sábado, 26 de fevereiro de 2005

É incrível como, no Brasil, as coisas são simples


O primeiro ministro de Portugal, o Sócrates, mal acaba de obter uma fantástica vitória nas urnas e já está a enrolar-se no próprio curriculum vitae.
Antonio Balbino Caldeira (ABC), do blog Do Portugal Profundo, resolveu investigar os detalhes dos alegados estudos do garotão e parece que há um cheiro de algo a queimar em tudo aquilo.
Aqui no Brasil, tudo é mais simples. Quando o ABC (região da Grande São Paulo formada pelas cidades Santo André, São Bernardo e São Caetano) começou a criar problemas pro nosso ilustre presidente e seu inefável partido político, as testemunhas do assassinato do prefeito Celso Daniel (de Santo André) começaram a morrer. Incrível coincidência. Morreram seis e o caso sumiu da imprensa.
Quanto a cursos, superiores ou inferiores, freqüentados por nosso insigne comandante, não há nenhuma dúvida: ele jamais freqüentou coisa alguma e tem imenso orgulho dessa ignorância vencedora.

Restaurantes - FOGO DE CHÃO (São Paulo, BR)


O melhor rodízio de carnes do planeta
Pode escolher a cidade
Coloquei "São Paulo" no título porque é de onde conheço o Fogo de Chão. Nunca estive no dito cujo em Porto Alegre (sua origem), menos ainda nas filiais americanas. Nem mesmo na mais nova filial paulistana. Freqüento o Fogo de Chão há quase vinte anos. Já deixaram cair a faca de tirar carne do espeto em meu dedo indicador. Tive de ir até o hospital (por sorte há um bem em frente à filial da Av. Santo Amaro). Deram-me uns pontos e voltei para acabar de jantar. Claro, não me cobraram o jantar (estávamos eu e meu filho). Nem o hospital. Diga-se que não é tão claro assim. Já jantei no Antiquarius, Rio de Janeiro, década de 80, quando ele era o máximo. Uma barata passeou por nossa mesa, deleitou-se no pratinho de petit four que acompanhava o café. Ninguém veio sequer desculpar-se. Agora mesmo, em janeiro, fomos jantar no Pabe, Lisboa. Tudo muito bonito, coisa e tal, até que um mosquito caiu na taça de vinho da minha mulher. Veio o garçom, trocou o copo e ficou por isso mesmo. Disse que era difícil combater os mosquitos etc etc.
Mas vamos voltar ao Fogo de Chão (aliás, nada melhor que voltar lá). Adoro a comida servida nos restaurantes de Portugal (quase todos). Em São Paulo come-se melhor que na maioria dos lugares pelo mundo afora. Isso pra dizer que sei o que é um bom restaurante. Agora: como o Fogo de Chão não tem pra ninguém. Jamais, em lugar algum, vais encontrar um rodízio de carnes parecido. Nem melhor, nem mesmo igual. Existem excelentes restaurantes especializados em carne. Em São Paulo mesmo, o Rubayat é paradigma. Carne maravilhosa. Mas é outra coisa. A la carte. Rodízio, rodízio, é Fogo de Chão.
Pra mim, as melhores carnes são a fraldinha (primeiríssimo lugar), seguida da picanha. Em paralelo, as costeletas de cordeiro (regadas com o molho de hortelã) são imbatíveis. Mas podes comer perdizes, frango (sobrecoxa, coraçãozinho), linguiça, lombo de porco. Ainda nas carnes bovinas: alcatra, cupim, contra filé argentino, filé mignon, maminha (na manteiga). E, claro, claro, costela.
Tem mais, mas vou parar por aqui que está me dando fome.
O bufê é perfeito: sem aquela orgia de outros rodízios (que servem camarões, sushis, sashimis, o diabo a quatro), mas na medida certa: saladas impecáveis, palmito como nunca se viu igual (na próxima vez que for a Portugal, vou levar palmito. Os portugueses não sabem o que é e não sabem, portanto, o que estão a perder). Cebolas, tomate seco etc etc etc. E bota etc nisso. Tudo regado a azeite de primeiríssima, além de outros temperos.
O serviço é impecável. Pecado é não ir lá.

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2005

É incrível como, pensando bem, as coisas são simples


Luís Ene me pergunta de onde vem essa frase.
E só agora me dei conta de que nunca dei aqui o merecido crédito a seus presumíveis autores. Explico: vi essa frase nos idos de 1.966, em um jornalzinho distribuído por uma galeria de arte que existiu por um ano, mais ou menos, na rua Iguatemi, em São Paulo, no local em frente ao que hoje é o Shopping Iguatemi, na - atualmente - Av. Brigadeiro Faria Lima. Na época eu era um estudante de engenharia. Passava por ali às vezes. A galeria me chamou a atenção. Entrei e fiquei fã. Colecionei os (parece que) cinco números do Rex Time, o tal jornalzinho, cujo lema era o da frase em questão. Quando, cinco anos depois, fui preso pela ditadura militar, levaram – junto com praticamente toda minha biblioteca – os meus exemplares do Rex Time. Mas a frase ficou em minha memória. Confesso, até, que já não me lembrava do nome do jornal, nem do nome da galeria. O mestre Google me ajudou.
Não sei se os artistas que criaram a galeria e o jornal são os autores da frase. Mas que é boa, lá isso é. Por isso a adotei. E me penitencio por não ter dado os créditos antes. Como sempre, meu amigo Luís Ene me ajudou. Obrigado Luís.

Daqui pra frente, ninguém me segura


Deixo provisoriamente a modéstia de lado para comunicar que, a partir da uma hora da manhã de amanhã, passo a ser definitivamente sexy.
Sex'agenário.
Desejo a mim mesmo a maior felicidade possível nesses anos que me separam do nada. Que sejam muitos e muito bons.
Que possa alegrar a vida dos que me rodeiam.
Que seja luz do mundo, posto que sal da terra fica meio complicado já que sou hipertenso.
Que consiga realizar o sonho de morar em Passos, sem esquecer de umas esticadinhas a Paris, que ninguém é de ferro, principalmente depois dos sessenta.
Quero continuar a ser amado pelos meus, amá-los mais a eles do que eles a mim pra deixá-los sempre no prejuízo.
Enfim, os verbos são esses, pro resto dos tempos: amar, curtir, produzir, compartilhar, lembrar, projetar, agradecer, tolerar, aprender, ensinar, comer e beber.
Amém.

sábado, 19 de fevereiro de 2005

Democracia direta,
Democracia directa


Amanhã, Portugal vai às urnas.
Lá como cá, no Brasil, discute-se muito a validade de todo o processo representativo.
Lá, talvez porque a escolha deva ocorrer entre o roto e o esfarrapado.
Aqui, porque o Congresso acaba de eleger figuras risíveis para a presidência de cada uma das duas casas legislativas.
No Brasil, direto é tudo aquilo que vai em linha reta.
Já em Portugal, directo é tudo aquilo que vai em linha recta.
Tanto lá quanto aqui, sou a favor da democracia dire(c)ta.
Se estivesse só a pensar no Brasil, nem tocaria no assunto. Aqui, não se consegue nem uma mísera reforminha política. Tipo exigir um mínimo de fidelidade partidária, instituir um voto distrital misto, coisas simples assim. Parlamentarismo, nem pensar. Um deputado se vende por vinte ou trinta mil reais (algo em torno de seis, sete mil euros) para mudar de partido por um dia (entra de manhã, sai à noite). No interregno, dá maioria pra alguma manobra legislativa. Quem diz isso não sou eu. É o presidente da Câmara dos Deputados. Olha só o artigo de ontem na Folha de S.Paulo:


ELIANE CANTANHÊDE
"20 mil, 30 mil..."

BRASÍLIA - Não foi um eleitor descrente, um jornalista cáustico ou um deputado qualquer, mas, sim, o próprio presidente da Câmara, Severino Cavalcanti (PP-PE), quem admitiu que o troca-troca entre partidos não é à toa, mas em espécie. Tá danado.
"Um recebe dez, outro recebe 15, outro recebe 20...", disse à Folha.
"Vinte o quê? reais?", perguntei. E ele, claríssimo: "Vinte mil, 30 mil..."
Depois, Severino disse que, se houver provas contra essa "excrescência", abre inquérito e cassa mandatos. Pois está bem na hora de colher provas, principalmente na gangorra em que se transformou a disputa entre o PT e o PMDB nos últimos dias para ter a maior bancada na Câmara dos Deputados.

Em resumo: o Brasil já apodreceu, sem passar pela fase de amadurecimento. Esquece.
Já Portugal, quem sabe, até pelo facto de ter só dez milhões de habitantes (menos que a cidade de São Paulo), talvez tenha ainda oportunidade de tentar.
Os atenienses tinham lá sua democracia directa. Reuniam-se na ágora e resolviam suas pendências. As sociedades modernas, com seus milhões de indivíduos, partiram pra democracia representativa. Divisão do poder em três poderes. Isso a que a gente está habituada.
Já hoje, graças à informática e às telecomunicações, já passou da hora de pensar-se em retomar a democracia directa.
Claro que isso exige transição. Entendo que a grande tarefa política do momento é pensá-la.
O resto é peanuts.

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2005

Era uma vez - XVII
Liberdade e Imaginação


Talvez os dias mais impregnados de mixed feelings, na cadeia, fossem aqueles em que um companheiro de cela era solto.
Tudo começava pela manhã. Um carcereiro chegava junto ao guichê da porta da cela e gritava o nome de alguém. Suspense. Podia ser coisa boa ou coisa ruim. Podia ser aviso pra ir depor na Auditoria Militar, por exemplo. Isso era bom. Significava que algum processo estava andando. Mas podia ser ordem pra arrumar as coisas e ir para o DOPS ou pra OBAN. Talvez alguém tivesse sido preso e falado algo novo, que envolvesse o preso. Era pau à vista.
A suprema felicidade, contudo, era quando o carcereiro anunciava que o nomeado seria solto naquele dia.
Parava tudo na cela. A excitação de todos subia a níveis incríveis. Adrenalina pura. Primeiro, os gritos, os abraços, o choro de alegria. Aos poucos, enquanto o felizardo começava a arrumar suas tralhas pra cair fora, começava a baixar sobre nossas cabeças uma sensação de tristeza, tristeza que ia aumentando devagar, convivendo com a alegria pela sorte do companheiro daquela maneira como água e óleo compartilham um recipiente.
A partir daí, o comportamento de cada um variava conforme o estilo individual: uns escapavam pra dentro do mocó, fechavam a 'cortina' e ficavam enfurnados em silêncio cheio de significados. Outros se atiravam a uma tarefa qualquer – como lavar louça, por exemplo – pra tentar afastar aquela confusão de sentimentos.
Mesquita e eu, que convivemos na mesma cela quase um ano, antes de brigarmos por motivos pra lá de fúteis, tínhamos nossa estratégia de lidar com a situação: passávamos a tentar convencer o futuro homem livre de que sua liberdade lhe seria de pouquíssima utilidade.
- Não adianta ser livre se você não tem imaginação, cara.
- Que é que você vai fazer lá fora? O mesmo que fazia aqui?
- Troca com a gente. Você fica aqui e a gente sai. A gente promete fazer coisas incríveis no seu lugar.
- Deus dá nozes a quem não tem dentes.
E íamos por aí afora, azucrinando a vida do coitado.
Claro que os coitados éramos nós. E todos sabiam disso.
Depois que o companheiro saía, depois das terríveis despedidas (que doíam como facadas), enquanto uma enorme nuvem de desalento descia do céu engordurado da cela, repetíamos um para o outro, durante intermináveis horas:
- Ah, se fosse eu. Quanta coisa pra fazer lá fora.
- Ele não vai saber usufruir de toda essa liberdade.
- Tadinho. Não tem a mínima imaginação.

terça-feira, 15 de fevereiro de 2005

The Gates

Como recebi milhares de e-mails (desconfio que todos enviados pelo Luis Ene) em protesto pela maneira tosca, quase diria brutal, segundo a qual foi aqui tratada a obra de arte em epígrafe (ver post abaixo: "Os portões"), resolvi contrabalançar. Aqui neste blog o valor mais alto é o desejo compulsivo de agradar ao leitor. Sendo assim, publicamos abaixo uma crítica favorável. O facto de ambas as críticas terem sido escritas pela mesma pessoa apenas significa que das duas uma: ou o autor deste blog é de uma versatilidade espantosa ou é absolutamente desprovido de opiniões próprias. Ou tudo ao mesmo tempo.

Ao iniciar-se o percurso, percebe-se de pronto o primeiro nível de significado da obra: o da sexualidade. Seqüência de penetrações, portão a portão, os hímens de nylon rompidos, a cor carnal que tudo domina.

São mais de 7.500 portões iguais
Mas a obra não se esgota em luxúria. A interminável repetição de um mesmo experimento traz à tona o tom característico da cientificidade. De facto, condição sine qua non da verdade científica é a possibilidade de reprodução laboratorial – vale dizer, em condições controladas – do evento revelador. A cada ultrapassagem, supera-se um véu, desvela-se o saber. Aqui, também, verdade é aletheia (αληθεια), desvelamento.
Filha inevitável do saber científico, irrompe a camada significante da tecnologia. A série é sua marca. Os objetos idênticos se sucedem, como em uma linha de produção.
Prazer, desvelamento, produção. Níveis presentes que não esgotam a obra. Esta é maior que a soma de suas partes. Supera a repetição de seus componentes.
A sinergia de elementos inusitados ao longo dos caminhos do parque cria algo maior: o vetor propriamente artístico do projeto se impõe ao longo do caminhar. A volúpia, a verdade, a voracidade produtiva cedem lugar ao valor estético, ao maravilhoso.

Os portões


Luis Ene, que admiro há muito tempo, mas principalmente depois de o conhecer ao vivo e em cores, ficou excitado com a montagem “The Gates”.
Não consigo atingir essas altitudes da arte.
Luis, Luis, me perdoe. Mas, está acima das minhas forças.
Um homem e uma mulher (ele da Bulgária, ela de família francesa do Marrocos, criada na França e na Suíça) encontraram-se um belo dia. Ele perguntou (melhor dizendo: talvez tenha perguntado): em que dia você faz anos? E ela, tímida: 13 de junho. Ele, de bate-pronto: que coincidência! Eu também!
Se ela fosse uma menina qualquer, pensaria logo: que cantada mais manjada. Esse cara não se enxerga?! Mas, ela não é uma menina qualquer. Ela é uma artista. Entra na dele. E continua o diálogo:
- De que ano você é?
- 1935.
- Não diga! Eu também!
Pronto. Estava formado o casal Christo e Jeanne-Claude.
De lá pra cá, eles aprontaram: já embrulharam o Reischtag

Parlamento alemão embrulhado. No Brasil, eles é que embrulham a gente
e plantaram guarda-chuvas gigantes em campos da Califórnia e em arrozais do Japão.
Não satisfeitos, ficaram brigando na justiça 26 anos pra conseguir colocar pouco mais de 7.500 traves de futebol com panos de nylon pendurados (os chamados “portões”) nos caminhos do Central Park.
Diz a Bíblia: bem-aventurados os pobres de espírito, como eu, que acham que teria sido melhor equipar algo como 3.750 campos de futebol de várzea mundo afora.

domingo, 13 de fevereiro de 2005

Passos Santos


Este texto eu postei ano passado, no blog UOL. Atualizado, volta aqui

Ano que vem, um século. É mole?
Ele completaria 99 anos hoje. Nasceu em Passos, freguesia de Vilar Seco de Lomba, concelho de Vinhais, distrito de Bragança, Portugal. Partiu para o Brasil em 1920, aos catorze anos. Fixou-se em Santos, São Paulo, onde viveu até o fim. Foi professor. De História, de Latim. Mas foi, sobretudo, pastor baptista. Em um tempo em que ser pastor era diferente do que é hoje (para ser eufemístico). Hoje ele é nome de rua em Santos e nome de escola em São Vicente. Mas, para mim, não é nada disso. É meu pai.

Restaurantes - CASA D'ARMAS (Viana do Castelo, PT)


Restaurante de muita sofisticação, mas da sofisticação que interessa, ou seja, a da comida. Dos deuses.

A carta de vinhos também é porreta
Fica no Largo 5 de Outubro, nº 30, junto ao mar (ou será o rio Lima?). Em frente tem um estacionamento enorme, um tanto confuso mas baratinho.
Agora, já que estamos junto ao mar (ou rio), aviso aos navegantes: cuidado com o Restaurante Cozinha das Malheiras. Fica no centro histórico de Viana (R Gago Coutinho, nº 19) e tem toda a pinta de ser fantástico. De facto, o serviço é excelente, a carta de vinhos cheia de belas alternativas. Só tem um detalhe: a comida é uma merda.

Restaurantes - INÁCIO (Braga, PT)


Achar é fácil. Fica no centrão de Braga, Campo das Hortas, 4.
A comida é preciosa. Só não gostei dos dizeres de uma espécie de guardanapinho triangular que é trazido quando se serve o café:

Diabo negro?
Que o inferno seja quente, é verdade por definição. Anjo também tem de ser puro. Já "doce como o amor", discordo. Pra mim, café é bebida amarga, que se toma sem açúcar ou adoçante. O amor, diga-se, também é amargo muitas vezes.
Agora, "negro como o diabo"? Essa foi mal.

sábado, 12 de fevereiro de 2005

Fim de semana


Alguma vez, em algum lugar, li que a qualidade de vida de uma pessoa podia ser medida pela diferença de qualidade entre o meio de semana e o fim de semana. Quanto pior fosse o meio de semana em relação ao final de semana, pior a qualidade da vida do dito cidadão.
É claro que não é bem assim. Se tudo é uma merda, não há diferença entre os dias. Nem por isso a vida é boa. Mas dá pra entender. Quem disse isso estava a pensar em fins de semana maravilhosos. E os comparava ao meio de semana.
E os workaholics, onde ficam? Para eles, o final de semana é um tédio. Ou não, caso seja aproveitado para ler coisas que servirão ao trabalho da segunda-feira.
Resumo: se o indivíduo consegue ter uma vida boa, que não distinga entre meio e final de semana, ótimo.
Caso a felicidade dependa só do final de semana, aí a coisa complica. Afinal, são cinco contra dois.

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2005

Auto Avaliação


Descobri, nesta Instrução Normativa da Receita Federal (IN SRF nº 84 de 11/10/2001), uma tabela fantástica. Ela permite que a gente traga a valores de 1.995 (portanto em reais), valores de anos tão longínquos quanto 1.938 (expressos nas moedas de cada época). Assim, se você sabe que seu avô pagou 100 contos de réis por aquele Ford bigode em junho de 1.940 (sua avó lembra direitinho. Era aniversário dela), basta você dividir esse valor (100.000) por 5 e pronto: seu avô teria pago, se o negócio fosse feito em 1.995, 20.000 reais.
Até aí tudo bem, é só alegria.
Mas comecei a matutar: nasci em 1.945, fevereiro. Sei lá quanto eu valia, mas devia ser muito porque a família fez um escarcéu dos diabos.
Aí fui na tabela e descobri que pra trazer esse valor pra 1.995 (quando eu tinha cinqüentinha) basta dividi-lo por dez (tá bom, é 9,9209, mas vamos arredondar).
Moral da história: se eu valesse ao nascer, digamos, 100, em 1.995 passei a valer 10. Perdi 90 pontos percentuais em cinqüenta anos.
Não é mole: 18 pontos percentuais a cada dez anos.
Mas o pior ainda está por vir: dia desses vou fazer sessenta. E descobri que é melhor eu me mandar pra algum lugar escondidinho. Afinal, ao completar sessenta, vou estar a dever 8 pontos percentuais. E se alguém resolver cobrar?

Cores


Hoje fui trabalhar de roupa cinza. Afinal, quarta-feira de cinzas. E só aí me dei conta de que cinzas são cinza.
Grande coisa, dirá você (como diz um paulistano), dirás tu (como diz um transmontano), dirá tu (como diz um santista).
Mas não pense que estou tautológico, hoje.
As rosas nem sempre são rosa. São muitas vezes vermelhas, brancas.
As castanhas são sempre castanhas? As cenouras são cenoura quando verdes? E as abóboras?
Os negros muitas vezes não são negros. Os amarelos nem de longe são amarelos. Branco, branco, ninguém é. Nem morto. E nunca entendi porque os índios americanos são peles-vermelhas. De jeito nenhum.
Não venham com essa de que alguém fica roxo de frio. Nem vermelho de vergonha.
Por falar nisso, de onde tiraram essa de que está tudo azul?
Vou parar por aqui. Deu branco.

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2005

Bela viola, pão bolorento


Esse tempo é danado. Bicho não pára. Não tem marcha a ré. Vai em frente. As pessoas mudam, as cidades mudam, os costumes, os pecados, tudo muda. Muda porque o tempo passa. Queria, pelo menos, umas alternâncias no ritmo, na velocidade. Até dá essa impressão, às vezes. Mas é só impressão. Desejo, talvez.
Minha mãe dizia (tá vendo só: não fosse o tempo, ela continuaria a dizer):
Por fora bela viola,
por dentro, pão bolorento

Era a denúncia das aparências. Do movimento. Do tempo.
Se tudo ficasse imóvel, se tudo parasse, daria pra apreciar, olhar em detalhe. Ver a essência.
Mas a areia escapa por entre os dedos. Tempo vingativo, esse. Que se move e remove tudo. Empurra tudo para o nada.
Minha mãe, sempre ela, diria pro tempo:
Deixa estar, jacaré, que a lagoa há de secar.
Era o jeito dela de dizer que a justiça seria feita. Que a ingratidão teria troco.
Hoje converso com meus amigos de décadas de convívio. Conversamos como se ainda tivéssemos vinte anos. Iludimos o fluir do tempo. Mas isso é precário.
Minha mãe, por exemplo, já não fala mais. Converso com ela, tentativa de enganar o devir. Afinal, dia desses foi seu aniversário de 92 anos. Aniversário coisa nenhuma. Ela já se foi, levando aniversários e comemorações, conversas, discussões, reconciliações. Tudo.
Ninguém se ilude. Não me iludo. Apenas me distraio.
Enquanto o tempo se esvai.

domingo, 6 de fevereiro de 2005

Projeto Osasco


Meu amigo Branco Leone pede licença para comentar o Projeto Osasco, modéstia à parte, de minha autoria.
Entendo não ter de dar licença nenhuma. Ele a pediu só por delicadeza. Mas penso ser útil dizer do que se trata, não só pra facilitar os comentários do Branco, favoráveis ou não ao projeto, como para - quem sabe - entusiasmar outros leitores deste blog. Vou já avisando que o projeto pode ser adaptado a outras circunstâncias e lugares, donde seu caráter, digamos, universal.
Vai daí, que comecei a trabalhar em Osasco há uns onze anos. Pra quem não sabe, Osasco é cidade vizinha a São Paulo, de caráter extremamente popular. Já escrevi algo sobre isso aqui.
Na época, 1.994, eu estava solteiríssimo, depois de dois casamentos mais ou menos formais e algumas experiências amorosas fracassadas. Todas, ou quase todas, as mulheres com as quais me relacionara eram de formação universitária, com todos os grilos que isso acarreta: dramas existenciais, dúvidas ontológicas, hesitações sócio-políticas, o scambau.
Logo nas primeiras vezes em que percorri as poucas quadras da rua Antonio Agu, principal rua de comércio de Osasco, uma loja atrás da outra, notei a enorme quantidade de meninas (20, 22, 24 anos, por aí)que povoavam aquele espaço urbano, todas (tá bom, muitas) fofíssimas, desejabilíssimas, manjares dos deuses.
Tenho de admitir que eu devia ter um preconceito enorme contra as chamadas "camadas menos favorecidas da população". Esperava que as balconistas daquelas lojas fossem todas horrendas, horrorosas, medonhas. Pois bem, meu preconceito inverteu de sinal. Comecei a me dar conta de que as mulheres acadêmicas com as quais costumava me relacionar eram, além de cheias de problemas insolúveis na cabeça, muito menos desejáveis, pra dizer o mínimo.
Foi desse - digamos assim - insight que nasceu o Projeto Osasco.
Pra quê ficar a perder precioso tempo (eu, que já beirava os cinqüenta e já não dispunha de tanta margem de manobra) com formandas da USP, quando estava ali, ao meu alcance, uma gama quase ilimitada de possibilidades bem mais atraentes.
É claro, pensei. A saída (ou a entrada, sei lá) é partir pra uma menininha dessas. Caso com ela, compro um bangalô no centro de Osasco, perto de meu local de trabalho, e está tudo resolvido.
Já pensou, acordar pela manhã sem ter de compartilhar dramas de consciência. Sair para trabalhar já com os apetites saciados (e como). Voltar na hora do almoço, encontrar tudo arrumadinho, comida fumegante à mesa. O máximo de esforço intelectual que me seria exigido:
- Tudo bem. amorzinho.
- Tudo jóia.
Terminadas as refeições (se é que me entendem), volta ao trabalho, alma lavada e passada.
À noite, assistir a um joguinho de futebol na TV. Ela não gosta de futebol. Não há problema. Providencio uma TV branco-e-preta pra ficar na cozinha (se é branco-e-preta ou branca-e-preta, ou branco-e-preto, ou o diabo, ela nem se importa). Ela assiste à novela. Eu vejo o jogo na sala. Tudo de acordo com a ordem natural das coisas. Sem complicações metafísicas. Sem turbulências emocionais.
Hora de dormir:
- Boa noite, amoreco.
- Té manhã.
*********************
Pois bem. Porque não deu certo:
Um dia comecei a sair com uma menina fantástica (dentro da conceituação do Projeto Osasco). Nas primeiras vezes em que ela visitou o apartamento em que eu então morava, tudo foi muuuuiito bem. Melhor impossível. Até que, num infeliz dia, ela entrou em minha biblioteca. Começou a olhar os livros.
- Você gosta de literatura, disse. Posso trazer meu caderno de poesias pra ler pra você?
- Hmmmmm.
Próximo dia ela chegou armada com seus poemas.
Começou a leitura.
Lá se foi, por água abaixo, o Projeto Osasco.

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2005

Rebeldia


Cada fase da vida tem seu estilo de rebeldia. Já fui estudante-anarquista, professor-comunista, analista de sistemas-alienado, executivo-sarcástico. Hoje, adotei atitudes rebeldes muito particulares. Daquelas que podem ser exercidas no aconchego do lar. Preguiça danada de sair de casa pra fazer qualquer coisa que expresse indignação.
Vou falar um pouco sobre elas. Como a audiência deste blog não é lá tão numerosa, não há risco de minhas idéias virarem epidemia.
Meu principal instrumento de rebeldia, atualmente, é o de não escovar os dentes antes de ir dormir.
É isso.
Quando estou horrorizado com o tratamento dado ao Iraque pelos norte-americanos, ou se fico desnorteado com a cara-de-pau do companheiro Lula, ou se morro de tédio com os noticiários em época de carnaval, revolto-me: vou pra cama sem escovar os dentes. E ainda dou uma espiada pra escova com ares de superioridade. Ela que pense que me obriga a qualquer ritual de higiene. Ledo engano. Só a uso se me apraz. E hoje não quero. Hoje vou dormir com os dentes um tanto conspurcados pelas refeições do dia. Me dá um pouco de aflição, é verdade. Passar a língua pelos dentes e não os sentir lisinhos, limpinhos. Mas o sentimento de transgressão é muito estimulante. Mais forte.
De manhã, é verdade, a escovação é mais caprichada. Pra compensar a rebeldia da véspera. Mas esse cuidado a mais não invalida o protesto noturno.
Ainda mudo as coisas neste planeta com minhas atitudes radicais.
Com certeza.

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2005

A saúde do papa



Conta-se que um certo papa estava muito, muito doente. Preocupados, os cardeais chamaram uma junta médica. Os doutores chegaram a um veredicto (o que não é muito comum): a doença do papa, enfermidade rara, só podia ser curada se o papa mantivesse uma relação sexual.
Alvoroço e perplexidade entre os cardeais. Discute que discute, cederam diante do inevitável. Mas tomaram suas precauções. A mulher tinha de ser surda, muda e cega. Assim, nada veria. Se algo percebesse, não teria como contar a ninguém.
Obtido o aval do papa, já iam se retirando do quarto do enfermo quando esse acrescentou.
-Ah. E que tenha seios grandes.
E, diante da cara de interrogação dos cardeais, explicou:
- Perche me piacce.

Blogueiros Unidos jamais serão Vencidos

(A não ser pelo cansaço).

Ontem à noite, o Ordisi Raluz e o Branco Leone, com respectivas esposas, estiveram em nossa casa pra bater papo. A cachaça que o Branco trouxe de Minas estava soberba. O vinho português que o Ordisi levou (meu prêmio por ter matado o enigma do veneno da víbora de Assuã) era excelente para partilhar-se (apesar do nome "Má Partilha"). Eu contribui com minha obesa figura. Já a baixinha fez um sucesso danado com sua musse de castanhas trazidas lá da terrinha.
A conversa foi ótima. Pena que o tempo de convivência tenha sido curto. Afinal, todo mundo tinha de trabalhar hoje de manhã.
Essa mania de blog já se justificou. Só pelas amizades que propicia.
Quanto ao livro autografado que ganhei do Branco Leone (não é pra qualquer um), comento depois de ler. Ia dizer 'leio, depois falo'. Mas dá duplo sentido.

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2005

Brasil, meu Brasil brasileiro


Dois acontecimentos chamaram minha atenção ontem.
Primeiro: o deputado federal pelo PT, Luiz Eduardo Greenhalg, que acaba de torrar algo em torno de 250 mil reais para tentar eleger-se presidente da Câmara dos Deputados, foi – em 1.989, há 16 anos – acusado de levar grana para facilitar um empreendimento imobiliário de uma empresa paulistana. Na época, não deu em nada. Houve comissão parlamentar de inquérito, investigação policial etc etc, e nada. Agora, apareceu uma fita de áudio, contendo conversas incriminadoras. Quer dizer: a turma guarda os porretes em armários. Se o cidadão levanta a cabeça, pum. Cacetada nele. Caso contrário, as provas dormem nos esconderijos.
Segundo: estava a assistir ao noticiário da TV Band. Surgiu a notícia: em 1.985, Paulo Maluf teria pedido ao general Newton Cruz que matasse Tancredo Neves. Claro que nem o general, nem o Maluf, nem a Band, nem o cadáver de Tancredo, merecem a menor credibilidade. Mas o que me parece sintomático é que essa notícia não terá a mais mínima repercussão. Ficará tudo por isso mesmo. Um general (de pijama, mas general) vem a público afirmar que recebeu pedido de um candidato à presidência da república para que assassinasse o outro candidato. Esse outro candidato ganha a eleição e morre de maneira jamais bem explicada. E fica tudo por isso mesmo.
Não é divertido?