domingo, 29 de agosto de 2004
deus limitou a inteligência
mas não colocou limites à estupidez
Na noite deste sábado, 28/08/2.004, às 20:28, um programa acessou meu blog a partir da China e encheu todos os spassos (desde fevereiro de 2.004!) de comentários que não levam a nada (todos com horários de 21:02 e 21:03, graças a uma defasagem de meu blogger (mblog)).
Sei disso graças às informações da Nedstat e do Site Meter. O IP utilizado foi 61.145.73.# . Não sei o quê fazer com essas informações.
Só digo isto aqui por dois motivos: perguntar se alguém pode me dar alguma informação relevante a respeito desse facto e manifestar minha perplexidade diante dessa estupidez.
Obrigado.
P.S.: deixo os comentários colocados pelo tal programa para que os leitores possam, digamos assim, contemplá-los. Daqui a alguns dias vou limpar toda essa sujeira.
Mundo mundo, vasto mundo
Estava a procurar informações sobre hospedagem na região de Guarda, dado que a baixinha resolveu que lá passaremos a entrada de ano.
Cheguei ao sítio da Pousada de São Lourenço, em Manteigas. Comecei a pré-viver minhas férias: diz lá que, dentro da pousada, posso jogar snooker (prefiro ‘sinuca’) e jogos de mesa. Acho um tanto perigoso, isso de ficar a arremessar mesas, quanto mais em lugar fechado. Mas, férias são férias.
Em compensação, do lado de fora da pousada há um de tudo: pesca (truta), passeios de bicicleta, parapente, passeios de jipe e de carroça, passeios de balão e helicóptero, passeios pedestres e temáticos.
Acho que vou preferir os passeios temáticos. Alguém sugere um tema e fica-se a pensar naquilo, todos sentados junto ao lume a saborear um cognac.
Mas, para meu enorme espanto, há também “birdwatching”.
Eu, já garotão provecto, quase com nada me surpreendo, exceto com minha gigantesca ignorância. Que porra é birdwatching?, pensei cá com meus botões (com eles tenho diálogos um tanto chulos). Tá bom. Bird é pássaro. Watch é vigiar, observar. E daí?
Daí que existe todo um mundo sobre birdwatching. Até, você já adivinhou, um birdwatching.com .
Vixe!
sábado, 28 de agosto de 2004
Era uma vez - X
Esquerda revolucionária e homossexualidade
Quando cheguei ao Presídio Tiradentes, as idéias e práticas dominantes eram as impostas pelo pessoal da ALN, com a benção de Frei Betto. Ainda vou falar muito a respeito disso, aqui. Por hora, quero ficar no terreno do moralismo então reinante naqueles pavilhões. Havia gente que não se permitia nem um palavrão, nem um puta-que-pariuzinho. Quanto à sexualidade, então, era uma coisa antediluviana.
E foi nesse contexto que o Sena chegou para confundir.
É preciso dizer que tão grande quanto o anacronismo em questões de sexualidade, era o maniqueísmo de nossa esquerda revolucionária em relação ao comportamento sob tortura. A coisa toda era de um ridículo atroz: todos tinham sido presos porque – evidentemente – todos foram “abrindo” informações sob tortura e permitindo, com isso, a prisão de outros. Mas era preciso manter o mito do heroísmo, do estoicismo. Pra ser direto: era preciso insistir naquela enganação. Parar pra pensar era incompatível com levar adiante a revolução. Os presos eram, então, “classificados” de acordo com seu presumível comportamento-no-pau (sob tortura). Aqueles sobre os quais pairava a aura de terem resistido bravamente às torturas eram tidos como revolucionários de primeira linha.
E foi aí que o Sena fundiu a cuca dos bravos moços do Fundão (celas da parte final do corredor do pavilhão 2, tidas como propriedade da turma da ALN e que nós "invadimos" sem saber que se tratava de propriedade privada). Todos aceitavam que seu comportamento sob tortura tinha sido irrepreensível. E o cara proclamava aos quatro ventos a sua bissexualidade.
Como era possível? Um viado herói?
O mesmo acontecia com o Chaim, ainda que este fosse um pouco mais retraído e não tão provocativo quanto o Sena.
Mas ambos perturbavam a weltanschaung (visão-de-mundo) da turma da ALN. Não se encaixavam nos dogmas.
Nunca mais os encontrei, os mineirinhos Sena e Chaim. Mas lembrei deles outro dia, quando vi meu blog incluído nas indicações do que talvez seja o melhor blog homossexual existente em língua portuguesa, o renas e veados.
Beijinhos transmontanos pra vocês, onde quer que estejam. É esquisito ter saudade de presídio, mas às vezes tenho boas recordações dos tempos em que ficávamos horas junto aos guichês das portas de nossas celas separadas por um corredor, a bater longos papos em linguagem de cadeia (aquela conversa com as mãos na qual já não sou mais fluente).
Atualização (7/03/2.007): Reencontro o Chaim. Esse é, talvez, o maior mérito deste blog. Permitir reatar relações com pessoas das quais eu não tinha mais pistas. E ele me corrige. Não é Sena. É Sanna. Curioso: eu já havia me dado conta do erro. Pensava tê-lo corrigido. Mas não. Corrijo agora.
Era uma vez - IX
Problemas com a censura
Esse foi o primeiro número do jornal Opinião. Pra minha mãe conseguir colocar esse exemplar em minhas mãos, no xadrez 12 do pavilhão 2 do Presídio Tiradentes, ela teve que conseguir o carimbo da Auditoria Militar. Não foi fácil.
Teve mais. Um dia, o Toninho (companheiro de militância e de cela) e eu resolvemos jogar xadrez. Fizemos um tabuleiro, construímos as peças e começamos a jogar. Logo ficou evidente que jogar xadrez sem saber jogar direito não tem graça nenhuma. O Toninho até que sabia jogar razoavelmente. Eu só sabia o movimento das peças, que aprendera quando pequeno.
Solução: mais um bilhete pra mamãe. Mãe, arruma um livro de Iniciação ao Xadrez. Dias depois, lá estava o livro, com carimbo da Auditoria e tudo.
Aprendi que o jogo tinha três fases: a abertura, o meio-jogo e a finalização. Cada uma das etapas com suas técnicas próprias. E - é claro - se você não abre bem o jogo, bau-bau. Já era.
Solução? Manhê: arruma um livro de Aberturas de Xadrez.
Quem diz que os milicos queriam deixar entrar o livro no Presídio? Minha mãe teve que usar de toda conversa pra convencer os heróicos defensores da Pátria. E, com isso, melhorei muito no jogo. Mas Toninho sempre foi melhor.
O triste é que ambos continuamos sem conseguir abrir o xadrez.
sexta-feira, 27 de agosto de 2004
Era uma vez - VIII
Mais Zezinho
De repente, num sábado em que a visita tinha mexido muito com a cabeça do cara (as visitas aos presos no presídio Tiradentes eram aos sábados) e era justo o dia do cara na faxina, tinha que limpar a cela, lavar banheiro e a cabeça pesada, a família, os amigos, tudo desabando ao mesmo tempo sobre o cara e ter que lavar privada, limpar assoalho, lavar louça. Aquela prisão que não mais acabava, o cara não agüentava mais, mas porra, que fazer, a tranca não abria, era agüentar e agüentar. Era a mulher, o abraço, o tesão reprimido, as conversas sobre um futuro que ele não sabia se haveria, o tesão, ele não sabia o que haveria, a dor da separação, essa sim real, pesada como o balde de água pra despejar naquela merda daquela privada.
E, sem mais, Zezinho descia do seu mocó, apagava o cigarro no cinzeiro de lata, e, com aquela “delicadeza” que a vida lhe outorgara, chegava junto, dizia pro cara: vai, seu puto. Vai pro mocó. Tua cara tá horrível. Deixa que eu faço isso. Não enche o saco. Vai. Esquece.
E lavava, limpava, arrumava. Assobiando.
Feliz por ser.
Zezinho.
domingo, 22 de agosto de 2004
Era uma vez - VII
Ainda Zezinho
A promiscuidade é inevitável, na prisão. O banheiro não tem portas, as janelas não têm venezianas, nem vidros, as luzes nunca se apagam, tudo é devassado.
Comecei por admirar em Zezinho a extraordinária capacidade de adaptação a tudo isso. É como se sempre tivesse vivido em tais circunstâncias.
A comida quase insuportável que tínhamos de comer no Dops (lá as famílias não podiam levar nada) mostrava suas conseqüências na hora em que alguém ia ao banheiro devolvê-la ao lugar de onde nunca deveria ter saído. O ambiente, sem muita ventilação, tornava-se irrespirável.
Não sei se foi Zezinho que a inventou. Mas, ao menos, ele a institucionalizou: a intermediária.Quando a coisa atingia o paroxismo, ele gritava para quem estivesse no banheiro:
- Dá uma intermediária!
Era uma descarga de água em meio ao ‘serviço’. Melhorava bastante as condições atmosféricas do planeta.
(mais Zezinho qualquer hora dessas)
Era uma vez - VI
Zezinho
Fui preso em 28 de julho de 1.971. Pouco antes, em abril, minha mãe me deu a notícia: o Zezinho foi preso.
- Que Zezinho? O filho da dona Anatália?
- Sim, ele mesmo.
- Mas, o quê que ele aprontou?!
- Preso político. Foi por causa de política.
- O Zezinho?!
Minha surpresa tinha suas origens. Apesar de eu nunca ter convivido com ele (ele era alguns anos mais velho), Zezinho era conhecido de minha família desde seu nascimento. Sua mãe era fervorosa participante da 1ª Igreja Baptista de Santos. Tinha duas irmãs também membros da igreja. Certo que seu pai nunca foi chegado a muita religiosidade. Nem Zezinho, diga-se. Apesar dos cuidados de sua mãe, desde cedo foi atraído pela vida de costumes pouco ortodoxos de uma cidade-porto como Santos. Se é que me entendem. Lá aprendeu de tudo um pouco, de certo pouco muito, e não me refiro à física quântica, claro, claro.
Por tudo isso, não entendi por que cargas d’água Zezinho fora preso por razões políticas.
Pouco tempo depois, passada minha fase de Oban (22 dias), fui transferido para o Dops (Departamento de Ordem Política e Social). As celas eram estreitas e compridas. Um corredor central separava os beliches chumbados às paredes laterais das celas. Eram três ‘andares’. Ao fundo um pequeno banheiro (casa de banhos) e era tudo. Ah, uma pequena janela, dotada da indispensável grade, nos ligava a um estreito pátio no qual tomávamos esporádicos banhos de sol. Havia uma meia dúzia de celas. Fui parar na quarta ou quinta. Poucos dias depois de minha chegada, fiquei sabendo, já não sei como, que Zezinho era um dos ocupantes da cela número 1. E logo recebi o convite dele para mudar pra lá. Graças às artimanhas de Zezinho (que eu começava a conhecer de perto – tanto ele quanto seus ‘expedientes’), fui transferido logo.
No presídio Tiradentes, que eu iria conhecer um mês depois, o espaço privativo de cada um , a cama e seu entorno, conhecido como mocó, era personalizado no capricho. A começar do cobertor pendurado à guisa de cortina para proteger da luz da lâmpada que nunca podia ser apagada, as fotos das namoradas/mulheres/filhos/cachorros/papagaios pregadas na parede interna do mocó, pequenas estantes improvisadas no interior dos mesmos pra guardar uns poucos livros e cadernos etc etc. No Dops, como tudo era mais provisório, os mocós eram despojados, nus. Não o do Zezinho. No do Zezinho havia profusão de mulheres peladas em fotos coloridas que ele conseguia sabe-deus-e-o-carcereiro-como.
No Dops, além dos presos políticos, havia também os presos da Lei de Segurança Nacional. Quer dizer, juridicamente não era bem isso. Na verdade, a versão oficial era a de que não havia presos políticos no Brasil. Havia a Lei de Segurança Nacional (LSN) que havia sido elaborada exatamente para enquadrar os crimes políticos. Mas, como a coisa toda tinha de ser disfarçada, a tal lei acabava por enquadrar certos tipos que nada tinham a ver com política. Por exemplo, um indivíduo preso a portar uma arma privativa das forças armadas era enquadrado na LSN. Ia parar no Dops, nas ‘nossas’ celas. E era sempre a mesma ladainha: não sei de nada, não fiz nada, é tudo um grande equívoco etc etc.
Por isso, quando chegava um novo preso da LSN, Zezinho ia logo perguntando: Ô meu, de que inocência és culpado?
(continua qualquer dia desses)
sábado, 21 de agosto de 2004
Homenagem de Caracu
Belo dia, estava a ouvir no rádio a transmissão de um jogo de futebol. Tudo isso ocorreu em Santos, há muitos anos, no tempo em que os animais falavam. Quem narrava era Ernani Franco, locutor esportivo da Rádio Atlântica, que ecoava pela cidade em jogos do Santos F.C.. Enquanto eu ouvia o jogo, meu pai aproximou-se e demonstrou algum interesse. A certa altura, penso que no intervalo entre os dois tempos do jogo, Ernani Franco disse que iria prestar uma homenagem a algum jogador, homenagem essa patrocinada pela cerveja Caracu. E perpetrou um "esta é uma homenagem de Caracu". Meu pai apenas me olhou de esguelha e comentou: "Que homenagem estranha". Era o máximo que sua pudicícia lhe permitia.
Pois é. Meu pai, que escreveu vários livros, todos de caráter religioso, consumou um que se chamou "Meu bazar de idéias". Era o nome de uma coluna semanal que ele mantinha em O Jornal Baptista. De certa forma, era sua marca registrada.
Eu, como legítimo herdeiro, penso poder apropriar-me do título. Certo que não combati o bom combate, nem guardei a fé. Mas coloco no cabeçalho deste blog o título inventado por meu pai.
Ele, se pudesse, estaria a dizer:
Que homenagem estranha.
quarta-feira, 11 de agosto de 2004
Era uma vez - V
O Recortado
Já disse: Altino Dantas antecipou que o Presídio Tiradentes era o céu. E era. A gente tinha fogão elétrico daqueles de duas bocas. Do pessoal da cela, sempre havia uns dois ou três cujas famílias podiam mandar alguma coisa. Então, a gente pedia cebola, alho, tomate, temperos variados (até noz moscada!) etc etc e fazia recortado.
Pra explicar o recortado tem que dar umas voltas.
A comida para os presos era feita no Carandiru, um complexo prisional enorme situado não muito longe do Tiradentes. Já foi desativado. Ficou internacionalmente famoso no governo Fleury, quando mataram 111 presos lá. O policial militar que comandou o massacre foi eleito deputado. O brasileiro é cordial. Aliás, é mesmo. Quando Sérgio Buarque de Holanda escreveu Raízes do Brasil ( que em muitas bibliotecas brasileiras é posto na prateleira de Botânica), ele caracterizou o brasileiro como cordial. Mas cordial, de coração. Ou seja, o brasileiro atua de acordo com o coração. Cordialmente. E – sempre segundo a maioria cordial – bandido bom é bandido morto.
Mas vamos voltar à comida que já estou com fome.
Do Carandiru, a comida era mandada ao Tiradentes em tonéis de latão (pra dizer a verdade, não sei qual a liga metálica da qual eram feitos aqueles cilindros que ficavam lá embaixo, no pátio, com seu conteúdo a servir de aperitivo aos gatos que neles subiam).
Chegada a hora do almoço, os carcereiros passavam pelas celas a distribuir aquela gororoba. Era uma massa amarela, a lembrar mandioquinha, batata, algo por aí. Boiando nessa massa, pedaços de carne, ou melhor, de sebo com pequenos adendos de carne.
Era a matéria prima do recortado.
Aceitávamos aquilo que nos oferecia o solícito carcereiro (‘solícito’ é elogio post mortem. Penso que a maioria já morreu, daí meu tratamento condescendente).
Em paralelo, já o encarregado-do-dia (havia um por dia em cada cela, responsável pela limpeza e pelas refeições) preparara os tomates, cebolas, alhos et caterva.
A gororoba recebida da ‘ala’ (corredor do pavilhão, não confundir com ‘Ala’, dissidência do PC do B) era posta em uma peneira, sobre a pia. Recebia água corrente. Sobravam, portanto, os pedaços de sebo com aderências de carnes. Tais pedaços eram, então, cortados em cima de uma tábua de carne. Retirado o sebo (e sabe-se lá mais o quê), sobravam porções não despiciendas de carne. Eis o recortado.
Refogávamos tais nacos de carne em uma frigideira, bem acompanhados pelos temperos adrede preparados (estou a tentar uma certa solenidade na linguagem para transmitir a sensação que nos invadia ao sentir o cheiro daquela iguaria).
Daí pra frente, era apenas
Bom Apetite!
Sem esquecer o arroz e o feijão que o ‘escravo’ do dia já aprontara.
sexta-feira, 6 de agosto de 2004
Era uma vez - IV
E o Plano Cruzado cruzou meu caminho
No primeiro semestre de 1.971, não sei dizer exatamente quando, o POC resolveu discutir com a VAR-Palmares um processo de aproximação. Pra falar o português claro, não havia o menor motivo programático pra que os dois grupos não fossem um. As divisões na esquerda se processavam ao sabor dos personalismos e de conveniências as mais variadas. Alguns grupos tinham diferenças conceituais significativas, mas vários deles se distinguiam apenas pelos nomes de seus membros.
Mas voltemos à discussão sobre aproximação entre POC e VAR. Fui designado pelo POC para discutir o assunto com um representante da VAR. Passaram-me os dados de um "ponto" (encontro entre militantes), com algumas dicas de como reconhecer e ser reconhecido.
No dia marcado, lá estava eu em um bar da Av. Brigadeiro Luiz Antonio, umas duas quadras acima da rua Estados Unidos, a esperar pelo interlocutor. Eram umas oito da manhã, pedi uma média e fiquei na expectativa.
Quando o camarada da VAR chegou, olhei pra ele e, do alto de meus vinte e seis anos, pensei: "Porra, mandaram um moleque pra discutir comigo". De facto, tratava-se de um indivíduo imberbe, com certo cheiro de fraldas. De início, interpretei a coisa como um certo desprezo da VAR pelo processo que deveríamos iniciar. À medida que o papo foi se desenrolando, não me foi difícil constatar que estava diante de uma inteligência privilegiada.
Nossos encontros foram uns dois ou três, já não lembro direito. Não se prestaram a nenhuma aproximação efetiva, mesmo porque a vaca já estava correndo celeremente para o brejo, mas serviram para que crescesse em mim a admiração por aquele menininho metido a revolucionário.
Quinze anos depois, durante o alvoroço do Plano Cruzado, uma das intempéries que se abateram sobre a economia brasileira, abro um dia a revista Veja e dou de cara com o moleque da VAR. Era Pérsio Arida, um dos pais do Plano.
Mais alguns anos, esbarrei com ele no restaurante Bolinha, em São Paulo, famoso por sua feijoada, ele e eu cada qual com sua família. Não fui falar com ele. Reminiscências revolucionárias não combinam com joelho de porco.
quinta-feira, 5 de agosto de 2004
Era uma vez - III
As Origens
A esquerda brasileira, no século XX, tem, basicamente, três origens:
O Partido Comunista Brasileiro (“Partidão”, para os íntimos), de orientação soviética, criado em 1.922;
Setores da Igreja Católica comprometidos com uma certa “visão social” da Igreja e estruturados em JECs, JOCs e JUCs (Juventude Estudantil/Operária/Universitária Católica) e na Ação Popular (AP);
Segmentos trotskistas situados, fundamentalmente, nas Universidades. Alguns desses segmentos seguiam a orientação da chamada 4ª Internacional, cujo braço latino-americano era conduzido por um trotskista folclórico – o argentino Homero Cristali, conhecido pela alcunha de J. Posadas. Outros simplesmente tinham um vínculo conceitual com o trotskismo. Um deles estruturou-se como Organização Revolucionária Marxista (ORM), mais conhecida pela corruptela do nome de seu jornal (vendido em banca até o golpe de 64) – Política Operária. Foi a POLOP.
Do Partidão surgiu a dissidência do PC do B (Partido Comunista do Brasil) por ocasião da denúncia dos crimes de Stalin por Kruschev (1.956). De orientação chinesa, tentou desenvolver a luta armada no campo, já nos anos setenta, implantando um foco guerrilheiro no Araguaia.
Do mesmo Partidão, surgiram outras dissidências, na década de sessenta. Talvez a mais importante tenha sido a Aliança Libertadora Nacional (ALN), criada por Carlos Marighela, um dirigente do Partidão que se exasperou com a relutância do Partidão em partir para a luta armada.
Penso que é dos anos sessenta a utilização da expressão Esquerda Revolucionária como referência aos grupos que defendiam a luta armada, em oposição ao Partidão, tido como meramente reformista.
Do PC do B, surgiram dissidências tais como a Ala Vermelha (para os íntimos, “Ala”).
Da POLOP surgiram o POC (Partido Operário Comunista), que aglutinou uma dissidência gaúcha do Partidão; a VAR-Palmares, que misturava a POLOP com a VPR (Vanguarda Popular Revolucionária) do ex-capitão Lamarca.
Uma montanha de grupelhos surgiu nos anos setenta, mas as origens são – muito resumidamente – as que citei acima. De resto, esse resumo que fiz só pretende facilitar a compreensão de algumas histórias que vou contar aqui.
Já a repressão, no início dos anos setenta, classificava todos esses grupos em duas grandes categorias: os subversivos e os terroristas. De acordo com o que alguns torturadores faziam questão de explicitar, eram subversivos os grupos que não haviam aderido à luta armada e não praticavam as chamadas “ações” (assaltos a banco, supermercados etc). Basicamente, o Partidão, os trotskistas da IV Internacional e outros poucos. Os terroristas eram, claro, os que praticavam “ações” e preparavam-se para desencadear a luta armada (ALN, VPR e um número grande de pequenos grupos).
Um certo dia, na Oban (Operação Bandeirantes) um torturador explicou-me, didaticamente, a mim, que era membro do POC, o porque de eles considerarem que tinha sido muito bom, para nós (do POC), sermos presos. Eles haviam chegado à conclusão de que estávamos à beira de ingressar no rol das organizações terroristas. Por termos sido presos, ficamos no limiar do que eles consideravam subversivos. Em síntese, não nos pretendiam mortos.
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