quarta-feira, 30 de março de 2005

Governo Zero


Agora vai.
Pra acompanhar as três refeições diárias que o companheiro Lulla prometeu pra peãozada por meio do Fome Zero, chegou a Coca-Cola Zero. A farinha, agora, vai descer redonda.

Foto surrupiada do Navego, logo existo II

segunda-feira, 28 de março de 2005

Post de auto-ajuda


Um colega de trabalho me contou uma historinha cheia de lições. Achei que pode ajudar muita gente:
Era uma vez um passarinho distraído que ciscava no meio do mato. Por ser distraído, não reparou que ciscava debaixo de uma vaca. Daí que a vaca cumpriu uma de suas missões na terra. A bosta caiu exatamente em cima do passarinho.
Atordoado, ele colocou a cabeça pra fora da bosta e começou a piar.
Com seus pios, atraiu um gato que se aproximou daquele jeito ligeirinho, típico dos gatos. Não deu outra. O gato comeu o passarinho.
Lições:
1 – Nem sempre quem te põe na merda te quer mal.
2 – Nem sempre quem te tira da merda quer teu bem.
3 – Quando estiveres na merda, é melhor nem piar. Pode piorar.

domingo, 27 de março de 2005

Ainda Gonçalves


Gonçalves fica na serra da Mantiqueira. Alguns dos rios da região caem para um lado do alto da serra (lado oeste), vão parar em Furnas, depois descem até o rio Paraná. Os que caem para o lado leste, vão desembocar no Tietê, que acaba no Paraná.
Resumo: toda a água que brota por ali vai desaguar no Paraná que vira Rio da Prata, passa por Buenos Aires, Montevideo e se mistura ao Atlântico.
Daí, dois comentários de que gostei.
Meu tio comentou que toda essa questão hidrográfica prova que é possível sair de Gonçalves e ir a Buenos Aires sempre descendo. Confesso que jamais me passaria tal ideia pela cabeça.
Já meu primo comentou que toda vez que fica com raiva de argentinos (coisa muito comum entre brasileiros), desce até ao riacho que passa em seu sítio, cospe nele e se tranqüiliza. Demora, mas o insulto chega a Buenos Aires.

sábado, 26 de março de 2005

Gonçalves


Estamos aqui em Gonçalves. A paisagem é uma das mais deslumbrantes que já vi. Rivaliza com o vale do Douro e com Bariloche
Como nada é perfeito, esquecemos de trazer máquina fotográfica.
Mas há histórias, por aqui.
Meu primo tem um cão extremamente dócil e educado. Não faz cara feia para ninguém, adora carinho.
Um dia, meu primo gastava conversa na varanda da casa de um vizinho. Mike, o cão, deitado a seu lado. Pelo caminho de terra vem caminhando um homem. Mike começa a rosnar. Meu primo estranhou o comportamento do cão. Ele nunca agira assim. Segurou-o junto a si. O homem passou por eles e entrou em uma casa pouco adiante. O cão voltou a sossegar. Alguns minutos mais tarde, o homem retoma o caminho, agora em sentido contrário. Novamente Mike começa a rosnar, ameaçador. Meu primo o segura. O homem se afasta. Meu primo pergunta ao dono casa se conhece aquele homem.
- Mora aqui ao lado. É um tipo estranho. Dias desses, matou o próprio cão a pauladas.
Meu primo arrepiou-se.
(Eu também, ao ouvir esse relato).

sexta-feira, 25 de março de 2005

Boa Páscoa


Como não sou cristão, achei estranho quando hoje, ao dizer "bom final de semana" aos companheiros de trabalho, recebi de volta um "boa Páscoa!" (com exclamação e tudo).
Lembrei, então, que não vou trabalhar amanhã justamente graças a isso. É semana santa.
Vou aproveitar a santidade desses dias e visitar meu primo que tem casa de campo em Gonçalves, município do sul de Minas Gerais, menos de cinco mil habitantes e clima de serra. Fica perto de Monte Verde, perto de Campos de Jordão.
Claro. Na volta, boto aqui umas fotos. Só pra dar água na boca dos amigos.
De resto,
Boa Páscoa, seje lá o que seje isso.

quinta-feira, 24 de março de 2005

Floripa e suas histórias


Foi demais. No sábado, um camarão dos deuses. Domingo, cozido de frutos do mar. Tudo com a água do mar quase a bater nos pés.
Meu sobrinho, paulista que já vive lá o tempo suficiente para partilhar o sentimento anti-gaúcho com os nativos, me informa que tudo em Florianópolis tem história. Nada é anódino.
Exemplo: a praia de Itaguaçu.

Bom mesmo, né
Além de linda, ela tem uma intrigante distribuição de pedras em suas águas.

Olha só a maneira como são distribuídas as pedras
Como entender isso? Fácil. Um grupo de bruxas resolveu dar uma festa. Tudo certinho. Só esqueceram de convidar o diabo.
Resultado: enraivecido, o capeta transformou-as em pedras. Assim:

E aquela pedra em cima da outra, à direita?

sábado, 19 de março de 2005

Até logo


Estamos de saída pra Floripa. Era pra ter sido ontem, a ida, mas o dilúvio que caiu sobre São Paulo não nos deixou chegar ao aeroporto a tempo de embarcar. Mas já já a gente embarca. Minha irmã, que mora lá, me pediu ajuda pra fazer umas coisinhas. Eu disse que telefono pra ela hoje, lá pelas três e pouco da tarde, pra conversar. Mal sabe ela que minha ajuda vai lhe custar uns camarões à beira mar.
Na volta ponho aqui umas fotos.
Tchau.
Beijinhos transmontanos.
Vamos a ver os manezinhos.

segunda-feira, 14 de março de 2005

Meu Bazar e os super blogs


Sexta-feira, dia 11, a Rosana Hermann indicou Meu Bazar de Ideias a seus queridos leitores (indicação da saltapocinhas).
Hoje descobri que Meu Bazar está entre os Blogs da Semana do Inagaki.
Tanto o Querido Leitor quanto o Pensar Enlouquece são blogs com coisa de mil acessos diários ou mais.
Desse jeito, vou ter de mudar o nome deste bloguinho aqui para Meu Shopping Center de Ideias.

Em tempo: Ontem, domingo, Meu Bazar foi citado no Divas & Contrabaixos, de Aveiro. Bom demais.

sexta-feira, 11 de março de 2005

Era uma vez - XIX
Luiz Eduardo da Rocha Merlino
o Nicolau


Lá por volta de maio de 1.971, Nicolau me escreveu, da França, dizendo que voltaria ao Brasil em agosto. Não sei, não sei mesmo, mas penso que dos que haviam fugido para Paris, Nicolau era o que menos se conformava com isso. Ele queria estar no centro dos acontecimentos, participar de tudo. Em suas cartas ridicularizava os esquerdistas franceses, que estendiam tapetes vermelhos para os membros de organizações que desenvolviam aqui no Brasil a luta armada. Achava tudo muito pouco sério, naquela Paris em que os militantes de organizações de esquerda iam para as reuniões carregando um pão debaixo de um braço e com o outro uma garrafa de vinho.
Sei lá.
A questão é que, nessa época, foi preso o Jonas, um companheiro nosso, arquiteto, ou estudante de arquitetura, não me lembro bem. Ele tinha poucos contatos, conhecia pouca gente. Não havia grande perigo com sua prisão. O que eu não sabia, era que ele conhecia Nicolau, de Santos. Conhecia sua família, sabia onde morava.
Jonas sabia que Nicolau estava na França. Para amenizar o pau, disse que sabia onde morava a mãe de Nicolau, em Santos.
Não sei porque, Nicolau voltou antes do combinado. Foi para casa da mãe. Lá foi preso.

***

Junto com alguns outros jovens militantes, fui a nossa primeira reunião de célula do POC. Corria o ano de 1.970. Estávamos acostumados a reuniões de estudo com o jornalista Reinaldo Lobo (irmão de um atual “astro” da TV de fofocas, Leão Lobo). Eram reuniões cercadas de alguns cuidados de segurança, é certo, mas levadas em clima razoavelmente ameno. Um belo dia, Reinaldo nos comunicou que passaríamos a integrar uma célula do POC e que seríamos apresentados a um coordenador novo. Ele, Reinaldo, sairia de cena (mais tarde soube que saía do partido, por discordar da evolução dos acontecimentos).
Foi assim que conheci Nicolau. Parecia sósia de Trotsky (desconfio que cultivava a semelhança). Parecia, também, algo mais velho que eu. Soube, depois, que era três longos anos mais novo. De cara, deu um esporro no grupo todo, ao criticar nossa despreocupação com questões de segurança. Disse que aquilo não era brincadeira, que a coisa era séria etc etc etc.
Daí pra frente, nasceu uma amizade sólida. Trabalhamos juntos até a partida dele, com a companheira Taís, para a França. Taís mora hoje em São Paulo. Nunca mais nos falamos. Tenho até o telefone dela. Não vou ligar. Não haveria nada a dizer.(1)

***

Nicolau adotou tática suicida, pelo que me contaram. Ao ser torturado, xingava seus algozes. Acredito que isso seja verdadeiro. Combina com seu estilo. Em função disso, foi pendurado no pau-de-arara durante catorze horas.
Aqui, vale uma explicação para os “leigos”. Pau-de-arara é um instrumento de tortura até hoje muitíssimo utilizado em prisões e departamentos policiais no Brasil. O cidadão (!?) é despido. Coloca-se por trás de seus joelhos um pedaço resistente de pau. Suas pernas são então dobradas e amarram-se suas canelas a suas coxas, deixando preso o tal pau entre suas pernas. Em seguida, o pau é colocado na posição horizontal, a mais ou menos um metro do chão, apoiado em cavaletes, ou em duas mesas, ou em qualquer outro tipo de apoio. O indivíduo fica, conseqüentemente, pendurado, de cabeça para baixo. A partir daí, vale a criatividade dos torturadores. Pauladas, choques elétricos nos órgãos genitais etc etc.
Só que – de tempos em tempos, coisa de 15 a 20 minutos – o indivíduo precisa ser retirado dessa posição para que o sangue volte a circular adequadamente para seus membros inferiores.
(Dizem que essa hora é a pior. O formigamento das pernas é quase insuportável.)
Quer dizer que, quando um preso diz que ficou três horas no pau-de-arara isso significa, a rigor, que ele ficou pendurado três horas, sim, mas em intervalos de 15 a 20 minutos, com interrupções. Exatamente como num programa de TV, com seu intervalos comerciais.
Com Nicolau não foi assim, pelo que me contaram. Ele foi pendurado e “esquecido” sozinho em uma sala. Durante 14 horas. Suas pernas gangrenaram. A morte veio poucos dias depois.
(Em função disso, todos nós, presos a seguir, não passamos pelo pau-de-arara. Parece que os chefões não gostaram do “erro” cometido pelo pessoal operacional.)
Antes disso, foram cobradas dele algumas informações. Pelo que me disseram, três: onde ficava minha casa; qual o endereço de Taís, na França; a terceira não me lembro. Tudo isso me foi contado por Ricardo Prata Soares, o “Hugo”, que já estava preso na época em que a equipe do major Ulstra (ou Ustra?) fez o que fez com Nicolau. Prata denunciou a tortura e morte de Nicolau em seu depoimento na justiça militar.

***

Aliás, Prata é um caso a ser analisado: preso com a esposa e com uma filha de poucos anos (três ou quatro), foi submetido – e também a esposa – a torturas que incluíram a ameaça de que se torturasse também a menina. Tratando-se de indivíduo normal, não resistiu e falou o diabo. Foi ele que colocaram diante de mim quando eu ainda teimava em afirmar que não tinha nada a ver com nada. Chegou na minha frente e disse que o Nicolau tinha sido morto e que todos estavam presos. Acabou com minha resistência. Eu, no lugar dele, faria o mesmo.
Só comecei a discordar do Prata quando, já no Presídio, ele começou a puxar desesperadamente o saco da turma da ALN e cercanias, no intuito de recuperar prestígio, já que fora taxado de traidor pelos inquisidores de plantão. Me lembro de uma tarde de sábado, dia de visitas, as famílias a conviver conosco no pátio do presídio. Prata e eu conversávamos num canto. Eu desancava a turma da ALN (no tempo em que eu tinha 26 anos eu era bravo) e ele: “Mas Renato (meu nome não era esse, é claro, eu era conhecido por outro pseudônimo) (2), se você ficar contra a esquerda, como você vai sobreviver?!”
Essa, na verdade, era a preocupação de boa parte do pessoal. Muitos dependiam dos contatos adquiridos na esquerda para arrumar emprego.
Parece, pelo que leio nos sites de esquerda, que o velho Prata – e sua Eleonora (3) – recuperaram o prestígio que haviam perdido. Que continuem felizes. Junto a mim, jamais perderam prestígio nenhum. Mas não sei se isso lhes interessa (4). Afinal, não tenho emprego para oferecer a ninguém.
Nicolau informou meu endereço. Só que não tinha mais como levar os policiais até a casa. Não conseguia mais andar (aliás, nunca entendi porque os militares não iam sozinhos, já que sabiam o endereço. Será que não dispunham de um guia da cidade?!). Prata os levou até lá. Pelo que ele mesmo me disse, não tinha conseguido manter os olhos fechados durante os transportes para minha casa e tinha descoberto em que local ela ficava.
Lembro, aliás, que durante o julgamento na Auditoria Militar, um amigo da família de Nicolau aproximou-se de mim e me perguntou se Nicolau podia ser considerado herói. Disse-me que a mãe dele queria saber se o filho era ou não herói.
Disse que sim. Que Nicolau era herói.
Não sei o que é um herói. Millôr Fernandes definiu certa vez: Herói é o cara que não teve tempo de fugir.
Ironias à parte, se Nicolau não é herói, quem é?
Cada vez sei menos. Não sei se valeu a pena Nicolau ter dado a vida por essa causa. Não sei se seria melhor se tivesse cedido logo no início. Não sei.
Sei que Nicolau era uma pessoa daquelas que me fazem – ainda – acreditar no ser humano.
Até nunca, Nicolau.
Jamais vou esquecer que tentamos melhorar esta merda deste país.
Mas, decididamente, ele não merece caras como você.

Notas acrescentadas em 27/09/2014:
1) Soube, há pouco, que Taís (Ângela Maria Mendes de Almeida) chegou a viver um tempo cá em Portugal. Espero que a estadia cá tenha feito bem a ela.
2) Quando escrevi esse texto eu ainda usava o pseudônimo de Renato Santos Passos. Meu nome de guerra, pelo qual era conhecido no presídio, era Guerra.
3) Eleonora Menicucci, atual ministra da Secretaria de Políticas para as Mulheres, no governo Dilma. Ela e Prata parece que já estão separados há muitos anos.
4) Ricardo Prata parece não ter gostado das coisas que escrevi aqui. Mandou-me e-mail a mostrar algum aborrecimento. Pedi a ele que escrevesse o que bem entendesse. Ele me mandou um primeiro texto, que publiquei, mas não escreveu mais nada e rompeu o contato.

terça-feira, 8 de março de 2005

domingo, 6 de março de 2005

Viva a saltapocinhas


Podem me chamar de bocó (esse termo nem mais se usa), mas várias vezes me emociono com detalhes da educação em Portugal. É o facto, por exemplo, de um concelho pagar a um taxista pra que leve à escola - todo santo dia - um aluninho perdido em alguma aldeia remota. Essa destinação de uma fatia do orçamento demonstra a importância que os portugueses reconhecem na educação. Eles, de natural tão pão-duros, "esbanjam" para que uma criança tenha acesso ao estudo. Sei que mesmo assim é pouco. Meus primos do Alentejo me contaram que a escola em que estuda sua filha não consegue verba pra pagar a alguma senhora pra que fique com as crianças nas horas em que não está a professora. Mas, comparada a situação portuguesa à brasileira, não. Não há comparação. Crianças do sertão andam quilômetros, todos os dias, para ter acesso à escola. Quando há escola. Afinal, nossos atuais dirigentes esnobaram escolas e estudos e "deram certo". Pra quê desperdiçar dinheiro com essas bobagens?
Tudo isso a propósito de uma professora de Aveiro que teve a idéia de fazer seus alunos da segunda série (imagino que crianças em torno dos oito anos, por aí)produzirem um blog.
Não deixem de visitar o Blog dos Golfinhos.É, antes de tudo, um tributo ao futuro. Um investimento na qualidade da posteridade.
Quase dizia que é uma pena que "saltapocinhas" seja pseudônimo. Gostaria de homenagear a pessoa verdadeira que se esconde sob esse rótulo.
Ao pensar mais um pouco, descubro que isso é bom. No pseudônimo, com seu caráter anônimo, fica uma homenagem a tod@s @s professor@s portugueses.

A Presa soltou-se


Depois de quase um mês ausente da blogolândia, José Carlos Barros soltou o verbo, em A Presa do Padre Pedro. E tem cada texto lá, que nem te conto.
Ou melhor, reproduzo só um pequenininho, pra dar água na boca:
Para sempre
Durou o quê? Um fósforo. E no entanto escrevíamos os recados do amor com tinta permanente.

sábado, 5 de março de 2005

Queijos, vinhos e amigos


Esta noite de 04 de março foi especial. Ordisi Raluz nos recebeu em sua casa para um Queijos & Vinhos. Era pra ser um encontro de ex-alunos do Colégio Alberto Comte, mas terminou por ser um encontro de blogueiros. Não adianta. O vício é terrível.
Lá estavam: os anfitriões, Ordisi e sua Çaríssima metade, Branco Leone e ela, Che Caribe e ele, Luiz Brandão e Vânia, a baixinha e eu.
Fora Brandão e Vânia, todo mundo ligado em blogs. Não deu outra. Conversa vai conversa vem, o assunto Alberto Comte esgotou e o papo resvalou pros blogs.
Lá pela uma da manhã, Brandão e Vânia tiveram de ir embora.
O restante da turma rolou papo até às duas e pouco. Quando íamos cair fora, meu carro resolveu negar bateria. Chama socorro, coisa e tal, saímos da casa de Ordisi lá pelas três.
Ao contrário do carro, saímos com baterias carregadíssimas.

sexta-feira, 4 de março de 2005

Era uma vez - XVIII
Caindo na teia


Era final de julho. Voltávamos da praia. Estrada livre, nenhum movimento. Minha mulher e eu olhávamos para frente. Víamos o asfalto estendido adiante, ladeado por plantações, pastos, esparsas construções. Mas, principalmente, olhávamos para a frente de nossas vidas. E víamos um período de reflexão, de estudo. Voltávamos das férias com decisões tomadas: sair da organização, parar com aquele corre-corre da militância política, reservar tempo para ler mais, pensar mais.

***

O primeiro semestre de 1.971 estava sendo marcado por uma evolução rápida na situação da esquerda brasileira. Acuadas, cada vez mais abandonadas pelos “simpatizantes” (aquele pessoal da pequena e da alta burguesia que pretendia lavar seus pecados na água benta da revolução prestando pequenos serviços aos militantes, mas preservando suas vidas dentro do quadro do “milagre” brasileiro dos anos setenta), as organizações clandestinas perdiam quadros aceleradamente. Uns eram presos, muitos fugiam para o exterior, outros simplesmente sumiam, esperando que seus nomes fossem esquecidos e que pudessem refazer suas vidas.
Eu, que tinha pouco tempo de militância, me vi alçado de uma hora pra outra à direção nacional do POC (Partido Operário Comunista, dissidência da POLOP). Meus orientadores (Ângela Maria Mendes de Almeida (Taís), Luiz Eduardo da Rocha Merlino (Nicolau), Emir Sader), todos correram para o abrigo da Europa. De lá, escreviam mostrando um crescente distanciamento de nossa realidade. Quanto mais a situação aqui piorava, mais eles nos conclamavam à luta sem tréguas. Sem dúvida, ser revolucionário sul-americano em Paris era bem mais fácil.

***

O carro deslizava na estrada. Mas nossa idéia era fixa: interromper aquela loucura antes que fosse tarde. Durante um mês inteiro de férias havíamos discutido a nossa situação. Chegáramos à conclusão de que não havia mais o que fazer. Era preciso parar. Parar, pensar, refazer planos. Chegando a São Paulo, eu iria providenciar a devolução da casa em que morávamos, na realidade um “aparelho” da organização. Alugaríamos outra casa, sem vínculos com a militância. Íamos começar tudo outra vez.

***

Antes de partir para a França, Nicolau me passara a casa da avenida Chibarás, Moema, São Paulo. Era uma casa térrea (se desconsiderarmos o sótão), de dois quartos, sala, cozinha e banheiro, situada em um enorme terreno. Tinha entrada lateral para automóvel e, ao fundo, além de uma garagem, um grande quintal com algumas árvores frutíferas. O importante, do ponto de vista logístico, era que se tornava possível entrar na casa com o carro, ir até o fundo, desembarcar ao abrigo de olhares estranhos e entrar na casa pela porta da cozinha.
Por todo o primeiro semestre de 1.971, essa casa foi usada para reuniões da direção nacional do POC. Eu levava para lá, na sexta-feira, um por um, os membros do Comitê Central, fazíamos a reunião ao longo do sábado e do domingo. Ao final, eu devolvia todos a pontos indicados por cada um deles. Todos iam e voltavam de olhos fechados. Ninguém sabia onde ficava a casa. Ou melhor, quase ninguém. Isso ficaria claro mais tarde.

***

Entramos em São Paulo saindo da via Dutra. Algum tempo depois estávamos perto de casa. Parei junto a um telefone público para fazer algumas “verificações”. Afinal, já fazia um mês que saíramos de casa. Liguei para um amigo que também era professor na USP (Universidade de São Paulo), no mesmo instituto que eu.
- Tudo bem por aqui?
- Tudo. Sem novidades.
Era o que eu queria ouvir. Em seguida, liguei pra minha mãe. Se não houvesse nada de anormal na USP, nem em minha família, é porque não havia problema.
Minha mãe só disse que estava com saudade. De resto, tudo certo.
Rumei para casa.

***

Tudo foi se acumulando sobre minha cabeça. Os simpatizantes que guardavam a biblioteca do partido pediram para que tirássemos da casa deles todo o material. Morriam de medo. Lá fui eu buscar tudo e colocar na casa da Chibarás. Os que guardavam armas, com mais razão, pediram para livrar-se delas. Também carreguei tudo comigo. Dentro da casa, minha mulher e eu tínhamos de andar pulando sobre caixas de livros e de armas. Não havia como não perceber que a situação se tornava insustentável. Eu ainda mantinha uma vida dupla, ou seja, ainda não caíra na clandestinidade. Era professor da USP e mantinha a militância como atividade paralela. É bem verdade que essa atividade ocupava quase que as vinte e quatro horas de cada um dos meus dias.
Foi chegando o mês de julho. Férias na Universidade. Depois de longas conversas com minha mulher, resolvemos que devíamos pedir licença no Partido, viajar para uma praia na qual o pai dela tinha casa e usar esse tempo para pensar.

***

Entrei na avenida Chibarás e dirigi rumo ao bangalô em que morávamos (morávamos? Não, militávamos, seria mais adequado). Diante dele parei o carro. Olhei para a fachada da casa. Tudo estava tranqüilo. Os jornais acumulavam-se junto ao portão de entrada lateral. Mas, sabe como é, seguro morreu de velho, resolvi dar mais uma volta no quarteirão.

***

Na praia do Lázaro, Ubatuba, naquele tempo, nem luz elétrica havia. Tínhamos, na casa confortável de meu sogro, lampiões de querosene para iluminar tudo (ou já havia luz elétrica? Não sei mais.). Ao chegar lá, começamos a ler os livros que havíamos levado (já não me lembro quais eram, mas havia muito Marx). Sei que conversamos muito, nesse mês. E decidimos que iríamos parar com a militância política, levar uma vida de estudos e esperar a situação evoluir para decidir mais adiante quanto ao futuro mais remoto.

***

Dada a volta no quarteirão, lá estávamos de novo diante da casa. Olhamos um para o outro. Entramos? Sim, vamos lá. Desci do carro, peguei do chão aquele bolo de jornais velhos, afastei-os do caminho, abri o portão. Entrei com o carro. Fui até o fundo, como costumava fazer quando levava os companheiros para reuniões do Comitê Central.
Ainda dentro do carro, olhei para a porta da cozinha. Notei a falta de um vidro na porta. A porta da cozinha era metade (a de baixo) madeira, metade um quadriculado de pequenos vidros, por trás dos quais havia uma portinhola de madeira que impedia que se visse dentro.
Um deles estava quebrado.
- Ladrão. Entrou ladrão na casa enquanto estávamos fora.
Incrível minha capacidade de imaginar sempre a “melhor” hipótese.
Fazia frio. O inverno de 1.971 foi particularmente frio, para os padrões de São Paulo.
Desci do carro, guarnecido por uma “japona”, casaco que se usava na época.
Estava quase alcançando a maçaneta da porta quando essa se abriu, abruptamente, e – de dentro da “minha” cozinha - saíram vários indivíduos, todos à paisana, portando metralhadoras.
Formaram um círculo à minha volta. Ordenaram à minha mulher que descesse do carro e se juntasse a mim.
Minha maior preocupação, nessa hora, foi a de acalmar um dos membros do círculo. Um jovem, quase imberbe, que certamente cumpria sua primeira missão de combate, tremia tanto que temi que sua metralhadora disparasse à sua revelia.
Começava o fim.

quinta-feira, 3 de março de 2005

De como a elite brasileira trata a plebe


Essa discussão, a meu ver absolutamente ridícula, a respeito do aumento de salário dos parlamentares brasileiros me lembra uma história dos anos setenta.
Havia, na Avenida Paulista, São Paulo, uma loja de roupas femininas dedicada à aristocracia brasileira. Digo aristocracia, porque não era qualquer novo rico que podia sentir-se à vontade lá. O local era dedicado a condessas e coisas do tipo: mulheres de sobrenomes “quatrocentões”, como se dizia naquele tempo. É claro que as esposas de presidentes – naquele tempo, generais – eram bem recebidas. Mas, entre os funcionários da loja, eram ironizadas graças à sua origem pequeno-burguesa (e, com a exceção da esposa do general Geisel, graças à avidez com que disputavam vestidos e complementos).
Pois bem. Perto da dita loja (que ocupava um casarão dos poucos restantes na Paulista) ficava a rua Augusta, naquele tempo rua de comércio voltado para a classe média.
Ocorria com alguma freqüência que uma senhora levasse sua filha casadoira a passear na rua Augusta para escolher um vestido de noiva. Esgotadas as vitrines/montras da dita rua (como todos sabem, a voracidade das mulheres por vitrines é inesgotável), a dupla partia para uma incursão pela Avenida Paulista. Logo, logo, esbarrava na loja de Madame Rosita. Exposto na vitrine, lá estava um vestido de noiva absolutamente simples na sua brancura e em seu despojamento perfeitamente elegante, como convém à aristocracia.
Mamãe ficava excitada.
- Vamos olhar esse vestido!
Entravam.
Eram atendidas por uma vendedora muito gentil. Perguntavam o preço do vestido da vitrine. A vendedora, bem treinada, informava que o vestido custava 3.000 dinheiros.
Mamãe e filhinha olhavam-se, consternadas, agradeciam e partiam. Era muito para suas posses.
Mal sabiam elas que o vestido – na verdade – custava 30.000 dinheiros.

quarta-feira, 2 de março de 2005

A compreensão me escapa


Já outro dia, ao ler o Empatia, dei de cara com o método de Hondt. Deve ser algum português que migrou pra Alemanha. Afinal, dizem que alemão é simplesmente um português que sabe matemática.
Mas há outras coisitas que eu não compreendo. Por exemplo:
Consegui minha nacionalidade portuguesa em dezembro de 2.003. Isso significa, entre outras coisas, que passei a ter uma certidão de nascimento portuguesa. Vai daí, é preciso averbar, nessa certidão, todos os atos de minha vida (ou morte) civil. Corri, então, a averbar meu primeiro casamento, até mesmo porque só então meus filhos (que são desse primeiro matrimônio) poderiam pleitear a nacionalidade tão almejada. Bem, isso tudo transcorreu na santa paz.
A seguir, era preciso averbar meu divórcio, para - depois - poder averbar meu segundo casamento.
É aí que entra uma diferença que, talvez, algum causídico português que passe por este blog possa me explicar:
O casamento a gente averba administrativamente, de modo simples, mediante - claro, claro - o pagamento de uma "módica" contribuição ao Estado Português.
Já o divórcio exige que se instaure, na Justiça Portuguesa, uma ação de Revisão de Sentença Estrangeira. Trocando em miúdos: é preciso pedir à Justiça Portuguesa que avalise, reconheça, aceite, ou o que seja, a decisão da Justiça Brasileira que nos concedeu - a mim e à minha ex-mulher - o divórcio.
Até aí tudo bem. Espero que tal reconhecimento ocorra e que eu possa prosseguir no longo caminho de transformar toda minha família em família portuguesa.
Mas, vem cá: e se a Justiça Portuguesa nega tal reconhecimento. Como é que fica?
Fico casado com minha mulher no Brasil e com minha ex-mulher em Portugal?
Seria a bigamia internacional.
E o que é que eu digo lá em casa?!