quarta-feira, 17 de novembro de 2004

Era uma vez - XVI
Teoria do Prazer Relativo

No Presídio Tiradentes, sábado era o dia de visitas. Qualquer hora falo sobre isso. Agora, quero contar detalhes de outra visita. A de terça-feira, a visita de casais. Eu era um dos poucos que tinha mulher presa também. No mesmo presídio. Esses bem ou mal aventurados que faziam parte de um casal-preso-no-mesmo-presídio podiam visitar-se às terças, das nove às onze da manhã.
Era uma maravilha. A gente acordava cedíssimo e se arrumava debaixo da inveja indisfarçável dos companheiros de cela (que não tinham o “privilégio” dessa visita). Fazíamos barba, púnhamos perfume, caprichávamos ao máximo. Até a roupa era caprichada, dentro dos limites do nosso parco guarda-roupas.
A já citada e malfadada ALN via com maus olhos essa coisa de visita de casal. Nada menos revolucionário. Nada mais pequeno-burguês.
Nós (Altino Dantas, o baiano Sarno, eu e alguns outros) adorávamos aquele momento inigualável, aquelas duas horas em que podíamos tocar nossas mulheres e com elas conversar de amor. Já o Alcides (ALN, futuro vereador em Campinas, pelo PT) e demais revolucionários iam a esses encontros constrangidos, divididos internamente. E racionalizavam: já que não é possível ter uma relação completa, adequada, nada de toque. Deve-se permanecer à distância da mulher, conversar (de preferência sobre temas de interesse da revolução etc etc, ad nauseam), trocar idéias.
Foi nesse contexto que o baiano Sarno, que já tinha uma “teoria da baianidade”, teoria que abarcava da rede ao acarajé, chegou com a “Teoria do Prazer Relativo”. Fácil de explicar, prazerosa de se pôr em prática: o que for possível, a gente faz. Deu chance, a gente avança. Melhor alguma coisa que nada.
E as meninas, as nossas, passaram a confeccionar ponchos, peças de lã que se encaixavam no pescoço e desciam, rodadas, abaixo da cintura. Sentávamos nos bancos do pátio feminino (no qual se dava a visita de casais) e “entrávamos” nos ponchos. Até que algum brucutu chamado “carcereira” viesse chamar nossa atenção, a ordenar moderação, já muito prazer tinha sido gerado e consumido.
Deus seja louvado.

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