Neste último sábado começou o Outono. Atrasado mas bem-vindo.
Quando vi as primeiras chuvas me dei conta de que já não sabia bem o que era o chover.
O calor se foi.
Vêm agora as vindimas, depois a colheita das castanhas, nestas terras frias de Trás-os-Montes.
E nada como acompanhar tudo isso a comer figos.
Neste pedacinho de paraíso, os figos se dividem em três categorias: os doces, os muito doces e os exageradamente doces. Os melhores, é evidente, são aqueles em que se nota o trabalho do bico de um pássaro.
Ao chegar à casa de minha prima, em Passos, para um almoço em família, já comecei por arrancar do pé alguns figos, à guisa de antepasto. Verdes na cor, maduros no sabor.
Quando vier o frio, sei que o pequeno almoço terá em sua composição figos secos e goles de bagaço.
Mas só em Passos, que é onde tudo isso se torna sublime.
E dessa forma, com os rituais próprios, sucedem-se as estações ao infinito.
Nós acabamos. Elas prosseguem pelos tempos afora.
segunda-feira, 30 de setembro de 2013
domingo, 29 de setembro de 2013
Recomendação
Não sou enólogo, aviso já.
Mas esse vinho é muito bom. E por um preço excelente.
Com direito a Medalha de Ouro.
Na Garrafeira Nacional consta com o preço de € 3,30.
No Continente (Modelo), eu o comprei a €3,99.
Esse é o Dona Ermelinda 2010. Da região de Setúbal.
Comprei também o Dona Ermelinda Reserva 2011. É um bocadinho mais caro - €4,99 - mas, apesar de muito bom, não se iguala ao de 2010 elogiado acima.
Em tempo: esta propaganda é absolutamente gratuita. Tem o objetivo de espalhar o prazer aos leitores deste blogue. O pessoal da Casa Dona Ermelinda nem sabe que existo.
- - -
Atualização: esqueci de dizer que se trata de um vinho tinto. As características descritas no rótulo: Elaborado com base na casta Castelão com um toque de Cabernet Sauvignon e Touriga Nacional.
Mas esse vinho é muito bom. E por um preço excelente.
Com direito a Medalha de Ouro.
Na Garrafeira Nacional consta com o preço de € 3,30.
No Continente (Modelo), eu o comprei a €3,99.
Esse é o Dona Ermelinda 2010. Da região de Setúbal.
Comprei também o Dona Ermelinda Reserva 2011. É um bocadinho mais caro - €4,99 - mas, apesar de muito bom, não se iguala ao de 2010 elogiado acima.
Em tempo: esta propaganda é absolutamente gratuita. Tem o objetivo de espalhar o prazer aos leitores deste blogue. O pessoal da Casa Dona Ermelinda nem sabe que existo.
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Atualização: esqueci de dizer que se trata de um vinho tinto. As características descritas no rótulo: Elaborado com base na casta Castelão com um toque de Cabernet Sauvignon e Touriga Nacional.
sábado, 28 de setembro de 2013
sexta-feira, 27 de setembro de 2013
O tapete voador
Ele era um tapete como outro qualquer, estendido em determinado lugar do chão da sala, entre um sofá e algumas cadeiras. Levava uma vidinha agradável, com algum conforto. Era escovado periodicamente e graças a isso e à calma que reinava naquela casa estava em bom estado.
Apesar disso, não era feliz. Sonhava com outros mundos, viagens de aventuras e contacto com outros seres, diferentes dos habitantes daquela casa.
Como o desprazer aumentasse, um dia saiu a voar janela afora.
Pensava em realizar seus mais acalentados sonhos, viajar, conhecer mundos novos, estabelecer diferentes relacionamentos. Mas, como tapete voador não existe, depressa se deu conta de que ficara reduzido a uma ideia. Deixara de ter materialidade. Puro espírito, de agora em diante. Ou de agora para trás, pois como espírito o tempo para ele deixou de ser linear, não havia mais passado, presente, futuro. Só o puro pensar. E nem o Cogito cartesiano lhe era de alguma serventia. Pensar, pensava. Mas nem por isso existia. É verdade que existia como ideia. Mas isso não lhe interessava. Queria o existir com todos seus atributos.
Mas não adiantava lastimar-se. O mal estava feito. E, por esses acasos difíceis de entender, escolheu-me para transmitir seus pensamentos. Dar vazão a eles.
Quando entrou em contacto comigo, estranhei um bocadinho. Mas a gente se acostuma com tudo. Hoje em dia já recebo suas observações com naturalidade.
Lembro-me bem de sua primeira afirmação. Além da surpresa de um primeiro contacto, intrigou-me que a observação dele contrariasse tão frontalmente as famosas palavras de Gagarin: A Terra é azul.
Aos poucos consegui perceber o porquê: Gagarin referia-se ao aspecto físico, material, da Terra. O tapete voador, por ser puro espírito, só podia perceber o espírito de cada coisa.
E, então, disse-me à guisa de cumprimento inicial:
Isso aí embaixo é uma grande merda!
Mas disse mais, muito mais. aos poucos conto a todos.
quinta-feira, 26 de setembro de 2013
Eleições autárquicas
Em Portugal, são as eleições mais ou menos equivalentes às eleições municipais no Brasil.
No Brasil, vota-se em um candidato a prefeito do município. Elege-se o prefeito e ele carrega consigo um vice-prefeito. É o que se poderia chamar de pague um e leve dois.
O prefeito ficará encarregado do Poder Executivo.
O Poder Legislativo (no Brasil, ele é exercido, nos municípios, pelas Câmaras municipais) será formado por vereadores eleitos segundo o critério de proporcionalidade entre os vários partidos. Cada eleitor vota em um candidato. Feita a apuração, verifica-se quantos votos teve cada partido (não há a possibilidade de candidaturas independentes). Calcula-se o quociente eleitoral de cada partido (dividindo-se o total de votos dados a candidatos do partido pelo total de votos). Isso determinará quantas vagas cada partido terá na Câmara (nem vamos falar sobre os critérios de arredondamento...). Aí cada partido usa suas vagas ocupando-as com seus candidatos mais votados.
Cá em Portugal, os Distritos (mais ou menos equivalentes aos Estados do Brasil) são divididos em Concelhos. Os Concelhos são as entidades municipais e dividem-se em Freguesias (com alguma semelhança a conjuntos de bairros, no Brasil).
Nas eleições autárquicas, escolhem-se os titulares do Poder Executivo e do Poder Legislativo de cada município (Concelho). Além de, em escala menor, os equivalentes no âmbito das freguesias.
A nomenclatura é diferente e confunde um bocadinho: as Câmaras municipais de Portugal são o equivalente das Prefeituras brasileiras. As Assembleias municipais equivalem às Câmaras municipais do Brasil.
Feito esse tosco resumo, vamos ao que me interessa.
Domingo agora, dia 29, haverá eleições autárquicas em Portugal.
Cá em Bragança, tudo indica que o candidato à presidência da Câmara do PSD será o vencedor. Afinal, ele vem a ser o sucessor do último autarca, que governou durante os últimos 16 anos. E bem. Digo isso de ouvir dizer. Afinal, só cá estou há dois anos.
Meu voto irá para o CDS-PP.
Quem me conhece há mais tempo se perguntará: por que no Brasil sempre anulavas o voto (ao menos nos muitos últimos anos) e agora vais votar em alguém?
Por várias razões. Mas a principal, de longe é:
Aqui vota quem quer. Não sou obrigado a votar. E isso, para mim, é absoluta novidade. E olha que não é fácil a alguém de quase 70 anos deparar-se com uma absoluta novidade.
Perdoem-me meus conterrâneos brasileiros. Mas enquanto o voto obrigatório persistir no Brasil, os cidadãos brasileiros serão cidadãos de segunda classe.
Quanto a isso, não vi ninguém protestar, nos movimentos de Junho passado. Talvez por já ser tido como normal, no Brasil, esse aviltamento da cidadania.
No Brasil, vota-se em um candidato a prefeito do município. Elege-se o prefeito e ele carrega consigo um vice-prefeito. É o que se poderia chamar de pague um e leve dois.
O prefeito ficará encarregado do Poder Executivo.
O Poder Legislativo (no Brasil, ele é exercido, nos municípios, pelas Câmaras municipais) será formado por vereadores eleitos segundo o critério de proporcionalidade entre os vários partidos. Cada eleitor vota em um candidato. Feita a apuração, verifica-se quantos votos teve cada partido (não há a possibilidade de candidaturas independentes). Calcula-se o quociente eleitoral de cada partido (dividindo-se o total de votos dados a candidatos do partido pelo total de votos). Isso determinará quantas vagas cada partido terá na Câmara (nem vamos falar sobre os critérios de arredondamento...). Aí cada partido usa suas vagas ocupando-as com seus candidatos mais votados.
Cá em Portugal, os Distritos (mais ou menos equivalentes aos Estados do Brasil) são divididos em Concelhos. Os Concelhos são as entidades municipais e dividem-se em Freguesias (com alguma semelhança a conjuntos de bairros, no Brasil).
Nas eleições autárquicas, escolhem-se os titulares do Poder Executivo e do Poder Legislativo de cada município (Concelho). Além de, em escala menor, os equivalentes no âmbito das freguesias.
A nomenclatura é diferente e confunde um bocadinho: as Câmaras municipais de Portugal são o equivalente das Prefeituras brasileiras. As Assembleias municipais equivalem às Câmaras municipais do Brasil.
Feito esse tosco resumo, vamos ao que me interessa.
Domingo agora, dia 29, haverá eleições autárquicas em Portugal.
Cá em Bragança, tudo indica que o candidato à presidência da Câmara do PSD será o vencedor. Afinal, ele vem a ser o sucessor do último autarca, que governou durante os últimos 16 anos. E bem. Digo isso de ouvir dizer. Afinal, só cá estou há dois anos.
Meu voto irá para o CDS-PP.
Quem me conhece há mais tempo se perguntará: por que no Brasil sempre anulavas o voto (ao menos nos muitos últimos anos) e agora vais votar em alguém?
Por várias razões. Mas a principal, de longe é:
Aqui vota quem quer. Não sou obrigado a votar. E isso, para mim, é absoluta novidade. E olha que não é fácil a alguém de quase 70 anos deparar-se com uma absoluta novidade.
Perdoem-me meus conterrâneos brasileiros. Mas enquanto o voto obrigatório persistir no Brasil, os cidadãos brasileiros serão cidadãos de segunda classe.
Quanto a isso, não vi ninguém protestar, nos movimentos de Junho passado. Talvez por já ser tido como normal, no Brasil, esse aviltamento da cidadania.
quarta-feira, 25 de setembro de 2013
Definição ideológica - 2
No Presídio Tiradentes conheci os Betos e os Vannuchis da vida.
A ALN (Aliança Libertadora Nacional) só tinha heróis. Apenas se atrapalhavam um bocadinho quando tentavam explicar como haviam caído todos os militantes em estilo dominó.
Havia a Ala Vermelha, que oscilava entre submeter-se à ALN ou ter voz própria nas discussões do Presídio. Havia os trotskistas, os da 4ª Internacional, que eram a caricatura da Esquerda caricata.
O resto éramos uma porção de desenganados, a tentar pensar como refazer a vida, como encontrar novos rumos para a vida. Tudo isso em meio a discussões que deixariam envergonhados os contendores das disputas sobre o sexo dos anjos.
Hoje percebo que a grande vantagem daqueles anos foi da espécie das vacinas. Hoje olho estupefacto e triste para os que não passaram pela experiência da prisão e os vejo a continuar o debate sobre apodrecidos temas dos anos 20 ou 30 do século passado. Ou até mais antigos.
Em Portugal, ainda se vive a época que o Brasil já ultrapassou: a da Esquerda de dedo em riste, a combater os insanáveis defeitos do capitalismo. E a deixar no ar a ideia de que basta entregar à Esquerda o Poder e tudo se resolverá.
No Brasil, de facto, quase tudo se resolveu. O pessoal da Esquerda tirou a barriga da miséria e passou a apontar o dedo em riste para os adversários mas agora para justificar-se com a afirmação de que o que a Esquerda faz é tão somente mais do mesmo. E a batalhar para que a mamata não acabe nunca.
Como já se viu o que acontece quando essa turba toma o Poder, quero sim menos Estado, menos controlo, menos sábios a me dizer o que devo ser e fazer.
Sou, então, um neoliberal? Penso que não. Neo certamente não Não me parece que seja novo em nada.
Talvez liberal. Talvez.
(continua, talvez)
A ALN (Aliança Libertadora Nacional) só tinha heróis. Apenas se atrapalhavam um bocadinho quando tentavam explicar como haviam caído todos os militantes em estilo dominó.
Havia a Ala Vermelha, que oscilava entre submeter-se à ALN ou ter voz própria nas discussões do Presídio. Havia os trotskistas, os da 4ª Internacional, que eram a caricatura da Esquerda caricata.
O resto éramos uma porção de desenganados, a tentar pensar como refazer a vida, como encontrar novos rumos para a vida. Tudo isso em meio a discussões que deixariam envergonhados os contendores das disputas sobre o sexo dos anjos.
Hoje percebo que a grande vantagem daqueles anos foi da espécie das vacinas. Hoje olho estupefacto e triste para os que não passaram pela experiência da prisão e os vejo a continuar o debate sobre apodrecidos temas dos anos 20 ou 30 do século passado. Ou até mais antigos.
Em Portugal, ainda se vive a época que o Brasil já ultrapassou: a da Esquerda de dedo em riste, a combater os insanáveis defeitos do capitalismo. E a deixar no ar a ideia de que basta entregar à Esquerda o Poder e tudo se resolverá.
No Brasil, de facto, quase tudo se resolveu. O pessoal da Esquerda tirou a barriga da miséria e passou a apontar o dedo em riste para os adversários mas agora para justificar-se com a afirmação de que o que a Esquerda faz é tão somente mais do mesmo. E a batalhar para que a mamata não acabe nunca.
Como já se viu o que acontece quando essa turba toma o Poder, quero sim menos Estado, menos controlo, menos sábios a me dizer o que devo ser e fazer.
Sou, então, um neoliberal? Penso que não. Neo certamente não Não me parece que seja novo em nada.
Talvez liberal. Talvez.
(continua, talvez)
terça-feira, 24 de setembro de 2013
segunda-feira, 23 de setembro de 2013
Definição ideológica - 1
O lugar em que nasci foi meu útero social.
O mundo começou lentamente a expandir-se. Lembro-me de uma redação que tive de fazer no terceiro ano primário, aos nove anos. Era esperado que falasse de minha cidade, de meu mundo. E falei de uma Santos que se resumia às ruas de minha infância. A rua Osvaldo Cruz, onde morava e onde ficava a escola em que estudava. A Campos Melo,quase uma continuação da outra, ao menos na minha vida. As principais avenidas, a Conselheiro Nébias e a Ana Costa. A orla da praia, claro.
Depois surgiu São Paulo, com seus desníveis, suas ruas umas sobre as outras, maravilha para mim, que vinha de terra plana, à beira-mar.
Em São Paulo minha visão ampliou-se. Lá fiz meu curso de engenharia. Ali desisti da engenharia e comecei meu curso de filosofia.
Em São Paulo livrei-me do cristianismo mas caí na armadilha do marxismo.
Resolvi lutar pelo socialismo. Atenção! Vivia-se uma ditadura, mas não lutávamos por democracia. Nosso objetivo final era a ditadura do proletariado.
Claro, fui preso.
Na prisão conheci melhor a esquerda brasileira. Lá fora, na clandestinidade, era difícil conhecê-la em detalhe. No presídio isso se tornou possível.
A desilusão, se é que ainda restara alguma ilusão quando fui preso, foi total.
Descobri então, às custas de dois anos de minha juventude, que a Esquerda é algo tão podre quanto a Direita.
Para mim, o Poder é podre. E a luta por ele - e é disso que se trata - não poderia ser limpa.
Quem gosta de Poder mete-se nisso. Quem gosta de viver, volta-se a outros cenários.
É evidente que, assim, deixa-se o Poder aos cuidados de outros. E outros que vão determinar aspectos importantes de nossa vida. É o preço que se deve pagar para ser livre. O contrário disso, seria envolver-se na luta pelo Poder e perder a Vida.
(continua, talvez)
O mundo começou lentamente a expandir-se. Lembro-me de uma redação que tive de fazer no terceiro ano primário, aos nove anos. Era esperado que falasse de minha cidade, de meu mundo. E falei de uma Santos que se resumia às ruas de minha infância. A rua Osvaldo Cruz, onde morava e onde ficava a escola em que estudava. A Campos Melo,quase uma continuação da outra, ao menos na minha vida. As principais avenidas, a Conselheiro Nébias e a Ana Costa. A orla da praia, claro.
Depois surgiu São Paulo, com seus desníveis, suas ruas umas sobre as outras, maravilha para mim, que vinha de terra plana, à beira-mar.
Em São Paulo minha visão ampliou-se. Lá fiz meu curso de engenharia. Ali desisti da engenharia e comecei meu curso de filosofia.
Em São Paulo livrei-me do cristianismo mas caí na armadilha do marxismo.
Resolvi lutar pelo socialismo. Atenção! Vivia-se uma ditadura, mas não lutávamos por democracia. Nosso objetivo final era a ditadura do proletariado.
Claro, fui preso.
Na prisão conheci melhor a esquerda brasileira. Lá fora, na clandestinidade, era difícil conhecê-la em detalhe. No presídio isso se tornou possível.
A desilusão, se é que ainda restara alguma ilusão quando fui preso, foi total.
Descobri então, às custas de dois anos de minha juventude, que a Esquerda é algo tão podre quanto a Direita.
Para mim, o Poder é podre. E a luta por ele - e é disso que se trata - não poderia ser limpa.
Quem gosta de Poder mete-se nisso. Quem gosta de viver, volta-se a outros cenários.
É evidente que, assim, deixa-se o Poder aos cuidados de outros. E outros que vão determinar aspectos importantes de nossa vida. É o preço que se deve pagar para ser livre. O contrário disso, seria envolver-se na luta pelo Poder e perder a Vida.
(continua, talvez)
António Ramos Rosa (1.924 - 2.013)
Poema Dum Funcionário Cansado vai em três blocos para facilitar a leitura. Clique nos textos para ampliá-los. O poema foi copiado de Poemas Portugueses Antologia da Poesia Portuguesa do Séc. XIII ao Séc. XXI.
domingo, 22 de setembro de 2013
sábado, 21 de setembro de 2013
sexta-feira, 20 de setembro de 2013
A Dor
A dor é totalitária.
Li isso, pela primeira vez, em Vilém Flusser. Mas nem precisaria dessa leitura. Qualquer dor de dente nos leva a essa conclusão.
Há dor para todos os órgãos. Os materiais, os anímicos.
Volta e meia me lembro das dores de meus vinte anos. E me pergunto por que sofria tanto, aquele garoto que tudo tinha ao alcance da mão.
Talvez toda a dor resultasse da dificuldade de esticar as mãos para alcançar o alívio.
E eis que retomo, quase aos setenta, as mesmas dores de meus vinte anos.
Consigo suportá-las melhor. Os cinquenta anos de intervalo não foram em vão.
Mas como dói.
Li isso, pela primeira vez, em Vilém Flusser. Mas nem precisaria dessa leitura. Qualquer dor de dente nos leva a essa conclusão.
Há dor para todos os órgãos. Os materiais, os anímicos.
Volta e meia me lembro das dores de meus vinte anos. E me pergunto por que sofria tanto, aquele garoto que tudo tinha ao alcance da mão.
Talvez toda a dor resultasse da dificuldade de esticar as mãos para alcançar o alívio.
E eis que retomo, quase aos setenta, as mesmas dores de meus vinte anos.
Consigo suportá-las melhor. Os cinquenta anos de intervalo não foram em vão.
Mas como dói.
quinta-feira, 19 de setembro de 2013
Mulher é melhor
Pena que o Português não seja como o Hebraico.
No Hebraico, omitem-se as vogais e as palavras ligadas semanticamente têm uma mesma raiz, em geral formada por três consoantes.
Ocorre algo assim com mulher e com melhor. Ambas têm a raiz, por acaso de três consoantes (ou fonemas consonantais): m, lh e r.
Além de milhar, molhar e malhar.
De facto, uns 90% dos homens concordarão com o sentido de mulher é melhor.
Se eu pudesse ser concretista, construiria um poema:
.
E você?
Prefere malhar para melhor impressionar a mulher?
Ou acertar no milhar?
Ou no melhor da mulher?
No Hebraico, omitem-se as vogais e as palavras ligadas semanticamente têm uma mesma raiz, em geral formada por três consoantes.
Ocorre algo assim com mulher e com melhor. Ambas têm a raiz, por acaso de três consoantes (ou fonemas consonantais): m, lh e r.
Além de milhar, molhar e malhar.
De facto, uns 90% dos homens concordarão com o sentido de mulher é melhor.
Se eu pudesse ser concretista, construiria um poema:
.
E você?
Prefere malhar para melhor impressionar a mulher?
Ou acertar no milhar?
Ou no melhor da mulher?
quarta-feira, 18 de setembro de 2013
Humor involuntário
Nem sei se é mesmo involuntário.
Hoje, a conversar com minha irmã, que mora no Rio de Janeiro e ainda leva a sério a vida política do país, disse-lhe que iria assistir à leitura do voto de Celso de Mello pois não é todo dia que se pode assistir a um programa de humor tão bom.
O voto dele, com toda a fundamentação que ele conseguiu reunir, resultou - na prática - em absolvição (ou quase) dos maiores expoentes do PT envolvidos na roubalheira.
É disso que se trata.
O resto é juridiquês.
E a luta política no Brasil, naquele estilo Fla x Flu de que o PT tanto gosta, irá prosseguir, agora com a exaltação de Celso de Mello pelos funcionários petistas alocados na imprensa.
Terminada a leitura do douto voto, fui à varanda e fiquei a contemplar o Parque Natural de Montesinho.
E a dar graças aos deuses por ter tido uma decisão acertada na vida - ao menos uma! A de vir viver aqui e deixar longe de mim essa pasta viscosa que é a política brasileira.
Hoje, a conversar com minha irmã, que mora no Rio de Janeiro e ainda leva a sério a vida política do país, disse-lhe que iria assistir à leitura do voto de Celso de Mello pois não é todo dia que se pode assistir a um programa de humor tão bom.
O voto dele, com toda a fundamentação que ele conseguiu reunir, resultou - na prática - em absolvição (ou quase) dos maiores expoentes do PT envolvidos na roubalheira.
É disso que se trata.
O resto é juridiquês.
E a luta política no Brasil, naquele estilo Fla x Flu de que o PT tanto gosta, irá prosseguir, agora com a exaltação de Celso de Mello pelos funcionários petistas alocados na imprensa.
Terminada a leitura do douto voto, fui à varanda e fiquei a contemplar o Parque Natural de Montesinho.
E a dar graças aos deuses por ter tido uma decisão acertada na vida - ao menos uma! A de vir viver aqui e deixar longe de mim essa pasta viscosa que é a política brasileira.
terça-feira, 17 de setembro de 2013
segunda-feira, 16 de setembro de 2013
Anotações no rodapé da barbárie - IV
Quando saí do Brasil imaginei que não mais escreveria posts com esse título.
Mas há a internet...
Ontem, domingo, resolvi assistir a um seminário do grupo e-teacher cujo assunto seria O Nome de Deus. Claro, em um pano de fundo do estudo do hebraico bíblico.
O seminário começaria às 16:30 horas, no horário de Brasília. Portanto, para mim, 20:30 horas.
Quando estabeleci a conexão com o sítio do seminário, verifiquei que participariam dezenas de pessoas. A grande maioria composta de habitantes da terra brasileira.
As pessoas recebiam o som da central, tinham microfone para falar, podiam ligar a webcam para aparecer e havia um espaço para chat.
Antes de iniciar a palestra que duraria mais ou menos uma hora, seguida de debates (uns 20 a 30 minutos), a professora Maya Levin solicitou que todos fechassem seus microfones e desligassem suas câmeras. Para não haver microfonia e para que os que utilizam internet de baixa velocidade não fossem prejudicados pela utilização de câmeras. Pediu ainda que os participantes não ficassem a conversar pelo chat durante a palestra.
Tudo muito simples e lógico.
Mas não para brasileiros, pelo que me foi dado observar.
E ressalte-se que não se tratava de nenhuma plebe ignara. Afinal, pessoas que resolvem dedicar quase duas horas de seu domingo a uma discussão sobre questões de hebraico no Velho Testamento não parecem ser propriamente analfabetos ou imbecis.
Analfabetos certamente não os havia na plateia virtual.
Já quanto a imbecis...
O facto é que durante todo o tempo de duração da palestra a professora teve de ficar reiteradamente a pedir que desligassem microfones e que não ficassem a utilizar o chat.
Em resumo: zorra absoluta.
Decididamente, o Brasil passou do primitivismo à barbárie sem o estágio intermediário da civilização.
Mas há a internet...
Ontem, domingo, resolvi assistir a um seminário do grupo e-teacher cujo assunto seria O Nome de Deus. Claro, em um pano de fundo do estudo do hebraico bíblico.
O seminário começaria às 16:30 horas, no horário de Brasília. Portanto, para mim, 20:30 horas.
Quando estabeleci a conexão com o sítio do seminário, verifiquei que participariam dezenas de pessoas. A grande maioria composta de habitantes da terra brasileira.
As pessoas recebiam o som da central, tinham microfone para falar, podiam ligar a webcam para aparecer e havia um espaço para chat.
Antes de iniciar a palestra que duraria mais ou menos uma hora, seguida de debates (uns 20 a 30 minutos), a professora Maya Levin solicitou que todos fechassem seus microfones e desligassem suas câmeras. Para não haver microfonia e para que os que utilizam internet de baixa velocidade não fossem prejudicados pela utilização de câmeras. Pediu ainda que os participantes não ficassem a conversar pelo chat durante a palestra.
Tudo muito simples e lógico.
Mas não para brasileiros, pelo que me foi dado observar.
E ressalte-se que não se tratava de nenhuma plebe ignara. Afinal, pessoas que resolvem dedicar quase duas horas de seu domingo a uma discussão sobre questões de hebraico no Velho Testamento não parecem ser propriamente analfabetos ou imbecis.
Analfabetos certamente não os havia na plateia virtual.
Já quanto a imbecis...
O facto é que durante todo o tempo de duração da palestra a professora teve de ficar reiteradamente a pedir que desligassem microfones e que não ficassem a utilizar o chat.
Em resumo: zorra absoluta.
Decididamente, o Brasil passou do primitivismo à barbárie sem o estágio intermediário da civilização.
domingo, 15 de setembro de 2013
Topologia antiga
Aprendi, dia desses, que no mundo do Antigo Testamento referências a situações topográficas tinham carácter diferente do actual.
Para nosso tempo a referência é o Norte.
No mundo do Velho Testamento a referência era o Oriente, o Leste.
Assim, quando a Bíblia se refere a uma cidade à esquerda de outra, isso significa que a tal cidade fica a Norte da outra. O Sul fica à direita e o Oeste atrás.
A raiz hebraica de Oriente (קדם) significa frente. É o que está diante de nós.
Já nos dias de hoje, quando queremos dizer que algo nos orienta, nos dirige, dizemos que é nosso Norte.
Mas a mesma raiz nos leva ao significado de passado.
Há lógica nessa semântica: o passado é o que está diante de nós. É o que podemos ver.
O futuro não nos é apreciável. Está atrás de nós.
Para nosso tempo a referência é o Norte.
No mundo do Velho Testamento a referência era o Oriente, o Leste.
Assim, quando a Bíblia se refere a uma cidade à esquerda de outra, isso significa que a tal cidade fica a Norte da outra. O Sul fica à direita e o Oeste atrás.
A raiz hebraica de Oriente (קדם) significa frente. É o que está diante de nós.
Já nos dias de hoje, quando queremos dizer que algo nos orienta, nos dirige, dizemos que é nosso Norte.
Mas a mesma raiz nos leva ao significado de passado.
Há lógica nessa semântica: o passado é o que está diante de nós. É o que podemos ver.
O futuro não nos é apreciável. Está atrás de nós.
sábado, 14 de setembro de 2013
Neymar Junior
Tenho muita curiosidade para saber como se sairá o garoto cá em terras catalães.
De início, parece estar a ser bem orientado. Deixou de lado aqueles penteados exóticos e partiu para um cabelinho sem pintura e cortado do modo comum aos demais mortais (ao menos à grande maioria deles). Imagino que tenham dito a ele que, aqui, era preciso jogar futebol. Depois, quando já tiver mostrado que justifica os milhões de euros nele investidos, poderá pintar o cabelo da cor que preferir e cortá-lo do modo mais absurdo que lhe ocorrer.
Além disso, deixou de cair a cada esbarrão do adversário.
Hoje, no jogo contra o Sevilha, deu um primoroso passe para Messi fazer o segundo golo do Barcelona. Por outro lado, tentou dar outro golo de presente a Messi em momento em que o indicado era ele mesmo fazer o golo.
Mas nada disso é relevante. Quem ganhou o jogo para o Barcelona foi o árbitro. Anulou um golo legítimo do Sevilha e mostrou critérios diferentes na avaliação de faltas para uma e outra equipas.
Resumo: tudo indica que Neymar não será um novo Viola, que veio jogar em Espanha e acabou por desistir de jogar aqui porque não se adaptou aos hábitos culinários da península ibérica. Sentia falta do cardápio arroz - feijão - mistura.
Fazer o quê.
De início, parece estar a ser bem orientado. Deixou de lado aqueles penteados exóticos e partiu para um cabelinho sem pintura e cortado do modo comum aos demais mortais (ao menos à grande maioria deles). Imagino que tenham dito a ele que, aqui, era preciso jogar futebol. Depois, quando já tiver mostrado que justifica os milhões de euros nele investidos, poderá pintar o cabelo da cor que preferir e cortá-lo do modo mais absurdo que lhe ocorrer.
Além disso, deixou de cair a cada esbarrão do adversário.
Hoje, no jogo contra o Sevilha, deu um primoroso passe para Messi fazer o segundo golo do Barcelona. Por outro lado, tentou dar outro golo de presente a Messi em momento em que o indicado era ele mesmo fazer o golo.
Mas nada disso é relevante. Quem ganhou o jogo para o Barcelona foi o árbitro. Anulou um golo legítimo do Sevilha e mostrou critérios diferentes na avaliação de faltas para uma e outra equipas.
Resumo: tudo indica que Neymar não será um novo Viola, que veio jogar em Espanha e acabou por desistir de jogar aqui porque não se adaptou aos hábitos culinários da península ibérica. Sentia falta do cardápio arroz - feijão - mistura.
Fazer o quê.
sexta-feira, 13 de setembro de 2013
Sinceridade é mesmo desejável?
Canso-me de ler, no Facebook e em blogues, louvores à sinceridade. Tanto mulheres quanto homens gostariam de ter por companhia pessoas antes de tudo sinceras.
Mas será a sinceridade realmente virtuosa?
Como quase tudo, depende da dose.
A Baixinha, por exemplo, é fantástica por me dizer, sempre que cabível, que estou com mau hálito.
Isso me conforta muito, pois quando ela nada diz, significa que ou ela necessita de ir com urgência a um otorrino ou eu estou com hálito agradável (ou pelo menos aceitável).
Mas, durante bastante tempo, ela insistia em alertar que meu cabelo precisava de corte. Ora, acho uma das injustiças deste vale de lágrimas o facto de um quase-totalmente-calvo ter de frequentar o barbeiro com grande frequência. Assim penso e de acordo com isso sempre agi. Ou seja: só frequento o barbeiro quando nem mais euzinho mesmo suporto aquelas pontas capilares que só crescem para baixo.
Nesse segundo caso, a sinceridade dela me incomoda. Melhor, me incomodava. De um tempo a esta parte ela miraculosamente parou de fazer comentários sobre o comprimento de meu cabelo. Resultado: estou a transbordar tufos de cabelo nuca abaixo. Amanhã, como volto a Bragança (estou em Matosinhos), farei uma visita a meu barbeiro. Que melhor designado seria se o fosse como promotor de striptease de couro cabeludo. E logo em mim, cujo couro cabeludo já vive despudoradamente com pouquíssima roupagem.
A sinceridade também já me trouxe não poucos dissabores no lidar com amigos e conhecidos (como quase toda gente sabe, há conhecidos que não chegam a ser amigos. E, cuidado!, há amigos que pouco são conhecidos).
Já contei aqui, faz quase 7 anos, a história da psicanalista que me pediu que dissesse a primeira palavra que me ocorresse ao pensar nela. Eu disse. E meu relacionamento com ela acabou. Leiam lá.
Há aquele filme com Jim Carrey (que eu não suporto), o LiarLiar, em que o indivíduo - justo um advogado! - é impedido de mentir e gera as maiores confusões.
Há, também, vídeos do Gato Fedorento e da turma da Porta dos Fundos sobre os inconvenientes da sinceridade absoluta.
Uma mentira pode ser de utilidade indispensável. Diria que na maioria dos casos.
Mas será a sinceridade realmente virtuosa?
Como quase tudo, depende da dose.
A Baixinha, por exemplo, é fantástica por me dizer, sempre que cabível, que estou com mau hálito.
Isso me conforta muito, pois quando ela nada diz, significa que ou ela necessita de ir com urgência a um otorrino ou eu estou com hálito agradável (ou pelo menos aceitável).
Mas, durante bastante tempo, ela insistia em alertar que meu cabelo precisava de corte. Ora, acho uma das injustiças deste vale de lágrimas o facto de um quase-totalmente-calvo ter de frequentar o barbeiro com grande frequência. Assim penso e de acordo com isso sempre agi. Ou seja: só frequento o barbeiro quando nem mais euzinho mesmo suporto aquelas pontas capilares que só crescem para baixo.
Nesse segundo caso, a sinceridade dela me incomoda. Melhor, me incomodava. De um tempo a esta parte ela miraculosamente parou de fazer comentários sobre o comprimento de meu cabelo. Resultado: estou a transbordar tufos de cabelo nuca abaixo. Amanhã, como volto a Bragança (estou em Matosinhos), farei uma visita a meu barbeiro. Que melhor designado seria se o fosse como promotor de striptease de couro cabeludo. E logo em mim, cujo couro cabeludo já vive despudoradamente com pouquíssima roupagem.
A sinceridade também já me trouxe não poucos dissabores no lidar com amigos e conhecidos (como quase toda gente sabe, há conhecidos que não chegam a ser amigos. E, cuidado!, há amigos que pouco são conhecidos).
Já contei aqui, faz quase 7 anos, a história da psicanalista que me pediu que dissesse a primeira palavra que me ocorresse ao pensar nela. Eu disse. E meu relacionamento com ela acabou. Leiam lá.
Há aquele filme com Jim Carrey (que eu não suporto), o LiarLiar, em que o indivíduo - justo um advogado! - é impedido de mentir e gera as maiores confusões.
Há, também, vídeos do Gato Fedorento e da turma da Porta dos Fundos sobre os inconvenientes da sinceridade absoluta.
Uma mentira pode ser de utilidade indispensável. Diria que na maioria dos casos.
quinta-feira, 12 de setembro de 2013
Às vezes é salutar estar atrasado
Portugal tem uma esquerda raquítica. Ainda bem, digo eu.
No Brasil, a esquerda, ao menos aquela agrupada no Partido dos Trabalhadores (PT), conseguiu chegar ao poder. E vai destruir o país. O trabalho de desmanche já começou há dez anos.
Os últimos tempos viram, por exemplo, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgar a acção penal 470, conhecida como mensalão. Por variadas razões, entre as quais inclui-se o clamor da opinião pública, a quase totalidade dos réus foi condenada a penas não comuns em casos que envolvam gente graúda.
Mas o jogo não estava ganho. Havia uma prorrogação. E nela os defensores dos notáveis do PT conseguiram já quase reverter todo o julgamento e lançar para as calendas o final desse imbroglio.
Nada disso é novidade. Essa turma já conseguiu façanhas de igual talante. A morte de Celso Daniel, militante do PT e prefeito de Santo André, na Grande São Paulo, teve sua investigação encerrada com a conclusão de ter sido resultado de um sequestro comum. Isso depois de sete (no mínimo) testemunhas (de algum modo) do crime terem sido assassinadas:
No Brasil, a esquerda, ao menos aquela agrupada no Partido dos Trabalhadores (PT), conseguiu chegar ao poder. E vai destruir o país. O trabalho de desmanche já começou há dez anos.
Os últimos tempos viram, por exemplo, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgar a acção penal 470, conhecida como mensalão. Por variadas razões, entre as quais inclui-se o clamor da opinião pública, a quase totalidade dos réus foi condenada a penas não comuns em casos que envolvam gente graúda.
Mas o jogo não estava ganho. Havia uma prorrogação. E nela os defensores dos notáveis do PT conseguiram já quase reverter todo o julgamento e lançar para as calendas o final desse imbroglio.
Nada disso é novidade. Essa turma já conseguiu façanhas de igual talante. A morte de Celso Daniel, militante do PT e prefeito de Santo André, na Grande São Paulo, teve sua investigação encerrada com a conclusão de ter sido resultado de um sequestro comum. Isso depois de sete (no mínimo) testemunhas (de algum modo) do crime terem sido assassinadas:
- Dionísio Aquino Severo - Seqüestrador de Celso Daniel e uma das principais testemunhas no caso. Uma facção rival à dele o matou três meses após o crime.
- Sergio - ‘Orelha’ - Escondeu Dionísio em casa após o seqüestro. Fuzilado em novembro de 2002.
- Otávio Mercier - Investigador da Polícia Civil. Telefonou para Dionisio na véspera da morte de Daniel. Morto a tiros em sua casa.
- Antonio Palácio de Oliveira - O garçom que serviu Celso Daniel na noite do crime pouco antes do seqüestro. Em fevereiro de 2003.
- Paulo Henrique Brito - Testemunhou a morte do garçom. Levou um tiro, 20 dias depois.
- Iran Moraes Redua - O agente funerário que reconheceu o corpo do prefeito jogado na estrada e que chamou a polícia em Juquitiba, morreu com dois tiros em novembro de 2004.
- Carlos Delmonte Printes - Legista que atestou marcas de tortura no cadáver de Celso Daniel, foi encontrado morto em seu escritório em São Paulo, em 12 de outubro de 2005.
(dados da Wikipedia)
Há muito que essa gente consegue tudo que quer. A democracia, no Brasil, passou a ser feudo do PT.
Em Portugal, nosso atraso político tem suas vantagens. Aqui, o Partido Comunista e o Bloco de Esquerda ainda são apenas grupos folclóricos.
quarta-feira, 11 de setembro de 2013
A maldição da Virgem
O casal viveu séculos em perfeita união. O único senão foi que todos os filhos e filhas nasceram à semelhança do pai. E o pai era feio. Muito feio.
A mãe, bonita, envelheceu sem perder a formosura.
Os filhos casaram-se com mulheres bonitas, que os admiravam pelas qualidades intelectuais ou, quem sabe, até mesmo pelas qualidades sexuais. Mais provavelmente, as qualidades económico-financeiras terão sido as determinantes.
Já as filhas, ah! as filhas. Desassistidas de formosura, arrastaram pela vida suas fealdades, inconformadas com os sucessivos fracassos amorosos.
Pior: nas poucas vezes em que conseguiram procriar, produziram varões razoáveis e raparigas quase tão pavorosas quanto elas mesmas.
Consta, no folclore, que pesou em tudo a indefectível crença na virgindade de Maria.
Será?
A mãe, bonita, envelheceu sem perder a formosura.
Os filhos casaram-se com mulheres bonitas, que os admiravam pelas qualidades intelectuais ou, quem sabe, até mesmo pelas qualidades sexuais. Mais provavelmente, as qualidades económico-financeiras terão sido as determinantes.
Já as filhas, ah! as filhas. Desassistidas de formosura, arrastaram pela vida suas fealdades, inconformadas com os sucessivos fracassos amorosos.
Pior: nas poucas vezes em que conseguiram procriar, produziram varões razoáveis e raparigas quase tão pavorosas quanto elas mesmas.
Consta, no folclore, que pesou em tudo a indefectível crença na virgindade de Maria.
Será?
terça-feira, 10 de setembro de 2013
Memória e imortalidade
Ao longo de alguns últimos anos, consegui reunir informações ancestrais do ramo paterno de minha família.
Soube, por exemplo, que minha avó Amélia teve três irmãs. O pai delas, meu bisavô, chamava-se Leonardo.
Outro dia, em almoço na casa de parentes que vivem em Vinhais, soube que as quatro - minha avó e as três tias avós - tiveram um irmão, o Zé Pigarreiro.
Nasceu assim, para mim, um tio avô. Enquanto eu viver, o Zé Pigarreiro viverá comigo. Penso até em dar-lhe um rosto, imaginar suas feições.
Minha memória empurrará o Zé Pigarreiro rumo à eternidade.
Soube, por exemplo, que minha avó Amélia teve três irmãs. O pai delas, meu bisavô, chamava-se Leonardo.
Outro dia, em almoço na casa de parentes que vivem em Vinhais, soube que as quatro - minha avó e as três tias avós - tiveram um irmão, o Zé Pigarreiro.
Nasceu assim, para mim, um tio avô. Enquanto eu viver, o Zé Pigarreiro viverá comigo. Penso até em dar-lhe um rosto, imaginar suas feições.
Minha memória empurrará o Zé Pigarreiro rumo à eternidade.
segunda-feira, 9 de setembro de 2013
O caiçara saloio
O Houaiss dá o sentido (apenas o 16º...) de praiano, natural ou habitante de localidade litorânea, ao substantivo caiçara, de dois gêneros. Como substantivo apenas masculino, caiçara vem a ser homem ordinário, malandro, vagabundo.
Quanto a saloio, o Priberam diz ser que ou quem trabalha ou vive no campo. Mas se esse é o segundo sentido da palavra, os terceiro e quarto sentidos são: que ou quem é grosseiro, revela falta de educação (...) e que ou quem age de forma desonesta.
Começa por ser curioso que, no Brasil, associe-se praiano a malandro. E, em Portugal, agricultor, camponês, a desonesto.
Talvez porque os dicionários sejam feitos por pessoas que nem do campo nem da praia são. Ou não?
Aliás, no Brasil o termo agricultor vem sendo substituído por ruralista. Proprietário rural. Esse indivíduo, o ruralista, é associado a Satanás. Embora seja responsável pelo pouco de desenvolvimento que apresenta a economia pátria. Talvez quando conseguirem acabar com os ruralistas, os militantes da Esquerda consigam substituí-los com vantagem na produção de riquezas.
Mas vamos voltar à vaca fria.
Hoje saí de Bragança, a cidade (talvez) mais saloia de Portugal, em direcção ao Porto. Mais especificamente, Matosinhos. Cidade praiana.
Troquei o skyline da Serra de Sanabria pelo horizonte do Oceano Atlântico.
Troquei o desonesto pelo vagabundo. O saloio pelo praiano.
A julgar pelos santos que conheço, prefiro ser malandro e ordinário.
Comecei minha permanência junto ao mar a saborear muito malandramente umas magníficas costeletinhas de porco preto no Ribs.
Quanto a saloio, o Priberam diz ser que ou quem trabalha ou vive no campo. Mas se esse é o segundo sentido da palavra, os terceiro e quarto sentidos são: que ou quem é grosseiro, revela falta de educação (...) e que ou quem age de forma desonesta.
Começa por ser curioso que, no Brasil, associe-se praiano a malandro. E, em Portugal, agricultor, camponês, a desonesto.
Talvez porque os dicionários sejam feitos por pessoas que nem do campo nem da praia são. Ou não?
Aliás, no Brasil o termo agricultor vem sendo substituído por ruralista. Proprietário rural. Esse indivíduo, o ruralista, é associado a Satanás. Embora seja responsável pelo pouco de desenvolvimento que apresenta a economia pátria. Talvez quando conseguirem acabar com os ruralistas, os militantes da Esquerda consigam substituí-los com vantagem na produção de riquezas.
Mas vamos voltar à vaca fria.
Hoje saí de Bragança, a cidade (talvez) mais saloia de Portugal, em direcção ao Porto. Mais especificamente, Matosinhos. Cidade praiana.
Troquei o skyline da Serra de Sanabria pelo horizonte do Oceano Atlântico.
Troquei o desonesto pelo vagabundo. O saloio pelo praiano.
A julgar pelos santos que conheço, prefiro ser malandro e ordinário.
Comecei minha permanência junto ao mar a saborear muito malandramente umas magníficas costeletinhas de porco preto no Ribs.
domingo, 8 de setembro de 2013
Nova jabuticaba
Se Charles de Gaulle disse ou não disse que o Brasil não era um país sério não sei.
O facto é que não é.
Diz-se que a jabuticaba é algo que só dá no Brasil. Também não sei.
Mas vejo que surgiu uma nova jabuticaba: o traficante evangélico.
Evangélico e altamente preconceituoso contra as demais seitas. Em particular, as seitas de origem africana.
A matéria que se pode ler aqui, fala de traficantes que expulsam de favelas do Rio de Janeiro mães e pais de santo (ou filhos, sei lá). Porque os evangélicos entendem que essas crenças não são dignas de respeito.
Já o tráfico de drogas...
O facto é que não é.
Diz-se que a jabuticaba é algo que só dá no Brasil. Também não sei.
Mas vejo que surgiu uma nova jabuticaba: o traficante evangélico.
Evangélico e altamente preconceituoso contra as demais seitas. Em particular, as seitas de origem africana.
A matéria que se pode ler aqui, fala de traficantes que expulsam de favelas do Rio de Janeiro mães e pais de santo (ou filhos, sei lá). Porque os evangélicos entendem que essas crenças não são dignas de respeito.
Já o tráfico de drogas...
sábado, 7 de setembro de 2013
Jogos de classificação para o Mundial 2014 no Brasil
Selecção da Irlanda do Norte 2 X 1 Selecção de Portugal
Cristiano Ronaldo 3 X 0 Selecção da Irlanda do Norte
Resultado Líquido: Selecção de Portugal 4 X 2 Selecção da Irlanda do Norte
sexta-feira, 6 de setembro de 2013
Os índices da velhice
Fui hoje ao oftalmo.
Além de me receitar novos óculos, deu-me a notícia de que tenho cataratas.
Muito educado, pediu desculpas pela má notícia.
E eu, que considerara a notícia boa por não precisar operar já. Afinal, as minhas não são tão abundantes como as de Niagara, que visitei na passagem de ano. Esclareceu-me o facultativo que tenho cá um índice de 9 em 10 (referia-se à quantidade de linhas de letras que eu consegui ler em uma dezena). Só quando alcançar o índice de 5 em 10 é que haverá chegado o momento da cirurgia.
E assim, minha velhice está cada vez mais atrelada a índices. Este das cataratas vem juntar-se aos milímetros de diâmetro da aorta ascendente. Até o ano passado estava estável em 46 mm. Quando chegar a 50 mm terei chegado ao fim de minha visita a este vale de lágrimas. Vale, diga-se, em que derramei poucas lágrimas e no qual deliciei-me e delicio-me a valer.
Isso para não mencionar os mais prosaicos: índice de glicemia, índices de tensão arterial, índice de ácido úrico etc etc etc.
Estou fadado a transformar-me em uma tabela do Excel.
***
Duas coisas me deram alegria no dia de hoje.
A primeira, bem mais desimportante que a segunda, foi ter conseguido utilizar o substantivo facultativo para referir-me a um médico. Desde criança ouço os comentaristas esportivos referirem-se a médicos de clubes de futebol dessa maneira. Eu desde sempre os invejava. Agora, na velhice, mais. Afinal, a algo que se torna a cada dia mais necessário é muito agradável que se o possa chamar de facultativo.
A segunda: meu filho, como escrevi há pouco, chega hoje a seu sexto quadrado perfeito. E tem sido durante esses 36 anos uma de minhas três mais gratas alegrias.
Além de me receitar novos óculos, deu-me a notícia de que tenho cataratas.
Muito educado, pediu desculpas pela má notícia.
E eu, que considerara a notícia boa por não precisar operar já. Afinal, as minhas não são tão abundantes como as de Niagara, que visitei na passagem de ano. Esclareceu-me o facultativo que tenho cá um índice de 9 em 10 (referia-se à quantidade de linhas de letras que eu consegui ler em uma dezena). Só quando alcançar o índice de 5 em 10 é que haverá chegado o momento da cirurgia.
E assim, minha velhice está cada vez mais atrelada a índices. Este das cataratas vem juntar-se aos milímetros de diâmetro da aorta ascendente. Até o ano passado estava estável em 46 mm. Quando chegar a 50 mm terei chegado ao fim de minha visita a este vale de lágrimas. Vale, diga-se, em que derramei poucas lágrimas e no qual deliciei-me e delicio-me a valer.
Isso para não mencionar os mais prosaicos: índice de glicemia, índices de tensão arterial, índice de ácido úrico etc etc etc.
Estou fadado a transformar-me em uma tabela do Excel.
***
Duas coisas me deram alegria no dia de hoje.
A primeira, bem mais desimportante que a segunda, foi ter conseguido utilizar o substantivo facultativo para referir-me a um médico. Desde criança ouço os comentaristas esportivos referirem-se a médicos de clubes de futebol dessa maneira. Eu desde sempre os invejava. Agora, na velhice, mais. Afinal, a algo que se torna a cada dia mais necessário é muito agradável que se o possa chamar de facultativo.
A segunda: meu filho, como escrevi há pouco, chega hoje a seu sexto quadrado perfeito. E tem sido durante esses 36 anos uma de minhas três mais gratas alegrias.
quinta-feira, 5 de setembro de 2013
Alternativas de Esquerda
Portugal está a tentar emergir de grave crise. Apesar das bobagens que o actual governo insiste em cometer, alguns sinais de êxito aparecem no horizonte.
Mas os sectores de esquerda cá neste pequeno retângulo ibérico, depois de muito criticarem a política adoptada, parece que enjoaram disso e resolveram tratar de outros temas que consideram mais candentes.
O Bloco de Esquerda (BE) tratou de levantar a discussão do piropo. Para os brasileiros, diga-se que piropo é o galanteio, aquelas considerações nem sempre muito polidas dirigidas nomeadamente a mulheres, em lugares públicos.
Claro que o piropo pode ser também homossexual. Mas quem tiver a paciência de assistir ao vídeo com a palestra de uma militante sobre o assunto (aqui) constatará que o BE prefere vê-lo como expressão da supremacia do masculino sobre o feminino. Como forma reveladora de domínio. Pois. Se a luta de classes já tornou-se um bocadinho antiquada, que surjam novos conflitos sociais. Afinal, a Revolução tem de resultar de conflitos sociais. Ou não seria dialéctica. Então, denunciemos a supremacia masculina, a opressão racial, a homofobia e tudo o mais que se prestar a combustível da Luta.
Já o Partido Comunista Português (PCP), que não se envergonha de ostentar em seu sítio na Internet a dupla foice-martelo, ou seja, não tem mesmo a mais irrisória noção de ridículo (e aqui é difícil não ser redundante), o PCP, eu dizia, decidiu implicar com uma nomeação feita pelo ministro da Defesa em fins de 2.012.
O PCP questiona o Governo por considerar ilegal a nomeação de um civil para o cargo de vogal no órgão IASFA.
Veja a parte do decreto-lei que normatiza o assunto:
O item 2 do Artigo 7º diz que "o vogal pode ser designado de entre contra-almirantes e majores-generais dos ramos das Forças Armadas."
Como salienta o ministro da Defesa, se pode ser também pode não ser.
Mais: o item seguinte (item 3 do Artigo 7º) estabelece: "Nos casos previstos no número anterior (...)". Ora, então o próprio decreto-lei reconhece a possibilidade de haver outros casos.
É verdade que a nomeação e o questionamento dela por parte do PCP ocorreram no final do ano passado. Eu é que só soube agora do imbróglio.
Fico a perguntar-me quantos pelos em ovo o PCP já terá denunciado neste ano da graça de 2.013.
Mas os sectores de esquerda cá neste pequeno retângulo ibérico, depois de muito criticarem a política adoptada, parece que enjoaram disso e resolveram tratar de outros temas que consideram mais candentes.
O Bloco de Esquerda (BE) tratou de levantar a discussão do piropo. Para os brasileiros, diga-se que piropo é o galanteio, aquelas considerações nem sempre muito polidas dirigidas nomeadamente a mulheres, em lugares públicos.
Claro que o piropo pode ser também homossexual. Mas quem tiver a paciência de assistir ao vídeo com a palestra de uma militante sobre o assunto (aqui) constatará que o BE prefere vê-lo como expressão da supremacia do masculino sobre o feminino. Como forma reveladora de domínio. Pois. Se a luta de classes já tornou-se um bocadinho antiquada, que surjam novos conflitos sociais. Afinal, a Revolução tem de resultar de conflitos sociais. Ou não seria dialéctica. Então, denunciemos a supremacia masculina, a opressão racial, a homofobia e tudo o mais que se prestar a combustível da Luta.
Já o Partido Comunista Português (PCP), que não se envergonha de ostentar em seu sítio na Internet a dupla foice-martelo, ou seja, não tem mesmo a mais irrisória noção de ridículo (e aqui é difícil não ser redundante), o PCP, eu dizia, decidiu implicar com uma nomeação feita pelo ministro da Defesa em fins de 2.012.
O PCP questiona o Governo por considerar ilegal a nomeação de um civil para o cargo de vogal no órgão IASFA.
(clique na imagem para ampliar o texto)
Veja a parte do decreto-lei que normatiza o assunto:
(clique na imagem para ampliar o texto)
O item 2 do Artigo 7º diz que "o vogal pode ser designado de entre contra-almirantes e majores-generais dos ramos das Forças Armadas."
Como salienta o ministro da Defesa, se pode ser também pode não ser.
Mais: o item seguinte (item 3 do Artigo 7º) estabelece: "Nos casos previstos no número anterior (...)". Ora, então o próprio decreto-lei reconhece a possibilidade de haver outros casos.
É verdade que a nomeação e o questionamento dela por parte do PCP ocorreram no final do ano passado. Eu é que só soube agora do imbróglio.
Fico a perguntar-me quantos pelos em ovo o PCP já terá denunciado neste ano da graça de 2.013.
quarta-feira, 4 de setembro de 2013
Aula de culinária
É a primeira vez que derramo neste blogue meus conhecimentos de culinária. E seria capaz de jurar que será a última.
Não entendo patavina do assunto.
É verdade que cheguei a cozinhar no presídio Tiradentes. Mas confesso que não foram momentos de glória, apesar de - assim como meus companheiros de cela - caprichar sempre no feijão, despejando nele tudo que houvesse de aromático disponível no xadrez. De noz moscada ralada a generosos pedaços de paio (aquele, do porco).
Mas o que me traz ao tema é algo muitíssimo mais sofisticado. Da esfera da nouvelle cuisine. E bota nouvelle nisso.
Tudo começou por volta de 2.005. Eu morava no Brasil e era o feliz possuidor de um cartão de crédito Amex. Volta e meia recebia convites para eventos aos quais eu teria acesso facilitado pelo cartão.
E um incerto dia, não sei se belo ou não, recebi o convite para um jantar para duas pessoas em um novo espaço gastronômico chamado From The Galley. Pra simplificar, vou passar a me referir ao dito cujo pela banal designação de restaurante, com a devida concordância tácita (assim espero) de seu proprietário, o simpático Ton (Neriton Vasconcelos).
O restaurante recebe para o jantar apenas. Possui uma mesa apenas (para 20 lugares). Participam do evento clientes que tenham feito reserva antecipada apenas (com a informação do número do cartão de crédito).
Há um menu de 8 etapas, outro de 5 etapas (Ton prefere o termo courses).
Tais menus são renovados a cada mês.
Talvez por ter ido jantar lá em 2.005, recebo até hoje e-mails mensais com o detalhamento do novo cardápio.
Vale a pena dar uma espiadela no menu deste novo mês de Setembro do ano da graça de 2.013.
Tudo começa com PIPOCA BAFO DO DRAGÃO NO NITROGÊNIO LÍQUIDO. Não arrisco palpite sobre o que seja isso. Mas encontrei um vídeo que mostra o pessoal a comer a dita pipoca lá no From The Galley.
Na sequência, temos KING CRAB ENVOLTO EM PEPINO COM OVAS DE SALMÃO SOBRE ASPARGOS E AIOLI . Aqui a compreensão já ficou mais ao alcance de leigos. Trata-se de caranguejo, devidamente desencapado. Como o crustáceo foi privado de sua indumentária natural, fornecem-lhe fatias de pepino para cobrir suas vergonhas. As ovas de salmão sobre aspargos e aïoli me parecem uma simulação do habitat do bicho. Mas não garanto.
Depois disso, seremos brindados com SALMÃO NO VAPOR COM ESPUMA DE DILL . Em menu assim tão pós-moderno não faltaria uma espuma. Informo aos tão ignorantes quanto eu na matéria (mais ignorantes, impossível) que não há cardápio nouvelle cuisine que se preze sem uma espuminha. Só não confundam dill (tempero) com DIU (dispositivo intra uterino).
A seguir, SORBET DE COCO . Finalmente, algo autoexplicativo.
Próxima: KOBE BEEF FEITO NO SOUS VIDE COM MOLHO DE TRUFA E COUVE DE BRUXELAS . Essa dá pra desvendar via Google.
Adiante: DUO DE GELATINA CREMOSA . Está tão fácil que já me ocorre notar a ausência de um termo tão indispensável quanto espuma, em um menu desses: redução. Espero que o Ton corrija essa falta grave no cardápio de Outubro. Redução, meus caros, é o nome caprichado para engrossar um caldo, um molho, algo assim. Em geral faz-se a redução no fogo. Pode ser, também, por evaporação.
Por último, vamos coroar nosso estudo com um termo também frequentador assíduo desse universo da alta gastronomia. Encerra-se o menu com TORTA DE LIMÃO DESCONSTRUÍDA . Desconstruir, neste contexto, significa esbagaçar tudo, despedaçar. No caso, a torta de limão. Faz-se a torta.(em Portugal, tarte). Por qualquer motivo, apodera-se do cozinheiro um furor incontido. E ele desconstrói a tal torta. Arrependido, coloca pedaços dela em uma taça, enfeita com natas ou lá o que lhe apeteça e serve.
Bom apetite! (בְּתֵאָבוֹן - lê-se bete'avon )
Não entendo patavina do assunto.
É verdade que cheguei a cozinhar no presídio Tiradentes. Mas confesso que não foram momentos de glória, apesar de - assim como meus companheiros de cela - caprichar sempre no feijão, despejando nele tudo que houvesse de aromático disponível no xadrez. De noz moscada ralada a generosos pedaços de paio (aquele, do porco).
Mas o que me traz ao tema é algo muitíssimo mais sofisticado. Da esfera da nouvelle cuisine. E bota nouvelle nisso.
Tudo começou por volta de 2.005. Eu morava no Brasil e era o feliz possuidor de um cartão de crédito Amex. Volta e meia recebia convites para eventos aos quais eu teria acesso facilitado pelo cartão.
E um incerto dia, não sei se belo ou não, recebi o convite para um jantar para duas pessoas em um novo espaço gastronômico chamado From The Galley. Pra simplificar, vou passar a me referir ao dito cujo pela banal designação de restaurante, com a devida concordância tácita (assim espero) de seu proprietário, o simpático Ton (Neriton Vasconcelos).
O restaurante recebe para o jantar apenas. Possui uma mesa apenas (para 20 lugares). Participam do evento clientes que tenham feito reserva antecipada apenas (com a informação do número do cartão de crédito).
Há um menu de 8 etapas, outro de 5 etapas (Ton prefere o termo courses).
Tais menus são renovados a cada mês.
Talvez por ter ido jantar lá em 2.005, recebo até hoje e-mails mensais com o detalhamento do novo cardápio.
Vale a pena dar uma espiadela no menu deste novo mês de Setembro do ano da graça de 2.013.
Tudo começa com PIPOCA BAFO DO DRAGÃO NO NITROGÊNIO LÍQUIDO. Não arrisco palpite sobre o que seja isso. Mas encontrei um vídeo que mostra o pessoal a comer a dita pipoca lá no From The Galley.
Na sequência, temos KING CRAB ENVOLTO EM PEPINO COM OVAS DE SALMÃO SOBRE ASPARGOS E AIOLI . Aqui a compreensão já ficou mais ao alcance de leigos. Trata-se de caranguejo, devidamente desencapado. Como o crustáceo foi privado de sua indumentária natural, fornecem-lhe fatias de pepino para cobrir suas vergonhas. As ovas de salmão sobre aspargos e aïoli me parecem uma simulação do habitat do bicho. Mas não garanto.
Depois disso, seremos brindados com SALMÃO NO VAPOR COM ESPUMA DE DILL . Em menu assim tão pós-moderno não faltaria uma espuma. Informo aos tão ignorantes quanto eu na matéria (mais ignorantes, impossível) que não há cardápio nouvelle cuisine que se preze sem uma espuminha. Só não confundam dill (tempero) com DIU (dispositivo intra uterino).
A seguir, SORBET DE COCO . Finalmente, algo autoexplicativo.
Próxima: KOBE BEEF FEITO NO SOUS VIDE COM MOLHO DE TRUFA E COUVE DE BRUXELAS . Essa dá pra desvendar via Google.
Adiante: DUO DE GELATINA CREMOSA . Está tão fácil que já me ocorre notar a ausência de um termo tão indispensável quanto espuma, em um menu desses: redução. Espero que o Ton corrija essa falta grave no cardápio de Outubro. Redução, meus caros, é o nome caprichado para engrossar um caldo, um molho, algo assim. Em geral faz-se a redução no fogo. Pode ser, também, por evaporação.
Por último, vamos coroar nosso estudo com um termo também frequentador assíduo desse universo da alta gastronomia. Encerra-se o menu com TORTA DE LIMÃO DESCONSTRUÍDA . Desconstruir, neste contexto, significa esbagaçar tudo, despedaçar. No caso, a torta de limão. Faz-se a torta.(em Portugal, tarte). Por qualquer motivo, apodera-se do cozinheiro um furor incontido. E ele desconstrói a tal torta. Arrependido, coloca pedaços dela em uma taça, enfeita com natas ou lá o que lhe apeteça e serve.
Bom apetite! (בְּתֵאָבוֹן - lê-se bete'avon )
terça-feira, 3 de setembro de 2013
O Homem que discursava - II
Sabia mencionar vários corónimos, alguns limnónimos, poucos eremónimos, muitos potamónimos e quase todos os talassónimos.
Apenas jamais vira como são feitas as alheiras.
Mesmo sem essa vivência, costumava classificá-las em execráveis alheiras de direita e virtuosas e democráticas alheiras de esquerda.
Ou o contrário, tanto faz.
Apenas jamais vira como são feitas as alheiras.
Mesmo sem essa vivência, costumava classificá-las em execráveis alheiras de direita e virtuosas e democráticas alheiras de esquerda.
Ou o contrário, tanto faz.
segunda-feira, 2 de setembro de 2013
Comemorar quadrados
Próximo dia 6, sexta-feira, meu filho completa 36 anos.
Perguntei-lhe hoje a quantas andavam os preparativos para a comemoração.
Respondeu-me que mal lembrava de que completaria mais um ano.
Fiz minha advertência: não vais completar mais um ano. Vais chegar a teu sexto quadrado perfeito.
E isso vale bem mais do que um simples birthday.
Primeiro, porque os quadrados perfeitos são poucos. Até os 100 anos apenas dez deles nos aguardam. Mas não muitos chegam ao nono.
Segundo: os quadrados perfeitos seguem o tempo psicológico que é - a rigor - o único que conhecemos por experiência direta. A uma criança de 9 anos, falar que ela terá uma nova data significativa ao completar 16 anos deve soar como sinônimo de infinidade. No entanto, terão passado apenas 7 anos de um a outro.
Já meu filho reencontrará um quadrado perfeito só daqui a 13 anos. Não me arrisco a apostar qual dessas distâncias temporais é psicologicamente maior.
Talvez sejam iguais e resida aí o encanto dos quadrados perfeitos em nossa cronologia.
E também talvez fosse mais adequado comemorarmos apenas os birthday squared (se me permitem a expressão, que talvez até já exista).
Afinal, nossa importância não é assim tão significativa, para comemorarmos a continuidade de nossa respiração a cada 365 dias.
Perguntei-lhe hoje a quantas andavam os preparativos para a comemoração.
Respondeu-me que mal lembrava de que completaria mais um ano.
Fiz minha advertência: não vais completar mais um ano. Vais chegar a teu sexto quadrado perfeito.
E isso vale bem mais do que um simples birthday.
Primeiro, porque os quadrados perfeitos são poucos. Até os 100 anos apenas dez deles nos aguardam. Mas não muitos chegam ao nono.
Segundo: os quadrados perfeitos seguem o tempo psicológico que é - a rigor - o único que conhecemos por experiência direta. A uma criança de 9 anos, falar que ela terá uma nova data significativa ao completar 16 anos deve soar como sinônimo de infinidade. No entanto, terão passado apenas 7 anos de um a outro.
Já meu filho reencontrará um quadrado perfeito só daqui a 13 anos. Não me arrisco a apostar qual dessas distâncias temporais é psicologicamente maior.
Talvez sejam iguais e resida aí o encanto dos quadrados perfeitos em nossa cronologia.
E também talvez fosse mais adequado comemorarmos apenas os birthday squared (se me permitem a expressão, que talvez até já exista).
Afinal, nossa importância não é assim tão significativa, para comemorarmos a continuidade de nossa respiração a cada 365 dias.
domingo, 1 de setembro de 2013
O Homem que discursava
Antigo amigo meu costumava dizer, quando ouvia alguma coisa que considerava besteira:
- Melhor ouvir isso que ser surdo.
É o que me ocorre pensar quando leio opiniões de certas pessoas.
Algumas são "de direita". Outras "de esquerda".
Em comum, que eu saiba, têm o histórico de viverem grande parte de suas vidas, até aqui, em gabinetes, salas de aula, ambientes assim. Tudo sempre bem longe de qualquer coisa que cheire a produção de bens, que se pareça com a prestação de serviços essenciais.
Vivem em um mundo de metáforas.
Alimentam-se de ilusões e vomitam citações. Tanto faz se eruditas ou banais. Pensam entre aspas.
- Melhor ouvir isso que ser surdo.
É o que me ocorre pensar quando leio opiniões de certas pessoas.
Algumas são "de direita". Outras "de esquerda".
Em comum, que eu saiba, têm o histórico de viverem grande parte de suas vidas, até aqui, em gabinetes, salas de aula, ambientes assim. Tudo sempre bem longe de qualquer coisa que cheire a produção de bens, que se pareça com a prestação de serviços essenciais.
Vivem em um mundo de metáforas.
Alimentam-se de ilusões e vomitam citações. Tanto faz se eruditas ou banais. Pensam entre aspas.
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