sábado, 16 de agosto de 2014

O filme

Muitas vezes já se disse que, na iminência da morte, a pessoa vê passar diante de si um filme sobre sua vida. Uma espécie de Vale a Pena Ver de Novo.
Em minhas leituras de Rudolf Steiner, constato que, para ele, esse filme é o que primeiro acontece com quem morre.
Não tenho a menor intenção de morrer já. Aliás, nem daqui a algum tempo.
Mas gostaria imenso de poder assistir a esse filme.
Cada vez mais percebo as limitações de minha memória.
Há dez anos, por exemplo, comecei a escrever em meu blogue a respeito de minha militância política e – principalmente – a respeito de minha prisão e de minha sobrevivência no cárcere. Mas, aos poucos, minha memória começou a esgotar seu conteúdo a respeito.
Por sorte, antigos companheiros de militância descobriram meu blogue e reatámos nossos contactos. Passei a desfrutar com eles algumas rodadas de chopps (/finos) e eles me ajudaram a reavivar em minha memória factos que, para mim, estavam totalmente esquecidos.
Isso me levou a escrever novos textos sobre velhos episódios. Até que um amigo dos tempos de militância me ligou um dia, aflito:
-  Apague, por favor, esse texto de seu blogue! Ele pode me prejudicar!
Apaguei o texto imediatamente.
Mas, a partir desse incidente, fiquei como que bloqueado. Minha memória já não me ajuda. E eu não quero prejudicar, com meus textos, pessoas que admiro (e mesmo as que não admiro...).

A esquerda é território pantanoso. Encontram-se nela pessoas dóceis e de boa índole mas que aplaudem o justiçamento de companheiros, o assassinato de dissidentes. Mesmo sendo todos pretensamente não stalinistas. Tudo em nome de uma revolução que não virá.

Quanto ao filme de minha vida, gostaria de assistir a ele desde o comecinho. E que fosse detalhado, minucioso. Quereria ver como foi minha infância, como a desfrutei; ficaria contente em presenciar o que de minha adolescência não recordo. E é muito.

Meus amores, minhas perdas, meus temores.

Queria assistir a tudo isso a comer pipoca doce.


E se depois tivesse de morrer, morreria satisfeito. Levaria comigo apenas a vontade de viver mais um bocadinho.

Sem comentários: