sábado, 23 de outubro de 2004

Era uma vez - Zero
Prefácio



É claro que sempre quis escrever sobre meus anos de militância e de prisão. No início, a emoção recente tornava a literatura impossível. Depois, outros empecilhos surgiram. Fui postergando. Passei a querer escrever sobre outras coisas. Por exemplo, pesquisei muito a respeito de Cipriano Barata, figura ímpar da independência brasileira (início do século 19). Talvez eu seja a pessoa que mais documentos tenha sobre esse personagem. Meu amigo Claudio Giordano - hoje um editor respeitável, vejam só - nunca se conformou por eu não ter dado conta dessa tarefa. Queria que eu escrevesse sobre Cipriano. Não consegui.
Com o surgimento dos blogs, resolvi criar o meu. Mas pra falar do cotidiano. Dia a dia. Nada mais amplo. Até que surgiu o dia 28 de julho. Lembrei-me de que era o aniversário de 33 anos de minha prisão. Afinal, blog não é pra falar do cotidiano? Falei.
E surgiram pessoas a perguntar se aquilo era verdade, se tinha ocorrido de facto.
Pus-me a contar episódios. E disso nasceu essa série de posts, espécie de folhetim. Mantive o título do primeiro post, o "Era uma vez".
Ocorre que - desde quando pensei em escrever memórias desse período de minha vida - o título delas saltou logo: "Topologia Trivial". Isso porque nunca vou esquecer de uma noite em que estava à janela da cela 12, pavilhão 2, Presídio Tiradentes e olhava o sentinela que andava sobre a murada do presídio, de um lado a outro. Ia e vinha. A lua brilhava cheia no céu. Pensei: esse camarada está aqui tão perto de mim e ao mesmo tempo tão longe quanto a lua. Não posso acercar-me nem de um nem da outra. E me veio à memória a topologia trivial, na qual todos guardam a mesma distância uns dos outros. Escrevi sobre isto aqui no blog, em tom de brincadeira.
Vou prosseguir com minhas memórias. Que sirvam pralguma coisa. Quando não, como catarse. Já nada espero do mundo a não ser um fim de vida em Passos, na felicidade do ninho. Amo meus filhos, minha mulher, meus netos e - acima de tudo - a vida. Prezo os amigos, reais e virtuais. Minhas lembranças confundem-se com meus sonhos. E me nutro de todos eles.

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