Foi numa dessas casas da rua Dom Lara,
em Santos, São Paulo, Brasil, aí no centro da imagem, na qual vivi
meu nono ano de vida, que vi chegar junto ao portão, naquele tempo
baixo como o muro em que se apoiava, Regina Evangelista, uma garota
que talvez não tivesse ainda dezoito anos, filha do grande ponta
esquerda Evangelista, da linha dos cem gols do Santos F.C. de 1.935
(Siriri, Camarão, Feitiço, Araken e Evangelista).
Era a manhã do dia 24 de Agosto de
1.954 e eu jogava botão no chão da entrada da casa de meus pais.
Regina vinha a chorar. Pediu que eu chamasse minha mãe e informou a
ela:
- Getúlio morreu. Suicidou-se.
Minha mãe fez uma expressão de
perplexidade e as lágrimas começaram a lhe cair rosto abaixo. Do
restante não me lembro.
Getúlio significava, para minha mãe,
vim a saber mais tarde, a tábua de salvação do irmão que perdera
braço e perna esquerdos aos quatro anos de idade, em desastre
ferroviário em que faleceu o avô deles, por tentar salvar o neto.
Salvou-lhe a vida, mas não conseguiu impedir que ela se tornasse
mais difícil.
Minha mãe, meu tio já um jovem,
entrou na fila que se formava às terças-feiras diante do Palácio
do Catete, sede do governo federal, para ser atendida pela
primeira-dama e pedir-lhe que arranjasse um lugar para meu tio no
serviço público. Darcy Vargas colocou-o na Central do Brasil e lá
ele trabalhou até se aposentar. Vive cercado por seus vários filhos
até hoje, aos noventa e um anos.
Não é de estranhar-se que minha mãe
tivesse por Getúlio uma infinita gratidão. E, com ela, grande parte
do povo brasileiro. Ele que, depois de ter sido ditador, foi levado
de volta ao poder central pelo voto popular.
Tenho a impressão de que Getúlio não
se encaixaria, hoje, na política brasileira. Não haveria para ele
lugar. Assim como não haveria lugar no futebol brasileiro para
Evangelista e os demais campeões paulistas de 1.935.
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