quarta-feira, 25 de maio de 2011

Médicos S.A.


Vou detalhar o caso de minha aorta sob o risco de ser impertinente. Penso que minha experiência pode ser útil a meus leitores.
Em 1.989 tomei ciência de que tinha uma dilatação na aorta. Isso ao tirar um raio X do tórax em função de uma pneumonia. Desde então passei a tratar minha hipertensão com mais cuidado. Até aquela data ia às vezes a um médico, por qualquer outro motivo, ele me informava de que minha pressão arterial estava um tanto alta e me receitava um remédio. Eu, do alto de meus trinta e tantos anos de (irresponsabil)idade, comprava uma caixa do dito remédio, tomava até o fim e pronto. Esquecia do assunto.
O problema em relação a coisas como hipertensão, dilatação de aorta, diabetes etc etc, é que são, quase sempre, assintomáticas. Dilatações da aorta, por exemplo, são normalmente descobertas por acaso.
Vai daí que, prestes a mudar para Portugal, resolvi verificar como estava o diâmetro da minha artéria preferida.
O cardiologista me recomendou uma angiotomografia e um ecocardiograma com stress farmacológico.
A angiotomografia, que te presenteia com irradiação equivalente a 500 chapas de raio X, é um procedimento simples: te enfiam naquele tubo e te esquadrinham o interior antes de te injetar o contraste. O tal contraste – dobutamina – é injetado na veia e dá um calorzinho durante alguns segundos. Pra mim, quase imperceptível. Voltam a te enterrar naquele tubo e fotografar todo o teu interior novamente. No total, o ritual dura uns 10 minutos.
O eco com stress farmacológico é um tanto desagradável. Vão te aplicando uma substância na veia para provocar aceleração das batidas do coração. Como uma simulação de corrida em esteira/passadeira. Só que você está deitado...
Resumo: se o diâmetro da aorta for superior a 39 mm você é o feliz possuidor de uma dilatação na aorta. Se a dilatação chega aos 50 mm você é informado de que chegou ao limite, ao número mágico. Chegou a hora da cirurgia.
Ora, há uns 7 anos fiz um ecocardiograma comum, que dá uma medida aproximada do tal diâmetro. Deu 42 ou 43 mm.
A angiotomografia é bastante mais precisa.
Ao sair da angiotomografia, antes de ir para o eco com stress, os médicos responsáveis pelos dois exames conversam pra saber se é possível fazer o eco. Logo ao final da angiotomografia, as imagens ainda não trabalhadas em computador, só é possível ter um resultado aproximado. Foi dito a mim que a dilatação da aorta estava em 48 mm. Mas que ficasse tranqüilo e aguardasse o resultado final do exame, alguns dias depois.
Quando fui buscar o resultado dos exames, claro que não olhei as imagens. Não entendo nada do assunto e olhar as imagens me pareceu inútil. Li o Laudo preparado a partir das imagens. Está registrado lá: dilatação de 50 mm.
Levei os exames ao cirurgião. Fui informado de que chegara a hora da cirurgia. Mais: se a dilatação da minha aorta fosse na parte descendente da dita cuja, a cirurgia seria aquela menos invasiva, com stent. Metem um stent pela virilha do pobre diabo. Com emprego de algum engenho e arte fazem o tal stent encaixar-se no lugar abaulado. O stent passará a ser, digamos assim, a nova parede da aorta naquela região.
No meu caso, dilatação da aorta ascendente, infelizmente – meu senhor – é preciso apelar para a ignorância. Ou seja: rasgam o peito do cidadão de alto a baixo, serram o osso (esterno), fazem um desvio do sangue por fora do coração que fica parado e geladinho durante uma hora, tempo suficiente pro açougueiro, ou melhor, o cirurgião cortar o pedaço dilatado da aorta e costurar um tubo no lugar do trecho estragado. A cereja do bolo é que há uma boa chance de ser preciso trocar também a valva aórtica. Se necessário, ela será trocada por uma válvula metálica ou por outra, dita biológica.
Tudo isso é descrito pelo amável cirurgião de forma quase cativante.

O cenário acima descrito me parece extremamente anti-intuitivo: o indivíduo não sente nada de anormal, não tem dor, não tem falta de ar, não tem dormência nos braços, nada, nadica de nada. Nesse clima de absoluta normalidade recebe a notícia de que tem de ser aberto, serrado etc etc.

Uma dúvida começou a insinuar-se em mim: quando, antes do ecocardiograma com stress, o médico responsável pela angiotomografia informou ao colega que a dilatação era de uns 48 mm, ele deve ter dado esse número jogando a favor da segurança. Portanto, feita depois a medição exata, o esperado seria que surgisse um número menor do que 48 mm. O Laudo final, contudo, cravou 50 mm.

Minha formação de engenheiro, apesar de já perdida na névoa do passado, desconfiou não só desse aumento como do número redondo e fatídico: 50.

Aconselhado por um amigo de bom currículo na área (dois infartos, três stents instalados), fui consultar um outro cardiologista.

Depois de exatos 80 minutos de consulta, ele não só garantiu que meu caso não é de cirurgia, como – depois de analisar com atenção as imagens – afirmou: o que consta aí é uma dilatação de 46,3 mm.

Ao chegar em casa, depois da devida comemoração com a Baixinha, fui examinar as imagens. Lá está, em uma das lâminas (aliás, duplicada, não sei a razão), um segmento de reta a marcar o maior diâmetro da aorta e, em caracteres bem grandes: 46,3 mm.

Vamos às conclusões:
1. Entendo natural – ou seja, não necessariamente de má-fé – que um cirurgião torácico tenha uma propensão a recomendar cirurgia. Afinal, ele confia nos métodos de que se utiliza.
2. Não consigo é compreender como é que ele analisa as imagens e não enxerga que o que lá consta é 46,3 mm.
3. Não consigo igualmente entender por qual motivo o médico que produziu o Laudo relativo à angiotomografia viu lá 46,3 mm e escreveu no Laudo: 50 mm.

Minha intenção com o relato um tanto prolixo que fiz não é a de culpar ninguém por nada. Afinal, no Brasil isso não adiantaria mesmo. Isto aqui deixou de ser país decente há muito tempo. Se é que o foi alguma vez.

Deixo apenas minha experiência como alerta.

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