sexta-feira, 27 de setembro de 2013

O tapete voador


Ele era um tapete como outro qualquer, estendido em determinado lugar do chão da sala, entre um sofá e algumas cadeiras. Levava uma vidinha agradável, com algum conforto. Era escovado periodicamente e graças a isso e à calma que reinava naquela casa estava em bom estado.

Apesar disso, não era feliz. Sonhava com outros mundos, viagens de aventuras e contacto com outros seres, diferentes dos habitantes daquela casa.

Como o desprazer aumentasse, um dia saiu a voar janela afora.

Pensava em realizar seus mais acalentados sonhos, viajar, conhecer mundos novos, estabelecer diferentes relacionamentos. Mas, como tapete voador não existe, depressa se deu conta de que ficara reduzido a uma ideia. Deixara de ter materialidade. Puro espírito, de agora em diante. Ou de agora para trás, pois como espírito o tempo para ele deixou de ser linear, não havia mais passado, presente, futuro. Só o puro pensar. E nem o Cogito cartesiano lhe era de alguma serventia. Pensar, pensava. Mas nem por isso existia. É verdade que existia como ideia. Mas isso não lhe interessava. Queria o existir com todos seus atributos.

Mas não adiantava lastimar-se. O mal estava feito. E, por esses acasos difíceis de entender, escolheu-me para transmitir seus pensamentos. Dar vazão a eles.
Quando entrou em contacto comigo, estranhei um bocadinho. Mas a gente se acostuma com tudo. Hoje em dia já recebo suas observações com naturalidade.
Lembro-me bem de sua primeira afirmação. Além da surpresa de um primeiro contacto, intrigou-me que a observação dele contrariasse tão frontalmente as famosas palavras de Gagarin: A Terra é azul.
Aos poucos consegui perceber o porquê: Gagarin referia-se ao aspecto físico, material, da Terra. O tapete voador, por ser puro espírito, só podia perceber o espírito de cada coisa.
E, então, disse-me à guisa de cumprimento inicial:

Isso aí embaixo é uma grande merda!

Mas disse mais, muito mais. aos poucos conto a todos.


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