Nos textos anteriores procurei resumir
o modo de conhecimento do mundo espiritual de cada um desses
segmentos dedicados a conhecê-lo.
Apresentei esse resumo quase todo entre
aspas. Como não sou adepto de nenhum desses dois grupos, deixei que
seus líderes falassem.
Agora que já apresentei a questão
como vista por Kardec e por Steiner, posso me permitir resumir o
resumo.
Para Kardec, o contacto dos Espíritos
com os humanos é feito por intermédio de pessoas dotadas de
condições especiais, quase sempre não permanentes, pessoas essas
chamadas médiuns. E a decisão de estabelecer contacto é sempre dos
Espíritos. Eles é que decidem se querem ou não comunicar-se com os
humanos.
Kardec alerta para a dificuldade
cognitiva causada por espíritos inferiores, pois tais espíritos se
comprazem em mentir para os humanos e em enganá-los das mais
variadas formas. Segundo ele, é preciso não descurar do juízo
crítico para não ser enganado por tais espíritos malévolos.
Para Steiner, o conhecimento dos mundos
superiores pode ser efetuado, em princípio, por qualquer indivíduo.
Basta que a pessoa se dedique a determinados exercícios que a
levarão à ativação dos – por assim dizer – sentidos
espirituais, por meio dos quais ela “verá” e “ouvirá” os
mundos superiores (o anímico e o espiritual). Antes de atingir tal
condição de clarividência, a pessoa pode fiar-se nos relatos dos
mestres que já a alcançaram. Como, por exemplo de excelência,
aceitar as descrições que dos mundos superiores faz o próprio
Steiner.
Fiquemos, por agora, apenas na questão
epistemológica. Ainda não entraremos na questão da própria
constituição do mundo espiritual. Basta antecipar que ela é muito
diferente nas concepções do Espiritismo e da Antroposofia. O que
nos deixa na necessidade lógica de concluir que uma dessas correntes
está a ver um mundo espiritual falso. Ou, quem sabe?, sejam ambas
falsas. O que não é possível aceitar sem que se assassine a lógica
é que ambas sejam verdadeiras, já que totalmente distintas.
Neste texto, vou comentar apenas uma
questão ligada ao Espiritismo. E de caráter epistemológico.
Como o próprio Kardec enfatiza, é
preciso tomar muito cuidado com as comunicações dos Espíritos. É
necessário submetê-las sempre a análises comparativas, racionais,
antes de concluir pela veracidade ou autenticidade das mesmas.
As mais importantes dessas comunicações
me parecem ser as psicografadas. Um Espírito, que se identifica como
sendo o espírito de alguém que já viveu cá na Terra, dita a um
médium um texto qualquer. Segundo o próprio Kardec, não se pode
aceitar tal comunicação sem uma análise crítica da mesma. É aí
que a porca torce o rabo.
Vejamos, rapidamente, três casos de
textos psicografados.
O primeiro que quero mencionar é o
texto que o próprio Kardec adicionou a uma de suas obras
fundamentais: A Gênese. São umas quarenta páginas ditadas por
Galileu.
Já falei sobre isso em meu blogue, no
texto Kardec e Galileu.
Ora, só me parece importante receber
uma comunicação de alguém do calibre de Galileu se for para que
ele nos auxilie com suas luzes a compreender melhor o mundo. Acontece
que as tais quarenta páginas são um amontoado de lugares comuns e
obviedades, além de permitirem que Kardec acrescente a elas Notas
Explicativas em que afirma absurdos como o de que o lado oculto da
Lua é dotado de uma população e como o de que a peste bubônica é
resultado de fluidos que contaminam as pessoas. Apenas
26 aninhos depois, em 1894, Alexandre Yersin isolou a bactéria
responsável pela peste bubônica, que recebeu nome em sua homenagem:
Yersinia Pestis.
Era
de esperar-se que, se os seres superiores não deixavam Galileu
esclarecer a Humanidade sobre tais assuntos, ao menos permitissem que
ele sussurrasse aos ouvidos de Kardec para abster-se de emitir tais
bobagens.
Outro
texto psicografado que entendo ser um total absurdo é um atribuído
à tal albanesa conhecida como Madre Teresa de Calcutá.
Também
já falei em meu blogue a respeito do livro de Christopher Hitchens,
The Missionary Position – Mother Teresa in Theory and Practice. Ele
demonstra com riqueza de detalhes e de documentos que Anjezë
Gonxhe Bojaxhiu
– mais conhecida como Madre Teresa – não foi propriamente um
modelo a ser seguido. Não vou entrar em detalhes. Quem quiser leia o
livro. Parece que existe em Português.
Como
o (a) médium que psicografou o texto dela não conhecia quem de
facto era ela, conhecia apenas a lenda que em torno dela se
construiu, comunicou ao mundo um texto do qual escorre mel e bondade.
Penso que mesmo Kardec talvez desconfiasse de tal comunicação. Mas
esse texto psicografado corre mundo e deixa os devotos arrepiados
diante de tamanha santidade. Não tenho certeza, mas me parece que há
outros textos dela também psicografados. Todos – de certeza –
devem exalar perfumes florais. Acredite quem quiser.
Por
fim, quero me referir ao texto psicografado que considero o mais
grave de todos. Trata-se da vida de Jesus ditada por Ele mesmo.
São
umas quatrocentas páginas que, digo logo, não consegui ler até o
fim, recheadas de platitudes e de bobagens mesmo.
Tudo
bem, podem dizer que isso é apenas a minha opinião. E é mesmo.
Mas
o que mais me chamou a atenção foi: se eu fosse cristão, ou mesmo
apenas um grande admirador do Cristo, e me visse diante de uma
autobiografia dEle, quereria sorver suas palavras imediatamente, sem
intermediários.
Pois
bem. O livro que traz essa vida de Jesus por ele mesmo tem prefácios,
introduções e apresentações escritas por várias pessoas e que
ocupam as primeiras setenta páginas do livro.
Pra
mim, isso me basta. A mim, isso diz tudo sobre o Espiritismo.
Mas,
como sou teimoso, continuarei no tema.
Para
irritação de meus amigos que detestam ter de pensar sobre tais
assuntos.