quarta-feira, 23 de outubro de 2013

A família cristã


Fui criado em família baptista.
Meu pai era pastor.
 Minha mãe, apesar de exercer a profissão de professora de Matemática no ensino secundário, teve sempre a religião como seu único Norte.
Os ensinamentos de Jesus eram, para eles, o que podia haver de mais sagrado.

Detenho-me, então, em um desses ensinamentos:

(clique no texto para ampliá-lo)

Parece claro que Jesus estabelece, aí, uma supremacia de seus fiéis sobre seus parentes terrenos.
E, de facto, observei durante esses últimos longos anos, que muitos parentes meus seguiram esse preceito do Cristo e me evitaram o mais que puderam.
Tenho um primo pastor baptista que encontrou-me um dia na recepção de um laboratório de análises e ficou tão aflito para sair dali que terminou por esquecer sobre a mesa da recepcionista sua carteira, com documentos e cartões de crédito e dinheiro etc etc. Claro que, minutos depois, retornou em busca da dita cuja. Afinal, os pastores desses nossos tempos modernos não desperdiçam nem mesmo tostões.
É preciso, ao menos, reconhecer que têm eles certa coerência com os ensinamentos do Mestre.

Pois eu não concordo com isso.
Para mim, a família tem um peso incomparável com as demais relações. Tanto que tenho um amigo que me é tão caro que nos promovemos, ele e eu, a hermanos.
A figura de Jesus, que me parece ter uma boa probabilidade de ter existido, é tida como de um indivíduo que disse coisas maravilhosas e verdadeiras.
Pois discordo dessa afirmação relativa à hierarquia das relações entre pessoas.
Perdi contacto com boa parte dos parentes de meu lado materno, em grande parte graças a esse ensinamento do Cristo.
Quanto ao lado paterno de minha família, vim desfrutá-lo cá em Portugal. Diga-se logo que são todos católicos, como quase todo português.
Mas acrescente-se que, em Portugal, tudo que diz respeito ao catolicismo explode em festas.
E haja santo para tanta comemoração!
Volto a meus pais.
Não tenho como avaliar o valor que meu pai atribuía a esse ensinamento de Jesus. Ele se foi tão cedo que poucas conversas adultas tivemos oportunidade de manter.
Quanto a minha mãe, sou-lhe e serei sempre grato por não ter levado muito a sério esse preceito do Cristo. Poucas pessoas conheci na vida que tenham valorizado tanto a família quanto ela.
Quando ia ao Rio de Janeiro visitar os irmãos, inevitavelmente caía de cama ao retornar a São Paulo. Os irmãos - que a consideravam como mãe - despejavam nela suas angústias. Ela as absorvia todas. Como se dela fossem. Na época, apelidei essa enfermidade de souzafranquite. Pois tratava-se da família Souza Franco. Na verdade, se incluir aí meu tio Vadinho, tratava-se de franquite pura e simples.
Algumas vezes, Celyna foi mal entendida por parte da família. Sempre por colocar os irmãos acima de tudo. Quando estive preso, ela dedicou-se a mim como nunca. Até cigarros me levava no Presídio (naquela época eu fumava). E fumar, para ela, era pecado.

Mas um filho valia muito mais que um pecado.

3 comentários:

Softy Susana disse...

Não sou católica, apesar de Portuguesa. Aliás, sou completamente descrente em algo superior, criador de tudo e todos, omnipresente, omnipotente e omnisciente. Recuso essa ideia de destino traçado antes da nascença e acredito ainda menos que alguém superior a nós já tenha decidido por mim que caminhos irei percorrer.
Não podia concordar mais consigo quando diz que a família é mais preciosa que tanta coisa na vida e, claro, no meu caso, maior e mais tudo que a religião. Seja ela qual for. Ainda assim, também creio que a família também são aqueles que escolhemos amar e ter a nosso lado, tal como faz com esse seu "hermano". Tenho tantas pessoas no meu coração que considero tanto ou mais que alguns elementos familiares.
E mãe... mãe é nossa mãe, e nunca para uma mãe um filho é menor que um pecado.
Um beijinho, SP, no coração!

Anónimo disse...

Perdoe-me, caro primo, fazer o comentário do texto sob a visão espirita: Quem é minha mãe e quem são meus irmãos?
E chegaram sua mãe e seus irmãos, e ficando da parte de fora, o mandaram chamar. E estava sentado à roda dele um crescido numero de gente, e lhe disseram: Olha a tua mãe e teus irmãos te buscam aí fora. E ele lhes respondeu, dizendo: Quem é minha mãe e meus irmãos? E olhando para os que ali estavam sentados à roda de si, lhes disse: Eis aí minha mãe e meus irmãos. Porque o que o que fizer a vontade de Deus , esse é o meu irmão , e minha mãe. ( São Marcos, cap III , v 20 e 21e de 31 a 35 Mateus cap XII v de 46 a 50.
Analise do texto conforme a visão espírita:
Certas palavras na boca de Jesus parecem esquisitas por contrastarem com sua bondade, mansidão e inalterável benevolência por todos. Os incrédulos não se dispensaram de fazer disso uma arma, afirmando que se contradizia a si mesmo. É incontestável que a sua doutrina tem por base essencial e pedra angular a lei de caridade e amor. Não é possível destruir de um lado o que está estabelecido do outro, e daí ter-se de chegar a uma rigorosa conseqüência, e vem a ser que, se certas máximas estão em antagonismo com os princípios , é que as palavras que os definem foram mal compreendidas ou não são dele ou talvez um tradução mal construída. .
Admiram-se, com razão, de ver nessa passagem Jesus mostrar tanta indiferença pelos seus parentes e até certo ponto renegar sua mãe.
Com relação aos irmãos, sabe-se que eles nunca simpatizaram com Jesus. Espíritos pouco evoluídos, não compreendiam Jesus e sua missão. A conduta dele, aos seus olhos, era extravagante e os ensinamentos não os havia alcançado, visto que nenhum fora seu discípulo. Parece mesmo que eles participavam das prevenções dos seus inimigos. O certo é que o acolhiam mais como a um estranho do que como um irmão quando se apresentou na família, e São João diz positivamente( cap Vll , v5) que não acreditavam nele. Quanto a sua mãe, ninguém poderá contestar-lhe a ternura pelo filho, mas é preciso ressaltar também que ela não fazia uma idéia justa da sua missão, porque nunca a viram seguir os seus ensinos, nem prestar-lhe atenção, como fez João Batista. O sentimento dominante nela era a solicitude maternal. Com respeito a Jesus supor haver ele renegado sua mãe, seria desconhecer-lhe o caráter, pois tal pensamento não podia ser animado por aquele que mandou que se honrasse pai e mãe. Portanto, é preciso procurar outro sentido em suas palavras, quase sempre veladas pela forma alegórica.
Jesus não perdia ocasião alguma para dar um ensino, e então aproveitou a que lhe oferecia a chegada de sua família para estabelecer a diferença existente entre a parentela física e a espiritual, Jesus tinha a visão de humanidade como a grande família espiritual... Ao ensinar a orar : Ao dizer ..Pai nosso ...já nos irmanava a todos...
Na visão espírita , os laços consanguíneos não estabelecem necessariamente ligações entre os espíritos . O corpo procede do corpo , mas o espirito não se origina do espírito porque esse já existia antes da formação daquele. Não é o pai que cria o espírito do filho , mas apenas lhe fornece o envoltório corporal, competindo-lhe ajuda-lo no seu desenvolvimento intelectual e moral... Assim há duas ordens de família: As de laço espiritual e as de corporal; aquela é durável e se fortifica pela depuração, perpetuando-se no mundo espiritual através de diversas migrações da alma; e a outra , frágil como a matéria , se extingue com o tempo e ás vezes se dissolve moralmente desde a vida atual... Isto foi o que Jesus quis fazer compreender quando disse aos seus discípulos: Eis aí minha mãe e meus irmãos, quer dizer , a minha família pelos laços do espirito, pois quem quer que faça a vontade de meu Pai, é meu irmão , minha irmã e minha mãe.

Patricia Vivian disse...

Caro amigo,

Me desculpe, mas não pude deixar de rir, quando comentou o episódio com seu primo, o pastor Baptista. Me fez lembrar de várias passagens com minha própria família, de formação cristã protestante, as mais recentes, trágico cômicas, me fazem lembrar do momento que mais precisei, quando perdi meu pai, minha casa,onde todos os valores cristãos por eles "cultuados" foram rapidamente esquecidos.
Mas o interessante, é justamente essa passagem bíblica citada, que não só me traz conforto, mas reforça minha fé, graças a Deus, fiquei com a única coisa boa, que alguns de meus parentes puderam transmitir, mesmo que a crença deles, infelizmente tenha ficado somente no discurso e bem distante da prática.
Então vou compartilhar contigo a interpretação que aprendi, e mesmo com minha natureza questionadora, até hoje, me parece muito clara.
Terei que discordar com você, quando menciona:"Parece claro que Jesus estabelece, aí, uma supremacia de seus fiéis sobre seus parentes terrenos."Pois discordo dessa afirmação relativa à hierarquia das relações entre pessoas."
Pois o que Jesus disse é justamente ao contrário, suas palavras estão longe de estabelecer uma supremacia ou hierarquia entre as relações e as pessoas. Seus gesto e suas palavras naquele momento, libertam as pessoas de seus valores culturais independente de laços de sangue ou não,e as aproxima e reforça a importância de valores como: perdão, solidariedade, amizade, compaixão, enfim Amor...
Ele quis dizer, que para Deus, não existe hierarquia de sangue, mas de valores comportamentais e espirituais. Quando ele diz: Porque qualquer um fizer a vontade de meu Pai que está nos céus, esse é meu irmão, minha irmã e mãe. Qual a vontade de Deus?? Que sejamos bons uns com os outros, ama teu próximo como a ti mesmo, o maior de todos os mandamentos.
Concordo contigo, que família tem um peso incomparável em nossas relações, e com todo respeito, sua mãe não ignorou o preceito dessa passagem, muito pelo contrário, quando você diz que ela valorizava a família mais do que qualquer pessoa que conheceu, ela estava apenas praticando o que aprendeu, amai uns aos outros.
Vou te dizer uma coisa, não tive a mesma sorte que você em ter uma mãe amorosa e dedicada a família, mas tenho amigos que são mais que uma família para mim, parentes indiferentes, e outros amorosos, solidários, independente dos laços de sangue, mas por uma questão de escolha e natureza de cada pessoa.
Jesus falava em um tempo em que um familiar era mais importante do que tudo, e ele quis ensinar que não adianta ser pai ou mãe de alguém, ter o laço sanguíneo, se o seu comportamento para com os que você deveria tratar com Amor, na verdade os trata como estranhos?? A passagem que citou em seu comentário está a favor de tudo que mencionou da sua relação com seus familiares e não contra.
Quando meu mundo caiu e recebi a indiferença por grande parte de meus familiares, lembrei muito dessa passagem, compreendi Jesus perfeitamente, agradeço o legado que me deixaram, em nada abalou minha fé o comportamento deles, que culpa tem Deus por suas escolhas? Naquele momento da citação, Jesus não quis desprezar sua família, ou dar-lhes menor importância, mesmo porque a história descreve seus parentes como pessoas simples, mas uma família unida, presente e bem estruturada. Ele apenas aproveitou o ensejo, para ressaltar que laço sanguíneo não tem peso maior que o caráter de uma pessoa, e que devemos amar a todos, tal como um pai, mãe e um irmão. Abraçoss