domingo, 6 de outubro de 2013

Pragmatismo

Nas recentes eleições autárquicas em Portugal, o Bloco de Esquerda (BE) teve 2,42% dos votos dos portugueses, conseguiu eleger, em todo o país, apenas oito vereadores e perdeu o comando da única autarquia na qual o autarca era seu militante.
Logo após o pleito, seus dirigentes foram à TV a salientar a estrondosa derrota... do PSD.
O BE é a agremiação política que quer expulsar a troika de Portugal, deixar de pagar a dívida externa etc etc.

Para os brasileiros, nenhuma novidade. O Partido dos Trabalhadores (PT) em sua época de vacas magras pregava essas mesmas bandeiras ridículas. Apenas o Fora a Troika era traduzido para Fora o FMI.
Depois que o PT perdeu o medo de ser feliz e começou a buscar o Poder de verdade, o guru Lula vangloriou-se de seu governo ter pago a totalidade da dívida externa. Era uma frase sem sentido, mas o PT jamais fez questão de dizer coisa com coisa.

No tempo da ditadura, no Brasil, os grupelhos de esquerda compraziam-se em autodenominar-se Esquerda Revolucionária. Era a forma de separar-se do Partido Comunista, tido por reformista.
De facto, a clivagem verdadeira na esquerda sempre foi entre a que detém alguma parcela de poder e aquela que por ainda não desfrutar dessa ambrosia aferra-se a palavras de ordem despropositadas e absurdas para atrair a atenção (e a adesão) dos indignados do mundo.

A esse segundo grupo pertence, no Brasil, Marina Silva. E a ele pertence por excesso de ambição. Afinal, ela era militante do PT e logo que Lula foi eleito Presidente da República ela ocupou um ministério, no qual ficou por cinco anos. Só pediu demissão quando bateu de frente com Dilma e percebeu que não seria a preferida de Lula, para a sucessão do patriarca.
Ou seja, ocupou o Ministério do Meio Ambiente até perceber que o PT não lhe permitiria dominar o ambiente por inteiro.
Dona Osmarina (seu nome de batismo), então, resolveu unir-se aos Verdes. Disputou a presidência com Dilma  e teve votação não desprezível (quase 20% do eleitorado). A partir de então, como quase todo roqueiro, partiu para carreira solo.
Decidiu formar seu próprio partido político. Um não-partido, claro. Dona Osmarina pretende ser original. E fundou a Rede de Sustentabilidade. Como o povo brasileiro é um bocadinho diminuído intelectualmente (como se diz cá em Portugal), passou-se a falar em Rede. Já Sustentabilidade é palavra muito grande. Septissílabos não costumam caber no vocabulário popular.
Claro. Foi barrada pela máquina petista de manutenção do Poder dentro da Ordem Democrática (PODE).
O PODE é um tantinho distraído. Deixa escapar algumas coisinhas, mas - ao percebê-las - trata de consertá-las. Foi assim com o caso Celso Daniel. Foi assim com o julgamento do mensalão (perdão!, Ação Penal nº 470). e parece que continuará assim com o caso Osmarina.
Restou a essa outra Silva (livrai-nos deles, Senhor!) a escolha entre continuar a desenvolver a Rede e ingressar em outra agremiação política (outro partido, jamais!).
Venceu a entrada em outro ninho. E lá se foi Osmarina, desta vez para o PSB (Partido Socialista Brasileiro, seja isso o que Deus queira).
No PSB já existe um indivíduo com pretensões à Presidência da República. Vou perguntar ao meu amigo Zé Carlos, do estacionamento de Osasco no qual costumava deixar meu carro e no qual, vez ou outra, fazia uma fezinha no Bicho, que bicho vai dar.
Talvez ele saiba.
Só me incomoda a alternativa que Osmarina entende ser a que a ela se ofereceu: ou ser programática ou ser pragmática.
Quase todos estão a criticá-la por ter se mostrado pragmática.
Ora. Quanto a mim, não acredito em programa que não seja pragmático.
O dicionário me diz que pragmático é o "que tem motivações relacionadas com a ação ou com a eficiência".
Eu trocaria eficiência por eficácia.
De resto, programa político que não seja pragmático só pode mesmo subsistir em cabeças acadêmicas.

Quanto ao PT, mostrou-se já furioso por ter Osmarina escolhido o PSB como guarida de suas pretensões presidenciais.
Claro, está em jogo a reeleição de Dilma e o consequente bem viver de grande parcela da militância petista.
O Boletim Carta Maior, por exemplo, coloca em editorial:

A BORBOLETA VIROU LAGARTA? 
O tabuleiro mexeu: Campos e Marina estarão juntos em 2014. Nasce a 'quarta via', o  socialismo econeoliberal."Para destruir o chavismo do PT", diz a suave senadora que deixou o PT em 2009, 'para ser coerente com a luta 'pelo desenvolvimento sustentável'. Marina decidiu. E comunicou a seus pares em caráter irrevogável: será a vice de Eduardo Campos, que ganha assim um discurso palatável à classe média, ele que antes só falava à Fiesp e à Febraban. Marina perde a Rede, mas sobretudo, a aura de maria  imaculada e ganha a companhia dos Bornhausen, os afáveis banqueiros de Santa Catarina, que terão o comando do PSB no Estado e voz ativa na esfera nacional. Os Demos também querem 'destruir o chavismo do PT' e tem precedência na fila. É natural que ocupem espaços. Parece não incomoda-la: Marina é obstinada. 


Maravilha. Os assalariados do PT não têm vergonha e criticam Osmarina por aceitar o apoio dos Bornhausen.
O PT, que aceitou o apoio de Maluf, de Collor, de Sarney, de Renan, do diabo e de seus anjos.

Aqui entre nós: falta vergonha na cara dessa turma. Ou melhor, faltava dinheiro para chegarem ao final de cada mês. Agora já o tem garantido.

O triste é que quando parece que o PT já alcançou o mais abjeto dos níveis de luta política, percebe-se que o poço não tem fundo.

E há quem faça esse tipo de luta política graciosamente. Como se diz em Portugal: à borla. Existe idiota pra tudo, nesse mundão.

Sem comentários: