terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

Um país que conheci


Completei 70 anos ontem.
Antes que me esqueça, agradeço a todos que me desejaram saúde, felicidade, paz, enfim, tudo de bom.
Acontece que meu aniversário não foi tão bom como eu gostaria que tivesse sido.
Graças a algo chamado Brasil.

Eu havia escolhido uma comemoração discreta, apenas eu e a pessoinha paciente que me atura há anos.
Eu faria 70 na segunda-feira, 23. Como moramos em Bragança, Portugal, fomos para o Porto na sexta-feira. Jantamos no Chanquinhas, um restaurante tradicional, soberbo, instalado em uma ruela de Leça da Palmeira, em Matosinhos. Cidade grudada ao Porto. Saboreei um arroz de cabidela insuperável. Regado a bom vinho do Douro, evidente.
Havia meses que eu comprara ingressos para o show de António Zambujo, no Coliseu do Porto, sábado à noite.
Para segunda-feira havíamos reservado lugar na Casa de Chá da Boa Nova, também em Leça da Palmeira, restaurante projetado pelo arquiteto Siza Vieira.

Ao chegarmos em casa, vindos do Chanquinhas, minha filha Sofia, que vive em São Paulo, me chamou pelo Skype para me dar notícia de um documento que me chegara do Ministério da Fazenda.
Para os amigos que não sabem, sou aposentado da Receita Federal desde Julho de 2.011. Há quase quatro anos. Vivo dessa aposentadoria e das reservas que consegui juntar em uns 50 anos de trabalho. Sofro as vicissitudes do câmbio, pois recebo em reais e vivo em euros. Mas isso não me tira o sono.
Foi atônito que – aos poucos – dei-me conta de que o documento que minha Sofia recebera informava que minha aposentadoria havia sido considerada ilegal pelo Tribunal de Contas da União (TCU).
A única atenuante constante do documento era a de que eu não precisaria devolver os valores recebidos nesses quase quatro anos pois me consideravam de boa fé. Mas nada mais receberia a partir de então.
A sensação que tive foi a que imagino ser a de alguém que vivencie um terremoto. O chão passa a não inspirar confiança e não se sabe onde buscar proteção.
É evidente que nossa programação comemorativa foi imediatamente suspensa. Voltamos a Bragança como quem retorna ao útero materno.
Ajudado por um amigo desses que é preciso viver várias décadas até conseguir-se um, vivi apenas exatos três dias de pesadelo.
Passadas essas fatídicas 72 horas, fui informado de que havia sido cometido um erro na transcrição da informação enviada ao TCU e que tudo deverá resolver-se em breve.

O sentimento inelutável que me invade é o de querer distância desse país.


Mais não digo para não ofender – involuntariamente – os meus queridos que nele vivem.

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