sexta-feira, 6 de agosto de 2004

Era uma vez - IV
E o Plano Cruzado cruzou meu caminho



No primeiro semestre de 1.971, não sei dizer exatamente quando, o POC resolveu discutir com a VAR-Palmares um processo de aproximação. Pra falar o português claro, não havia o menor motivo programático pra que os dois grupos não fossem um. As divisões na esquerda se processavam ao sabor dos personalismos e de conveniências as mais variadas. Alguns grupos tinham diferenças conceituais significativas, mas vários deles se distinguiam apenas pelos nomes de seus membros.
Mas voltemos à discussão sobre aproximação entre POC e VAR. Fui designado pelo POC para discutir o assunto com um representante da VAR. Passaram-me os dados de um "ponto" (encontro entre militantes), com algumas dicas de como reconhecer e ser reconhecido.
No dia marcado, lá estava eu em um bar da Av. Brigadeiro Luiz Antonio, umas duas quadras acima da rua Estados Unidos, a esperar pelo interlocutor. Eram umas oito da manhã, pedi uma média e fiquei na expectativa.
Quando o camarada da VAR chegou, olhei pra ele e, do alto de meus vinte e seis anos, pensei: "Porra, mandaram um moleque pra discutir comigo". De facto, tratava-se de um indivíduo imberbe, com certo cheiro de fraldas. De início, interpretei a coisa como um certo desprezo da VAR pelo processo que deveríamos iniciar. À medida que o papo foi se desenrolando, não me foi difícil constatar que estava diante de uma inteligência privilegiada.
Nossos encontros foram uns dois ou três, já não lembro direito. Não se prestaram a nenhuma aproximação efetiva, mesmo porque a vaca já estava correndo celeremente para o brejo, mas serviram para que crescesse em mim a admiração por aquele menininho metido a revolucionário.
Quinze anos depois, durante o alvoroço do Plano Cruzado, uma das intempéries que se abateram sobre a economia brasileira, abro um dia a revista Veja e dou de cara com o moleque da VAR. Era Pérsio Arida, um dos pais do Plano.
Mais alguns anos, esbarrei com ele no restaurante Bolinha, em São Paulo, famoso por sua feijoada, ele e eu cada qual com sua família. Não fui falar com ele. Reminiscências revolucionárias não combinam com joelho de porco.

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