segunda-feira, 27 de abril de 2015

Pra falar de coisas boas



Conheci a churrascaria Fogo de Chão de São Paulo em 1.986. Quase trinta anos.
Várias vezes escrevi sobre a excelência da casa. Das carnes, do buffet, do serviço, do ambiente.
Talvez não tenha tocado em um ponto fundamental: a política de recursos humanos que os proprietários originais nela implantaram.
Levavam do Rio Grande do Sul para São Paulo rapazes originários da agricultura gaúcha.
Davam-lhes moradia, treinamento e um excelente plano de carreira.
Vi muitos deles começarem a limpar mesas, depois a percorrer as mesas com os espetos.
Alguns tornaram-se gerentes. Outros de lá saíram para abrir seus próprios restaurantes.
Depois que o Fogo de Chão começou a abrir casas nos EUA, deram cursos de inglês para a moçada e muitos foram trabalhar no hemisfério norte.

Não me recordo do ano em que aconteceu. Estava a jantar com meu filho no Fogo de Chão da av. Santo Amaro. Um rapaz que estreava no espeto mais simples, o de frango e linguiça, veio servir-me. Nervoso, deixou cair a faca em minha mão.
O gerente veio ver o estrago em meu dedo e levou-me a um hospital que – feliz coincidência – ficava em frente ao restaurante. Recebi alguns pontos no dedo e voltei para terminar a refeição. Pedi ao gerente que não punisse o estreante.
Esse mesmo gerente apareceu bem mais recentemente na loja da Santo Amaro. Estava de terno. Veio conversar comigo, como sempre fazia. Contou-me que administrava, então, todas as casas de Fogo de Chão de São Paulo. E circulava entre elas, a cuidar que tudo funcionasse bem. Dei-lhe os parabéns pela evolução profissional.
Pouco antes de mudar-me para Portugal, fui despedir-me do restaurante.
Calhou de ele estar por lá. Contei a ele que passaria a residir em Portugal. E perguntei se não pretendiam abrir casas na península ibérica. Disse-me que acabava de voltar de viagem a Portugal e Espanha para avaliar a possibilidade de instalar a Fogo de Chão nesses países. Havia chegado à conclusão de que não era viável. Fiquei triste com a notícia mas mais uma vez elogiei sua ascensão profissional.

Hoje, ao ler a Folha de SPaulo, deparei-me com uma enorme propaganda de empresa de enchidos.
E lá estava, ao lado de Fátima Bernardes, da Globo, o Presidente do Fogo de Chão, Jandir Dalberto.
O gerente que me levou ao hospital. Que – disso não me lembro – deve ter começado por limpar mesas.

Gente assim me faz ainda acreditar um bocadinho na raça humana.



domingo, 26 de abril de 2015

Da liberdade


Pois. Contam-me as primas de Passos de Lomba, Vinhais, que meu saudoso primo Abílio tinha lá suas manias.
Quando o médico de família recomendava que fizesse tal ou qual exame, comparecia ao posto de saúde para o realizar.
Perguntado se estava em jejum havia ao menos oito horas, respondia que sim. Minutos antes de sair de casa comera à grande.
Valia também o inverso. Garantia estar empanturrado quando isso era exigido pelo exame. Estava em jejum.
Morreu, como todos nós o faremos.
Mas morreu livre.

quinta-feira, 23 de abril de 2015

De vícios e virtudes


Ou não sabeis que o vosso corpo é o templo do Espírito Santo?
(1º Coríntios 6:19)

Este versículo foi sempre base para proibições, particularmente nas igrejas evangélicas. Nomeadamente quanto ao comer e beber. Mas também em relação ao vestir etc. No texto em que está inserido, fala-se especialmente da relação sexual com prostitutas.
Decorre daí que devemos cuidar bem do nosso corpo, por ser ele o templo do Paráclito.
O problema é decidir o que é bom e o que não é bom para o corpo.
Certa vez, eu ainda menino, meu pai recebeu a visita de um pastor norte-americano de passagem por Santos. Convidou-o para fazer um sermão em nossa igreja. O problema é que ele fumava. E no ambiente dos batistas do Brasil naquela época, era proibido fumar. Meu pai teve de pedir a ele que não fumasse na igreja para não escandalizar os crentes...

O mais comum é criarem-se algumas regras e perpetuá-las. Em pouco tempo já não se sabe bem por que tal ou qual coisa é proibida.
Penso no caso das bebidas.
A maioria dos evangélicos repudia as bebidas alcoólicas.
Vai daí, tem sido comum eu ver, aqui mesmo no Facebook, fotos de famílias crentes reunidas em volta de uma mesa de refeição. Invariavelmente, além dos pratos, talheres e travessas com a comida, observam-se garrafas de refrigerantes.
Ora, atualmente é mais do que sabido que os refrigerantes fazem mal. Há até médicos que afirmam que quem dá refrigerantes aos filhos demonstra que não os ama.
Inversamente, é já de conhecimento geral que o vinho - particularmente o tinto - faz muito bem à saúde.

Mas os que aprenderam desde pequenos que não se deve consumir bebidas alcoólicas vão continuar aferrados a essa ideia e vão continuar a entupir-se de Coca-Cola...

O pior é que esse tipo de distorção manifesta-se em muitos outros campos dos usos e costumes.

terça-feira, 14 de abril de 2015

Porvir



Hoje é banal fazer o que há algumas décadas era inimaginável. Por exemplo, posso ligar a TV agora e assistir ao programa apresentado anteontem ao qual eu gostaria de ter assistido.
Espero já não viver o dia em que for possível ligar a TV e assistir ao jogo de futebol que vai acontecer no dia seguinte.

domingo, 12 de abril de 2015

Ideias de um saloio


Este domingo, 12 de Abril de 2.015, é dia de manifestações contra o governo na terra em que nasci.
Como não posso ir às ruas em São Paulo pois vivo do outro lado do Atlântico e do outro lado do Equador, fico mesmo em Bragança, Portugal, neste dia que começou ensolarado como convém a um dia primaveril e já agora ameaça algum aguaceiro.
Também não faz sentido manifestar-me pelas ruas bragançanas. Pouca gente me veria, ninguém me entenderia. A não ser, talvez, os brasucas ocupados em servir um excelente rodízio de carne no Sabor Brasil à rua Amália Rodrigues.
Valho-me da tranquilidade deste vértice nordeste do retângulo Portugal para alinhavar ideias.
Já disse há algum tempo que a política brasileira tende a polarizar-se entre PT (e suas franjas) e os setores evangélicos. Ambos têm algo em comum: o desprezo pela sociedade em que vivem com a consequente falta de importância dada a valores morais que afetam a vida social; a justificativa de meios pelos fins.
A divergência entre eles situa-se na esfera dos costumes e dos valores morais individuais: questões como o aborto, a homossexualidade etc etc.
Não sei se Dilma será apeada do poder antes de 2.018. O que parece evidente é que ela será, no mínimo, relegada pelos fatos à condição de “rainha da Inglaterra”, no que isso tem de pejorativo.
Antigamente, no Brasil, um candidato deixado de lado por seu próprio partido ao longo do processo eleitoral era dito “cristianizado” (corram ao Google). Daqui por diante, dever-se-á chamar de “dilmizado” o presidente relegado ao esquecimento durante o mandato.
Conheci de perto o governo Sarney (1.985/1.989). Não foi à toa que José Sarney atravessou vários períodos diferentes da política brasileira sempre “por cima”. O típico político-rolha. Não afunda. Ele sabe dividir. E com isso multiplica sempre seu poder.
No Brasil é assim. Na religião, todos os caminhos levam a Deus. Na política, também, todos os rios correm para o mar. Sincretismo religioso. Sincretismo político. No Brasil é assim.
FHC e Lula, por exemplo, entenderam isso.
Collor e Dilma não.

Por hoje chega. Vou passear o cão.

sábado, 4 de abril de 2015

Quem quiser falar comigo




Dia desses, mais hoje, Ruy Castro escreveu, na Folha de SPaulo, sobre uma lista de assinantes de telefones no Rio de Janeiro de 1.949.
E mencionou um grande número de assinantes importantes, cujos endereços e telefones lá constavam, a desafiar qualquer sigilo.

Pensei então em quebrar também meu sigilo telefónico.
Quem quiser falar comigo até os nove anos, basta ligar 2-2420, em Santos.
Daí até os 16 anos, pode ligar, também em Santos, 4-1153.

Alô!
2-2420, casa do bicho amarelo.

4-1153, casa do português.

A História como espantalho


Faz pouco tempo, quando a Lava Jato começou a ameaçar os graúdos do PT, a turma que defende o PT em qualquer circunstância, custe o que custar (em alguns casos, literalmente), veio com o espantalho:
"Cuidado! Na Itália, a operação Mãos Limpas desembocou em Berlusconi! "
Agora, parece que o espantalho mudou de roupa:
"Cuidado! Derrubar a Dilma desaba em novos Fouchés! "
Ao menos isso os leva a ter de estudar um bocadinho de História.

terça-feira, 31 de março de 2015

domingo, 29 de março de 2015

Nova Esquerda portuguesa

Encorajados pelo crescimento do Podemos, em Espanha, há alentejanos a articular a formação de movimento semelhante em Portugal. 
Será o Desejaríamos.

sábado, 28 de março de 2015

Naufrágio anunciado


José Sócrates Carvalho Pinto de Souza, conhecido simplificadamente por José Sócrates, foi primeiro-ministro de Portugal por pouco mais de seis anos (2005 - 2011).
Detido agora por fraude fiscal, corrupção e branqueamento de capitais (/lavagem de dinheiro) passou a ser citado nas investigações, não sem alguma ironia, como José Pinto de Souza.

Ao deixar o cargo de primeiro-ministro decidiu refugiar-se em Paris e fazer estudos de Filosofia. Mas o estilo luxuoso que adotou nessa sua etapa parisiense despertou a atenção da Justiça portuguesa.
Até aí nada de novo.
Agora surgem informações novas que conseguem surpreender-me, malgrado meus vetustos anos.

Em Paris, Pinto de Souza (poupemos o antecessor grego) resolveu escrever um livro.
Passou das intenções à ação – ação essa que logo detalharemos – e mandou editar seu livro, sob o título “A Confiança no Mundo – Sobre a Tortura em Democracia”.

Fica-se agora a saber que Pinto de Souza organizou, valendo-se de correligionários e amigos, uma compra de seus próprios livros com seu próprio (será?) dinheiro. Seus cúmplices nessa empreitada iam a uma livraria e diziam:
“Quero o livro do Sócrates”.
O vendedor apanhava o livro e o comprador acrescentava:
“Mas quero cem exemplares”.
Conseguiu “vender” vinte mil exemplares.
Agora a cereja do bolo: ele pagou a um professor universitário para que escrevesse o livro. E já encomendara uma segunda obra.

Assombra-me a carência afetiva dessa criatura.


Não foi à toa que, na condução dos destinos de Portugal durante mais de seis anos, ele quase levou a nau portuguesa a pique.

sexta-feira, 27 de março de 2015

Vamos lá, levar bordoadas


Quando fiz o ginásio, Colégio Canadá, Santos, São Paulo, dois de meus melhores amigos eram gêmeos: o Aramir e o Arimir.
O Aramir teve paralisia infantil – ainda existente no Brasil à época. O Arimir não. Mas o Aramir convivia de igual para igual com todos. Jogava bola, corria, brigava, mesmo com todos aqueles ferros a reforçarem-lhe uma das pernas.
Com o tempo, a tese da inclusão transmudou-se em dogma. Hoje já ninguém pode perguntar se o guri tem mesmo condição de conviver em escola convencional. É óbvio que alguns podem, outros não. Mas essa obviedade foi soterrada pelo politicamente correto.
Nem mesmo a linguagem escapa ao tacão ideológico. Não se pode falar em cego, em mudo, em manco, em anão. Nem mesmo a expressão deficiente visual é agora aceita. Tem de ser “portador de deficiência” tal ou qual.
Espero não viver o suficiente para ser obrigado a referir-me a cego como “atingido aleatoriamente pela obrigatoriedade de portar deficiência visual”.

Essa imposição de tratar desiguais de maneira igual parece ter sido a causa de se permitir que um indivíduo que passou ano e meio em tratamento psiquiátrico graças a uma profunda depressão fosse autorizado a prosseguir seu treinamento para piloto de aeronaves. Apenas foi recomendado que ele passasse por avaliações periódicas.


O resultado está espalhado entre montanhas nos Alpes.

terça-feira, 24 de março de 2015

Ficar doente, no Brasil, é anticonstitucional

O artigo 6º da Constituição Federal (CF) institui:

Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.

Portanto, se ficar doente, meu caro patrício, faça valer seus direitos constitucionais e exija saúde.

Outra pérola de nossa legislação. O Antagonista chama a atenção para o fato de que o Código Penal brasileiro não criminaliza o pagamento de suborno a funcionário público.
Apenas a oferta ou promessa dele.

Corrupção ativa
Art. 333 - Oferecer ou prometer vantagem indevida a funcionário público, para determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício:


Pagar ou dar não trazem problema.

domingo, 22 de março de 2015

Ciência política comme il faut

Collor caiu – é óbvio – porque tinha um duplo L no nome.
Ou alguém ainda acha que foi graças a um Fiat Elba?
Pesquise os nomes dos presidentes da República brasileira.
Os que se deram bem não tinham consoantes dobradas no nome.
Alguém dirá: Getúlio Vargas foi levado ao suicídio. Sem consoantes dobradas.
Ledo engano.
O nome dele era Getúlio Dornelles Vargas.
Ah! Mas Jânio Quadros renunciou e não tinha consoantes dobradas no nome: Jânio da Silva Quadros.
Erro novamente.
Da maneira como ele enchia a cara, tudo com ele era dobrado.
Vivemos atualmente o reinado da presidenta Dilma Rousseff.

Bingo!

P.S.: Pascoal Ranieri Mazzilli foi presidente interino em algumas ocasiões. Por que nunca foi presidente pra valer? Óbvio. 

sábado, 21 de março de 2015

Da normalidade do acontecer


Na revista Sábado desta semana, cita-se decisão do juiz Carlos Alexandre a respeito do prisioneiro nº 44 da prisão de Évora, o ex-primeiro-ministro de Portugal José Sócrates.
O “Super-Juiz” ou “Juiz sem medo” ou “Mourinho da Justiça”, alguns dos termos associados a Carlos Alexandre, recusa-se a aceitar como razoáveis os argumentos da defesa do investigado ex-primeiro-ministro a embasar o pedido de libertação do referido arguido.
E afirma que os argumentos da defesa não têm cabimento “perante as regras da experiência comum e da normalidade do acontecer”.
No Brasil, o juiz Sérgio Moro exerce papel semelhante ao de Carlos Alexandre. Lida com situações que ferem as “regras da experiência comum”. E faz o possível para punir quem fugiu à “normalidade do acontecer”.

Registo apenas que a normalidade do acontecer tem diferentes matizes em diferentes latitudes.
Por exemplo: o escândalo da semana, em Portugal, é a tal “lista VIP de contribuintes”.
Alguns altos dirigentes das Finanças já pediram demissão graças a ela.
E o que é a “lista VIP”?
É um conjunto de personalidades em relação às quais qualquer acesso de funcionários das Finanças a seus dados tributários aciona um alerta e resulta em inquérito administrativo para que o funcionário justifique o porquê de tal acesso.
A notícia da existência de tal lista, cá em Portugal, exacerbou os ânimos. Como aceitar que alguns cidadãos tenham tratamento tributário diferenciado dos demais?
No Brasil, já há muitos anos, a Receita Federal – que possui registo de todos os acessos efetuados por funcionários aos dados de quaisquer contribuintes, assim como as Finanças, em Portugal – criou um esquema informático para denunciar, em especial, acesso de funcionários a dados de pessoas de relevante interesse. Ou seja, a Receita Federal do Brasil possui sua lista VIP já há muitos anos. E isso jamais despertou qualquer questionamento por parte de alguém.
São formas diversas de encarar a “normalidade do acontecer”.

Mas convenhamos: em Portugal trata-se muito melhor a nossa Língua Portuguesa.

sexta-feira, 20 de março de 2015

Sai, azar!

Cair nos quartos de final da Liga dos Campeões da Europa contra o Bayern de Munique, favorito da competição, foi um castigo para o FCPorto.
Mas... quem sabe?


quinta-feira, 19 de março de 2015

Forças plasmadoras do futuro brasileiro - 3


Ano passado escrevi dois textos sobre minha visão do futuro político do Brasil.
Obviamente, ninguém deu bola pra eles.
Não culpo ninguém por isso. Afinal, se eu entendesse de política não teria feito tanta bobagem nessa área.
Defino “bobagens”, neste contexto, com exemplos de seu contrário:
Lula, por exemplo, gênio político, atravessou a ditadura militar numa boa, sem nenhum arranhão. Até quando foi preso por alguns dias teve – hoje se sabe – várias regalias durante a prisão. Tratamento VIP mesmo.
Genoíno, líder estudantil que eu achava fraquinho na década de 70, foi – salvo engano – o único sobrevivente da guerrilha do Araguaia. Acabou condecorado pelos militares.
Isso é saber fazer política, não é mesmo?

Mas como sou teimoso, volto ao tema.

Não se sabe, hoje, se o PT sobreviverá à avalanche da operação Lava Jato. Eu acho que sobreviverá. Mas caso desapareça a sigla, não desaparecerá a ideia norteadora. Afinal, antes existiam partidos comunistas. Hoje quase não os há. Mas os adeptos continuam por aí, enclausurados em siglas as mais diversas. Ou mesmo em carreiras solo. De uma forma ou de outra, essa corrente tem seu líder. E é Lula.
Já a corrente evangélica ainda não encontrou o seu comandante.
Mas ele está a despontar no horizonte. E é o deputado Eduardo Cunha, presidente da Câmara Federal, terceiro na linha sucessória da Presidência da República.
Alguém lembrará que ele está denunciado pela operação Lava Jato. Todavia, é preciso lembrar que ele é experiente também nessa questão de escapar de escândalos. Não lhe faltam processos às costas. E ele anda com desenvoltura, como se tal fardo não existisse.
Tendo assumido a presidência da Câmara neste ano, não precisou de três meses inteiros para já demonstrar sua imensa capacidade política.
Perto dele, o primeiro time petista parece composto por amadores.
Surgiu o líder que poderá se contrapor a Lula.
E penso que ele facilitará a formação do polo que se oporá ao PT.

Ainda bem que já não vivo no Brasil.

terça-feira, 17 de março de 2015

De borboletas sonhadoras


No dilema do mestre taoista Chuang Tzu lembrado por – entre outros – Jorge Luis Borges, não se sabe se Tzu sonhou ser uma borboleta a voar livremente ou se a borboleta é que sonha ser Tzu.

A presidente Dilma sonha ter sido uma revolucionária que lutava pela democracia ou é a revolucionária encarcerada na Torre do Presídio Tiradentes que sonha ser presidente da República?

Borges, que recorda essa história, velha de 24 séculos, em sua refutação do tempo (Nova refutação do tempo, in Otras Inquisiciones) encerra o dilema de um modo que Dilma poderia parafrasear:

O tempo é um rio que me arrebata, mas eu sou o rio; é um tigre que me despedaça, mas eu sou o tigre; é um fogo que me consome, mas eu sou o fogo. O mundo, desgraçadamente, é real; eu, desgraçadamente, sou Dilma.

quarta-feira, 4 de março de 2015

Erramos


Desde o dia em que a Folha me informou - há séculos - que tartarugas não têm orelhas, gosto de ler, na página 3 do primeiro caderno, a nota Erramos. A de hoje nos conta que os japoneses não são ocidentais.


terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

Um país que conheci


Completei 70 anos ontem.
Antes que me esqueça, agradeço a todos que me desejaram saúde, felicidade, paz, enfim, tudo de bom.
Acontece que meu aniversário não foi tão bom como eu gostaria que tivesse sido.
Graças a algo chamado Brasil.

Eu havia escolhido uma comemoração discreta, apenas eu e a pessoinha paciente que me atura há anos.
Eu faria 70 na segunda-feira, 23. Como moramos em Bragança, Portugal, fomos para o Porto na sexta-feira. Jantamos no Chanquinhas, um restaurante tradicional, soberbo, instalado em uma ruela de Leça da Palmeira, em Matosinhos. Cidade grudada ao Porto. Saboreei um arroz de cabidela insuperável. Regado a bom vinho do Douro, evidente.
Havia meses que eu comprara ingressos para o show de António Zambujo, no Coliseu do Porto, sábado à noite.
Para segunda-feira havíamos reservado lugar na Casa de Chá da Boa Nova, também em Leça da Palmeira, restaurante projetado pelo arquiteto Siza Vieira.

Ao chegarmos em casa, vindos do Chanquinhas, minha filha Sofia, que vive em São Paulo, me chamou pelo Skype para me dar notícia de um documento que me chegara do Ministério da Fazenda.
Para os amigos que não sabem, sou aposentado da Receita Federal desde Julho de 2.011. Há quase quatro anos. Vivo dessa aposentadoria e das reservas que consegui juntar em uns 50 anos de trabalho. Sofro as vicissitudes do câmbio, pois recebo em reais e vivo em euros. Mas isso não me tira o sono.
Foi atônito que – aos poucos – dei-me conta de que o documento que minha Sofia recebera informava que minha aposentadoria havia sido considerada ilegal pelo Tribunal de Contas da União (TCU).
A única atenuante constante do documento era a de que eu não precisaria devolver os valores recebidos nesses quase quatro anos pois me consideravam de boa fé. Mas nada mais receberia a partir de então.
A sensação que tive foi a que imagino ser a de alguém que vivencie um terremoto. O chão passa a não inspirar confiança e não se sabe onde buscar proteção.
É evidente que nossa programação comemorativa foi imediatamente suspensa. Voltamos a Bragança como quem retorna ao útero materno.
Ajudado por um amigo desses que é preciso viver várias décadas até conseguir-se um, vivi apenas exatos três dias de pesadelo.
Passadas essas fatídicas 72 horas, fui informado de que havia sido cometido um erro na transcrição da informação enviada ao TCU e que tudo deverá resolver-se em breve.

O sentimento inelutável que me invade é o de querer distância desse país.


Mais não digo para não ofender – involuntariamente – os meus queridos que nele vivem.