Muitas vezes já se disse que, na
iminência da morte, a pessoa vê passar diante de si um filme sobre
sua vida. Uma espécie de Vale a Pena Ver de Novo.
Em minhas leituras de Rudolf Steiner,
constato que, para ele, esse filme é o que primeiro acontece com
quem morre.
Não tenho a menor intenção de morrer
já. Aliás, nem daqui a algum tempo.
Mas gostaria imenso de poder assistir a
esse filme.
Cada vez mais percebo as limitações
de minha memória.
Há dez anos, por exemplo, comecei a
escrever em meu blogue a respeito de minha militância política e –
principalmente – a respeito de minha prisão e de minha
sobrevivência no cárcere. Mas, aos poucos, minha memória começou
a esgotar seu conteúdo a respeito.
Por sorte, antigos companheiros de
militância descobriram meu blogue e reatámos nossos contactos.
Passei a desfrutar com eles algumas rodadas de chopps (/finos) e eles me
ajudaram a reavivar em minha memória factos que, para mim, estavam totalmente esquecidos.
Isso me levou a escrever novos textos
sobre velhos episódios. Até que um amigo dos tempos de militância
me ligou um dia, aflito:
- Apague, por favor, esse texto de
seu blogue! Ele pode me prejudicar!
Apaguei o texto imediatamente.
Mas, a partir desse incidente, fiquei
como que bloqueado. Minha memória já não me ajuda. E eu não quero
prejudicar, com meus textos, pessoas que admiro (e mesmo as que não
admiro...).
A esquerda é território pantanoso.
Encontram-se nela pessoas dóceis e de boa índole mas que aplaudem o
justiçamento de companheiros, o assassinato de dissidentes. Mesmo
sendo todos pretensamente não stalinistas. Tudo em nome de uma
revolução que não virá.
Quanto ao filme de minha vida, gostaria
de assistir a ele desde o comecinho. E que fosse detalhado,
minucioso. Quereria ver como foi minha infância, como a desfrutei;
ficaria contente em presenciar o que de minha adolescência não
recordo. E é muito.
Meus amores, minhas perdas, meus
temores.
Queria assistir a tudo isso a comer
pipoca doce.
E se depois tivesse de morrer,
morreria satisfeito. Levaria comigo apenas a vontade de viver mais um
bocadinho.
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