quarta-feira, 27 de agosto de 2014

Getúlio Vargas


Foi numa dessas casas da rua Dom Lara, em Santos, São Paulo, Brasil, aí no centro da imagem, na qual vivi meu nono ano de vida, que vi chegar junto ao portão, naquele tempo baixo como o muro em que se apoiava, Regina Evangelista, uma garota que talvez não tivesse ainda dezoito anos, filha do grande ponta esquerda Evangelista, da linha dos cem gols do Santos F.C. de 1.935 (Siriri, Camarão, Feitiço, Araken e Evangelista).
Era a manhã do dia 24 de Agosto de 1.954 e eu jogava botão no chão da entrada da casa de meus pais. Regina vinha a chorar. Pediu que eu chamasse minha mãe e informou a ela:
- Getúlio morreu. Suicidou-se.
Minha mãe fez uma expressão de perplexidade e as lágrimas começaram a lhe cair rosto abaixo. Do restante não me lembro.

Getúlio significava, para minha mãe, vim a saber mais tarde, a tábua de salvação do irmão que perdera braço e perna esquerdos aos quatro anos de idade, em desastre ferroviário em que faleceu o avô deles, por tentar salvar o neto. Salvou-lhe a vida, mas não conseguiu impedir que ela se tornasse mais difícil.
Minha mãe, meu tio já um jovem, entrou na fila que se formava às terças-feiras diante do Palácio do Catete, sede do governo federal, para ser atendida pela primeira-dama e pedir-lhe que arranjasse um lugar para meu tio no serviço público. Darcy Vargas colocou-o na Central do Brasil e lá ele trabalhou até se aposentar. Vive cercado por seus vários filhos até hoje, aos noventa e um anos.
Não é de estranhar-se que minha mãe tivesse por Getúlio uma infinita gratidão. E, com ela, grande parte do povo brasileiro. Ele que, depois de ter sido ditador, foi levado de volta ao poder central pelo voto popular.

Tenho a impressão de que Getúlio não se encaixaria, hoje, na política brasileira. Não haveria para ele lugar. Assim como não haveria lugar no futebol brasileiro para Evangelista e os demais campeões paulistas de 1.935.



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