quinta-feira, 30 de junho de 2011

Ventiladores


No Brasil, quando se quer dizer que alguém, em hospital, está a receber ajuda de equipamentos para respirar, diz-se que respira por aparelhos.
Descobri agora, com o episódio da morte do cantor e ator Angélico, que em Portugal diz-se que o indivíduo está ligado ao ventilador.
Para alguém criado no Brasil, estar ligado ao ventilador só evoca a cena de alguém amarrado a um ventilador, daqueles de pé ou daqueles de mesa.

Como se vê, o cão está ligadão no ventilador

domingo, 26 de junho de 2011

50 anos sem pai


Há exatos 50 anos morria meu pai. Sem mais nem menos.
Deixou-me, de início, uma sensação de liberdade, de alívio.
Por ser pai de muitas ordens, ao partir propiciou-me a desordem.
Aos poucos sua morte trouxe-me dúvidas: como teriam sido nossas relações futuras? Poderíamos ser amigos? Ou romperíamos relações logo, logo?
Veio depois a certeza da inutilidade de tais questões. A morte interrompe a vida e arrebata expectativas.
Hoje, quando ele me parece quase um garoto, comparadas nossas idades, a minha de hoje, a dele de quando se foi, avalio suas fraquezas e suas forças.
E sorrio por suas ingenuidades. E me orgulho de sua grandeza.

Nada me resta, além da memória e da imaginação, que me reponha em seus braços.

Pergunta


Se o tabaco, o álcool e a religião já estão liberados, por que não liberar as demais drogas (aliás,na prática, já liberadas)?

sexta-feira, 24 de junho de 2011

O totalitarismo da dor


A dor, dor de dente, dor de amor traído, dor pra valer, quando se instala, não cede espaço a mais nada.
Absoluta, domina o sofredor por inteiro.
Pra sempre, ao menos naquele instante.

As artimanhas da covardia


Ficou famoso na família de minha mãe o episódio em que um tio qualquer, casado com Dona Mariquinha, em debate com desafeto, gritava:
- Me segura, Mariquinha, me segura! Senão eu mato esse cara!
E se deixava apoiar na dita cuja, tal qual um atacante, no futebol, se derrama sobre o zagueiro pra cavar uma falta.

quarta-feira, 22 de junho de 2011

Brasil: um país invertido


Já começa pelo mapa. Quase qualquer coisa, pra ter estabilidade e firmeza, precisa ter uma base ampla. O mapa do Brasil é de cabeça pra baixo. Largo em cima e estreito na base. Sem falar que o sonho da base - o Rio Grande do Sul - sempre foi o de se livrar do resto do país.

Mas, até aí, é tudo metafórico.

No duro, no duro, na real, a instituição brasileira mais confiável é a do jogo do bicho.
De resto, quanto mais nobre o setor, mais corrupto.
Outro dia contei aqui minha aventura no mundo da cardiologia. Minha cara blogueira Regina disse que não entendeu a história que contei.
Vou tentar ser mais claro e sucinto:
Cardiologistas de uma Clínica me recomendaram um exame para verificar o aumento do diâmetro de minha aorta.
Os especialistas (nem todos, felizmente) costumam dizer que se a dilatação chega a 50 mm é preciso operar.
As imagens do exame apontaram diâmetro máximo de 46,3 mm. Isso foi registado em uma das imagens com caracteres bem grandes.
O médico que preparou o Laudo baseado nas imagens escreveu que a dilatação atingira 50 mm.
Levei os resultados do exame ao cirurgião. Ele olhou o Laudo, examinou as imagens e afirmou que, como a dilatação alcançara o "número mágico de 50 mm" (expressão dele), era preciso operar. E operar o quanto antes.

Resumindo um pouquinho mais: o resultado do exame, contido nas imagens, foi falsificado no Laudo (ou por negligência ou por má-fé). O cirurgião, mesmo tendo visto as imagens, preferiu ficar com o número do Laudo, para faturar mais uma cirurgia ou por algum dogma da numerologia.

Para sorte minha, nem todos os médicos são criminosos. Ao consultar outro cardiologista tudo ficou esclarecido. Inclusivamente a desnecessidade da cirurgia. Cirurgia essa, diga-se, de altíssimo risco.

Vários amigos me perguntam por que não processo o hospital onde foi realizado o exame e o cirurgião que recomendou a cirurgia.

Simples: eles vão ganhar; eu vou perder. Estamos no país do avesso. Reparem que nem publico o nome do hospital nem o nome do cirurgião. Caso o fizesse, quase certamente seria processado por eles, com as conseqüências imagináveis. Mesmo tendo as provas da tramóia.

Consegui esclarecer?

segunda-feira, 20 de junho de 2011

René e Erich Fromm


No final do curso primário, lá pelo longínquo ano de 1.954, meus colegas de Colégio Marçal, Santos, São Paulo, combinámos de aproveitar o último dia de aulas para fazer um torneio de futebol de botão na casa de um dos alunos, o René.
Terminado o curso, lá fomos nós para a casa do René, mais precisamente para a garagem da casa do René. No chão da garagem é que funcionava o campo de futebol de botão.
Enquanto acompanhava as primeiras partidas, fui notando que uma vontade de fazer xixi aumentava paulatinamente. Como era uma criança bastante tímida, fiquei na minha. Claro que, a certa altura, mijei nas calças.
Foi um pega pra capar. Ligaram pra minha casa, a Júlia, que era meio empregada meio membro da família, foi até a casa do René pra levar roupas secas pra mim.
O vexame foi minha despedida da turma do primário.

Alguns poucos anos depois, no curso ginasial, Colégio Canadá, o mesmo René protagonizou cena hilária – pra todos, menos pra ele – em um exame final de francês. O professor Sólon era o terror do Canadá.
René colava durante o exame, o professor Sólon percebeu, foi até a carteira dele e recolheu a prova.
Voltou à mesa de professor e sapecou um sonoro Zero na prova. René procurou explicar:
- Professor, eu estava estudando!
- Esse não era mais o momento de estudar, respondeu Sólon didaticamente.

Anos mais tarde, mais exatamente 1.968, eu era um engenheiro recém formado, aluno do curso de filosofia da USP.
Morava na lendária Rua Maria Antônia. Mais precisamente no quarto andar do Edifício Canadá. Mera coincidência.
Num dia qualquer, encontro na rua o René.
Atualizámos nossas informações e o convidei a subir a meu apartamento para continuarmos a conversa.
Já lá dentro de meu reduto, René encantou-se com minha biblioteca. Em particular, gostou dos livros de Erich Fromm, que estavam na moda.
Deixei que levasse, por empréstimo, uns dois ou três dos livros do dito cujo.

Nunca mais vi o René.

Hoje me parece que fiz uma troca: dois ou três livrinhos de Erich Fromm por uma mijada na garagem da casa dele.

terça-feira, 14 de junho de 2011

Koldeway Feitosa Chaves


Ele nasceu na Bahia mas foi registado em Santos, São Paulo, Brasil, em 02 de dezembro de 1.939.
Muito cedo na vida, ele e minha irmã se reconheceram como partes indissolúveis de uma unidade.
Não houve nada que conseguisse separá-los.
Casaram, tiveram dois filhos, três netas e iam completar 50 anos de vida em comum agora, no dia 4 de julho próximo.
A vida não quis assim.
Sábado ele se foi.
Enquanto viver, guardarei a lembrança de sua bondade.
Ele foi - sem dúvida - a pessoa mais generosa que conheci.
Como era dono de um nome invulgar, do qual tinha enorme orgulho, tive de ensinar a meus filhos um apelido que ele adquirira na infância: Cócó. Mais tarde, aprendi que, em Portugal, essa alcunha não soa bem. Mas era tarde: meus filhos e netos o conhecem como o tio Cócó.
Ele que, de família nordestina, começou como Cóldévai (oxítona), transformou-se mais adiante em Côlduêi (proparoxítona). Para minha irmã era o Codinho.

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Vamos todos sentir muita saudade de ti, meu irmão.

sábado, 11 de junho de 2011

Partir não é fácil


Bastava ser concedida minha aposentadoria e pronto.
Lá iria eu para Bragança de uma vez por todas.

Trabalhei durante os últimos cinqüenta anos. Para aposentar-me do serviço público me bastaria comprovar 35 anos de contribuição à Previdência. Mas era preciso que desses 35 anos, ao menos 20 fossem dedicados ao serviço público.
Parecia fácil.
Para os 15 anos de trabalho em empresas privadas sobravam-me comprovantes.
Os 20 anos de serviço público inteiravam-se em 12 de abril deste ano.
Nesse mesmo dia entrei com meu pedido de aposentadoria.
Jogaram os meus dados em um sistema (ou seja, um programa de computador) e receberam a informação de que ainda me faltavam alguns meses. Tudo graças a um período de 3 meses de serviço público que o tal sistema não considerou como tal.

O curioso é que todos concordam que o tal período de exatos 88 dias deveria ser computado como de serviço público.

Diagnóstico: o sistema está errado.

Até aí, nada demais. Trabalhei muitos anos com sistemas computacionais e sei bem que todos eles – por mais testados que sejam – apresentam erros.

O nó está em que nenhum burocrata pode contrariar o sistema. Daí que tudo leva a crer que o sistema terá de ser corrigido para que esses fatídicos 3 meses possam ser contados a meu favor. Até lá, já não precisarei deles...

Quem já assistiu ao filme Ardil 22 sabe do que se trata.

Agravante: dos 20 anos de serviço público, 2 e meio são do período em que trabalhei na USP (Universidade de São Paulo). Ocorre que lá trabalhei durante 4 anos. Esse 1 ano e meio que deixou de ser computado eu precisei solicitar à bendita Comissão de Anistia lá de Brasília. Entrei com pedido de reconhecimento desse tempo no remoto ano de 2.006.
Atualmente o processo já está no Setor de Julgamento, depois de feitas todas as análises julgadas necessárias pela Comissão. O tal Setor de Julgamento mantém meu processo em alguma gaveta desde o ano passado.

Tudo indica que só conseguirei minha aposentadoria lá pra 9 de julho. Isso se até lá alguma dor de barriga não provocar o afastamento do burocrata responsável por meu processo.