segunda-feira, 28 de setembro de 2015

A corrupção estética

A presidente Dilma, do país chamado Brasil, foi estes dias a NY para discursar na ONU.
Há pouco já lá esteve e ficou em uma suíte carézima de um hotel idem.
Voltou agora, com o dólar a beirar os cinco reais, e decidiu ficar na mesma suíte, do mesmo hotel.

Isso não é imoral.
Isso é feio. É kitsch. É cafona.

Tenho amigos que defendem Dilma e seu governo com unhas e dentes.
São pessoas de gostos refinados. Um adora e cria cavalos. Outro tem como passatempo dançar tango. Um terceiro cultiva a literatura inglesa. Etc.
Enfim, seres sofisticados.
Peço a eles que nos ajudem: digam a Dilma o quanto é cafona escolher o mais caro aposento do mais caro hotel para hospedar-se nele. Mormente quando quem paga é o Tesouro.

Imaginemos uma situação hipotética. Fico a saber, certo dia, que pessoa de minhas relações gostaria de rever familiares que moram em NY. Mas não dispõe de recursos para viajar até lá e lá ficar alguns dias. Eu, dispondo de recursos acima de minhas necessidades, ofereço a essa pessoa a viagem. E, confiando no discernimento dela, digo que faça suas escolhas e que vá visitar os parentes por minha conta.
Essa pessoa informa-se, então, em busca do hotel mais caro em NY. E reserva para si o aposento mais caro desse mais caro hotel.
Que juízo faria você, meu eventual leitor, do caráter de tal pessoa?
Você a taxaria de imoral? Não. Afinal, ela foi autorizada a escolher as acomodações que bem entendesse.
Seria difícil, contudo, não nutrir – em relação a tal pessoa – um certo desprezo.

A meu ver, um desprezo estético.

quarta-feira, 23 de setembro de 2015

Notícias de uma viagem ao Brasil


No Rio de Janeiro, na Barra, durante almoço com parentes cariocas, converso com o único tio que me resta.
Tio que, diga-se logo, jamais sucumbiu à separação entre realidade e fantasia. Passeia por ambas sem perceber fronteiras, com a experiência que oitenta e sete anos de vida lhe outorgaram.

Disse-me, à guisa de introdução, que já nada o assombra, coisa alguma o abala.
Só enxerga o sem-sentido à sua volta.
Para ilustrar o que afirmava, contou-me o que presenciou há pouco :

Morreu-lhe um conhecido. Foi ao velório prestar a última homenagem ao amigo.
Estava sentado na sala em que se velava o corpo, quando chega um rapaz e aproxima-se do caixão. Começa a chorar, abraça-se ao falecido e clama que era seu desejo ser com ele enterrado, dele não queria separar-se.
O exagero da cena era tal que meu tio deixou a sala para não se emocionar demasiado.
Esperou que o enterro se realizasse e foi ao estacionamento buscar seu carro para voltar a casa.
Estava a abrir a porta do veículo quando viu o rapaz da cena do velório junto a um automóvel vizinho. Eis que o dramático rapaz, já recomposto, acena para outro indivíduo a pouca distância e com o polegar a fazer sinal de positivo:

- Não se esqueça! Amanhã, às oito, na academia, ok?

sexta-feira, 4 de setembro de 2015

Um voo fatídico


O comandante boceja, abre os braços em um longo espreguiçar-se.
O céu é de brigadeiro, com as commodities lá no alto.
Liga o piloto automático e, furtivamente, sorve uns goles do whisky que traz em uma garrafinha discretamente guardada no bolso do paletó.
A seu lado, a co-piloto prepara sofregamente apresentações gerenciais em powerpoint, não sem um certo ar estranho. Uma comissária de bordo, a Erenice, traz-lhe, de tempos em tempos, café quentinho.
Como tudo está mesmo muito tranquilo, o comandante resolve dar um pulinho ao Instituto Lula para fazer lobby.
Deixa o comando a cargo da co-piloto.
A tripulação comenta que a co-piloto parece ter obtido,  de maneira um tanto oblíqua, em uma universidade de Campinas, sua habilitação para voar. Verdade ou não, ela é mesmo um bocadinho esquisita. A ponto de exigir  - por ser mulher – que os comissários de bordo a tratem por ca-pilôta.

Ao se ver sozinha na cabine de comando, altera os controles e põe a aeronave em descida quase vertical.
O comandante volta e encontra a cabine trancada por dentro. Esmurra a porta. Nada.
Já desesperado, até porque os passageiros ameaçam inflá-lo, grita, grita, mas a co-piloto finge não ouvi-lo.
Alguns comissários de bordo e muitos passageiros sugerem que se use uma picareta para permitir que se entre na cabine de comando, mas o comandante alega que isso pode danificar a porta da cabine.
O avião continua seu trajeto rumo ao solo.


Acordei suado e ofegante.