domingo, 31 de agosto de 2014

Espiritismo e Antroposofia - 07

Nos textos anteriores procurei resumir o modo de conhecimento do mundo espiritual de cada um desses segmentos dedicados a conhecê-lo.
Apresentei esse resumo quase todo entre aspas. Como não sou adepto de nenhum desses dois grupos, deixei que seus líderes falassem.
Agora que já apresentei a questão como vista por Kardec e por Steiner, posso me permitir resumir o resumo.
Para Kardec, o contacto dos Espíritos com os humanos é feito por intermédio de pessoas dotadas de condições especiais, quase sempre não permanentes, pessoas essas chamadas médiuns. E a decisão de estabelecer contacto é sempre dos Espíritos. Eles é que decidem se querem ou não comunicar-se com os humanos.
Kardec alerta para a dificuldade cognitiva causada por espíritos inferiores, pois tais espíritos se comprazem em mentir para os humanos e em enganá-los das mais variadas formas. Segundo ele, é preciso não descurar do juízo crítico para não ser enganado por tais espíritos malévolos.
Para Steiner, o conhecimento dos mundos superiores pode ser efetuado, em princípio, por qualquer indivíduo. Basta que a pessoa se dedique a determinados exercícios que a levarão à ativação dos – por assim dizer – sentidos espirituais, por meio dos quais ela “verá” e “ouvirá” os mundos superiores (o anímico e o espiritual). Antes de atingir tal condição de clarividência, a pessoa pode fiar-se nos relatos dos mestres que já a alcançaram. Como, por exemplo de excelência, aceitar as descrições que dos mundos superiores faz o próprio Steiner.

Fiquemos, por agora, apenas na questão epistemológica. Ainda não entraremos na questão da própria constituição do mundo espiritual. Basta antecipar que ela é muito diferente nas concepções do Espiritismo e da Antroposofia. O que nos deixa na necessidade lógica de concluir que uma dessas correntes está a ver um mundo espiritual falso. Ou, quem sabe?, sejam ambas falsas. O que não é possível aceitar sem que se assassine a lógica é que ambas sejam verdadeiras, já que totalmente distintas.


Neste texto, vou comentar apenas uma questão ligada ao Espiritismo. E de caráter epistemológico.
Como o próprio Kardec enfatiza, é preciso tomar muito cuidado com as comunicações dos Espíritos. É necessário submetê-las sempre a análises comparativas, racionais, antes de concluir pela veracidade ou autenticidade das mesmas.
As mais importantes dessas comunicações me parecem ser as psicografadas. Um Espírito, que se identifica como sendo o espírito de alguém que já viveu cá na Terra, dita a um médium um texto qualquer. Segundo o próprio Kardec, não se pode aceitar tal comunicação sem uma análise crítica da mesma. É aí que a porca torce o rabo.
Vejamos, rapidamente, três casos de textos psicografados.
O primeiro que quero mencionar é o texto que o próprio Kardec adicionou a uma de suas obras fundamentais: A Gênese. São umas quarenta páginas ditadas por Galileu.
Já falei sobre isso em meu blogue, no texto Kardec e Galileu.   
Ora, só me parece importante receber uma comunicação de alguém do calibre de Galileu se for para que ele nos auxilie com suas luzes a compreender melhor o mundo. Acontece que as tais quarenta páginas são um amontoado de lugares comuns e obviedades, além de permitirem que Kardec acrescente a elas Notas Explicativas em que afirma absurdos como o de que o lado oculto da Lua é dotado de uma população e como o de que a peste bubônica é resultado de fluidos que contaminam as pessoas. Apenas 26 aninhos depois, em 1894, Alexandre Yersin isolou a bactéria responsável pela peste bubônica, que recebeu nome em sua homenagem: Yersinia Pestis.
Era de esperar-se que, se os seres superiores não deixavam Galileu esclarecer a Humanidade sobre tais assuntos, ao menos permitissem que ele sussurrasse aos ouvidos de Kardec para abster-se de emitir tais bobagens.
Outro texto psicografado que entendo ser um total absurdo é um atribuído à tal albanesa conhecida como Madre Teresa de Calcutá.
Também já falei em meu blogue a respeito do livro de Christopher Hitchens, The Missionary Position – Mother Teresa in Theory and Practice. Ele demonstra com riqueza de detalhes e de documentos que Anjezë Gonxhe Bojaxhiu – mais conhecida como Madre Teresa – não foi propriamente um modelo a ser seguido. Não vou entrar em detalhes. Quem quiser leia o livro. Parece que existe em Português.
Como o (a) médium que psicografou o texto dela não conhecia quem de facto era ela, conhecia apenas a lenda que em torno dela se construiu, comunicou ao mundo um texto do qual escorre mel e bondade. Penso que mesmo Kardec talvez desconfiasse de tal comunicação. Mas esse texto psicografado corre mundo e deixa os devotos arrepiados diante de tamanha santidade. Não tenho certeza, mas me parece que há outros textos dela também psicografados. Todos – de certeza – devem exalar perfumes florais. Acredite quem quiser.
Por fim, quero me referir ao texto psicografado que considero o mais grave de todos. Trata-se da vida de Jesus ditada por Ele mesmo.
São umas quatrocentas páginas que, digo logo, não consegui ler até o fim, recheadas de platitudes e de bobagens mesmo.
Tudo bem, podem dizer que isso é apenas a minha opinião. E é mesmo.
Mas o que mais me chamou a atenção foi: se eu fosse cristão, ou mesmo apenas um grande admirador do Cristo, e me visse diante de uma autobiografia dEle, quereria sorver suas palavras imediatamente, sem intermediários.
Pois bem. O livro que traz essa vida de Jesus por ele mesmo tem prefácios, introduções e apresentações escritas por várias pessoas e que ocupam as primeiras setenta páginas do livro.
Pra mim, isso me basta. A mim, isso diz tudo sobre o Espiritismo.
Mas, como sou teimoso, continuarei no tema.

Para irritação de meus amigos que detestam ter de pensar sobre tais assuntos.

2 comentários:

Unknown disse...

http://www.oconsolador.com.br/ano8/378/oespiritismoresponde.html

Alberto disse...

Caro Reginaldo: agradeço o link que deixou e que mostra que os espíritas repudiam essa tal autobiografia de Jesus. Mas o problema epistemológico continua: como determinar se um determinado texto psicografado é de autoria de um espírito enganador ou de um espírito de boa índole?