá em casa para brindarmos juntos tão fantástico acontecimento.


segunda-feira, 22 de setembro de 2014

Papo dominical


Hoje foi dia de conversar com meu amigo Pardal. E conhecer sua esposa, Ana Maria.
Como estavam eles em Foz Coa, a gozar curtas férias, fui até lá para almoçar e papear.

Eles haviam reservado uma surpresa para mim. O almoço seria na Quinta Ervamoira, do grupo Ramos Pinto.
Deixei meu carro em Foz Coa e fomos no carro do Pardal até a aldeia de Muxagata. De lá seguimos, por oito quilômetros, em um jipe da Quinta por aquilo que Ana Maria negou ser uma estradinha. E é mesmo um “caminho de cabras”.
Como quase sempre onde há mal há bem, a dificuldade de acesso à Ervamoira a torna uma relíquia maior.
Almoçamos praticamente ao ar livre, banhados por uma paisagem de vinhedos e colinas e vinhedos e colinas... Ervamoira tem algo como 450 mil videiras. E estamos em plenas vindimas.

Fiquei a saber que há, perto dali, às margens do rio Coa, afluente do Douro, exemplares abundantes de arte rupestre que se constituem nos mais antigos registos de atividade de gravação da história da humanidade. São gravações em pedra feitos a partir de um passado de 25 mil anos. Representam animais, em sua maioria. Mas há também alguns desenhos de seres humanos.
Não posso deixar de visitar tal coisa.

Lembrei-me até de uma expressão que se usa quando se quer dizer que alguém é muito antigo: “não viveu o dilúvio mas pisou na lama”. De hoje em diante vou preferir dizer: “não chegou a desenhar nas pedras mas sujou as mãos na tinta fresca”.

É infame. Admito.

Mas há mais: na própria Quinta Ervamoira há ruínas de uma aldeia romana do primeiro século da era cristã. A Ramos Pinto tem planos de restaurá-la. Mas aguarda ter recursos suficientes para tanto. É trabalho dispendioso.

Visita-se também, na sede da Quinta, um pequeno museu da casa Adriano Ramos Pinto. Um dos protagonistas da casa é o Lacrima Christi.



A propósito, conta-me o Pardal que seu pai costumava dizer:

Se o vinho é o sangue de Cristo, bem haja quem o matou!

Se a frase me parece saborosa (afinal, estávamos também próximos à foz do rio Sabor...), talvez pareça herética aos ouvidos de um cristão fervoroso.
Alto lá! Não pode ser assim. Os cristãos devem ser gratos aos que crucificaram Jesus. Sem isso não teríamos a possibilidade da salvação.

E fico a imaginar um Jesus que fizesse de um tudo para ser sacrificado mas esbarrasse em um Estado Democrático que não permitisse seu sacrifício. Que o deixasse fazer seus sermões à vontade.
Isso daria uma boa história.

Mas alguém já deve tê-la posto no papel.

terça-feira, 9 de setembro de 2014

Debate Costa x Seguro


A TVI, canal aberto de Portugal, apresentou hoje, no horário do noticiário da noite, um debate entre os dois candidatos a líder do Partido Socialista (PS), em eleição do partido que se dará a 28 de Setembro. Como existe a possibilidade de o PS ganhar as eleições legislativas que se aproximam, quem for – na altura – líder do PS tornar-se-á Primeiro Ministro (PM) de Portugal.

Diga-se, desde já, que o debate conseguiu ser, ao mesmo tempo, bastante flexível e quase totalmente inútil.
Flexível, ao menos, para um português brasileiro (eu) acostumado a assistir a debates na TV do Brasil. Não foi um debate tão engessado como são os debates políticos que a TV transmite no Brasil.
Mas inútil ou por apresentar o que já se sabia ou por revelar a absoluta inaptidão para a governança de ambos os candidatos. Com o perdão da redundância.
Basta dizer que António José Seguro foi o mais claro e assertivo. E isso é dizer muito a respeito de António Costa.
Enquanto Costa equilibrava-se em circunlóquios, Seguro foi direto ao ponto. E deixou claro que pretende governar Portugal para gerar mais empregos e fazer crescer a economia.


Está claro que pretende que Portugal se eleve com o puxar dos cordões dos próprios sapatos.

quinta-feira, 4 de setembro de 2014

O individualismo das Esquerdas e o culto à personalidade


Já meu opinador preferido, em Portugal, Alberto Gonçalves, dizia dia desses, ironicamente, da existência cá na terrinha de “setenta agremiações destinadas a unir a esquerda”.
Em toda parte, a esquerda tem uma irresistível tendência a subdividir-se em grupelhos, partições essas que tendem a igualar o número de agremiações de esquerda ao número de militantes dela.

O antídoto a tal força centrífuga vem a ser o culto à personalidade.

Assim como o indivíduo que admira suas virtudes e deplora seus defeitos idealiza um ser dotado das primeiras e livre dos segundos e o chama Deus, o socialista imagina seu próprio individualismo levado ao limite e passa a venerar algum Pai dos Povos.

Não há socialismo sem culto à personalidade. É esse culto a força centrípeta que torna possível a existência de partidos de esquerda, de movimentos de esquerda rumo ao poder. Não fora ele, e o socialismo se dissolveria em lenines individuais.
Marx, Lenin, Stalin, Mao, Fidel, Guevara foram algumas dessas forças de gravidade a conseguir reunir seguidores que compatibilizavam – graças ao culto a esses ídolos – seus pequenos grandes individualismos com o paroxismo individualista desses Pais dos Povos.
Até mesmo a América do Sul produziu seus arremedos de Guias Geniais dos Povos. No Brasil o esperto Lula; na Venezuela o caricatural Chavez.


Resta saber quais elementos da doutrina socialista levam a esse individualismo exacerbado de seus adeptos. Neste pequeno texto ficaremos apenas com a constatação factual de tal característica. Paradoxal mas verdadeira.

terça-feira, 2 de setembro de 2014

Forças plasmadoras do futuro brasileiro – 2


Escrevi há um mês em meu blogue  a respeito dos dois polos que considero serem os que vão modelar o futuro do Brasil: o Partido dos Trabalhadores (PT) e suas franjas sindicais, estudantis e intelectuais de um lado e, de outro, os evangélicos sob a predominância ideológica dos neopentecostais.

Em primeiro lugar, saliento que o facto da evangélica Marina Silva ter sido guindada à posição de candidata à Presidência da República não é – necessariamente – algo que aponte na direção da polarização de que falo. Aliás, publiquei o texto sobre esse assunto mais de uma semana antes da morte de Eduardo Campos. Além disso, é curioso notar que tanto Dilma Rousseff quanto Marina Silva não são representantes “pura gema” das duas correntes por mim mencionadas. Dilma bandeou-se para o PT tardiamente e até hoje enfrenta um ambiente um bocadinho hostil em seu novo partido. Marina Silva teve formação católica e só bem mais tarde tornou-se evangélica. Também não é prata da casa.

Contudo, tenho a convicção de que, mais adiante, a polarização que indico tornar-se-á mais nítida.
Mas ela já atua nos subterrâneos dos costumes brasileiros. E quero, agora, colocar em relevo as razões que  levam tal polarização, por exemplo, a uma exacerbação da corrupção.

Diga-se logo que corrupção é algo que existe em absolutamente todos os países e lugares. Daí, quando me ponho a discutir a corrupção no Brasil, discuto – na verdade – as razões que tornam a corrupção brasileira notável. Notável pelo volume de recursos que movimenta, notável pela quase total impunidade de seus atores, notável pela leniência do povo, em geral, em relação a ela.

Pois bem: penso que esse ambiente favorável à corrupção (melhor diria: ambiente incentivador da corrupção) decorre de uma característica comum aos dois polos plasmadores da brasilidade no atual momento histórico.

Essa característica é: os dois polos em questão não têm apreço verdadeiro pela sociedade em que vivem.

O PT e suas franjas têm, programaticamente, o socialismo como horizonte. Convivem com uma sociedade capitalista apenas enquanto não têm forças para destruí-la.
Os evangélicos enxergam nossa sociedade como aquilo que eles chamam, pejorativamente, “o mundo”. Algo no qual são obrigados a viver até que possam desfrutar da vida eterna.
Diga-se, de passagem, que mesmo assim nenhum dos dois polos despreza a boa vida desta sociedade podre. A esquerda é cada vez mais caviar e os evangélicos são cada vez mais adeptos da prosperidade. Mas dispõem-se a lutar pelo pão de cada dia com quaisquer armas, uma vez que a sociedade real não lhes impõe respeito.

Daí a impetuosidade em burlar as regras de uma tal sociedade. Daí a justificativa para a voracidade predatória: afinal, ao corrompermos a sociedade nós estamos a contribuir para sua derrocada final.

A corrupção apressa o apocalipse.

Seja ele terreno ou celestial.