A maioria das pessoas
que eu conheço nasceu em hospitais. Eu nasci numa biblioteca.
Minha mãe deu-me à
luz em casa.
E a casa de meus pais
era entupida de livros. Nela quase não se viam as paredes.
Cobriam-nas estantes abarrotadas de livros.
Fosse meu pai um
comerciante, eu cedo teria aprendido a diferença entre fatura e
duplicata.
Em vez disso,
apaixonei-me por livros.
Esse meu berçário,
essa manjedoura ao pé da qual os animais e os magos e a estrela guia
brotavam da imaginação do leitor, foi minha primeira biblioteca.
Minha em termos. Era de
meu pai. Graças a esse detalhe, vivi minha primeira experiência com
a censura. A cada livro que eu pegava para ler era preciso submetê-lo
ao juízo paterno, que decidia se era leitura para um guri de 10 anos
ou pouco mais.
Foi assim que li Coelho
Neto. E não li Machado de Assis.
De Monteiro Lobato só
me eram permitidos os livros para crianças. Os demais ficavam no
índex.
Um livro de contos de
Humberto de Campos mereceu censura seletiva. Meu pai, cuja
honestidade tinha o bônus de uma acentuada ingenuidade, assinalou
com uma pequena cruz o título de cada um dos contos que eu deveria
evitar.
O leitor pensou certo.
Foram os primeiros que li. E que me presentearam com alguns
pesadelos.
Com a morte de papai,
minha mãe resolveu doar a biblioteca à Faculdade de Teologia, em
São Paulo. E, ao preparar nossa mudança de Santos, autorizou-me a
separar um ou dois caixotes de livros que eu quisesse manter. Escolhi
com cuidado os que me eram mais queridos.
Ao chegar a São Paulo
o caminhão com a mudança, constatei que haviam confundido os
caixotes de livros. Os que eu escolhera foram para a Faculdade. Para
mim vieram dois caixotes com livros guardados ao acaso. Não me
lembro de nenhum que me despertasse interesse.
Perdi minha primeira
biblioteca. Mas não seria a última perda.
(continua)
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