domingo, 24 de março de 2013

RUT (2/2)


                                      (leia antes o post anterior)


Porque aonde quer que tu fores, irei eu.
 E onde quer que tu mores, morarei.
 Teu povo será meu povo:
 E teu Deus será meu Deus.



A decisão de Noomi de recomendar a suas noras que ficassem na terra de seus pais prende-se à chamada lei do levirato. Ou lei dos cunhados.
Quando um homem morria e deixava a esposa sem filhos, um irmão dele devia casar-se com a viúva para dar-lhe um filho que seria o herdeiro do falecido pai (Deuteronômio 25: 5-10). Na falta de irmão, que fosse um parente próximo.
Ora, Noomi não mais tinha filhos. Nem a idade lhe permitia tê-los. Se os tivesse, as viúvas de seus filhos não poderiam esperar tanto para com eles casarem. Por isso, liberou suas noras para que procurassem maridos em sua própria nação.
Como já vimos, Orpá seguiu a orientação de Noomi e voltou para a casa de seus pais, em Moav. Rut não abriu mão de continuar ao lado de Noomi.
E foram as duas para Belém, Judá.

Chegaram na época da colheita da cevada. Quem vive em regiões predominantemente agrícolas sabe que as épocas de colheitas são as mais festivas. Nem é preciso dizer por quais razões. Cá em Trás-os-Montes, por exemplo, festejam-se as vindimas, a colheita das cerejas, das castanhas, das azeitonas etc. Mas Noomi ainda trazia tristeza dentro de si, por todas as desventuras a que o destino a submetera. Ao ser reconhecida pelas pessoas que a viam, dizia:
- Não me chamem Noomi [agradável]. Digam Mara [amarga], pois grande amargura me tem dado o Todo Poderoso.

Havia um parente de Eli Mêler, valente e poderoso, da geração do finado marido de Noomi, chamado Boaz. Vinha a calhar para encaixar-se na lei dos cunhados. Noomi sugere então a Rut que aproveite a oportunidade das colheitas e vá às terras de Boaz.

Desenvolve-se, a partir daí, o desde sempre repetido ritual de aproximação entre futuros amantes.

Boaz termina por dar a Rut o filho que Marlon não tivera tempo de lhe dar: Oved.
E Oved foi pai de Ishaí (transliterado como Jessé). E Ishaí, o pai de David.

A importância de Rut reside nomeadamente no facto de ser bisavó do rei David. Eu, na minha incurável maledicência, penso que Rut tornou-se famosa porque não é todo dia que se vê uma nora gostar tanto assim da sogra. Vamos adiante.

Diga-se que é de uma saudável ironia que a bisavó da principal figura da história de Israel (ao menos uma das principais) seja oriunda de um povo arqui-inimigo do povo judeu. Os moavitas, quando da peregrinação dos judeus pelo deserto, não permitiram que Moisés [Moshé] deixasse o povo judeu repousar nas terras de Moav. Nem usufruir de suas águas. A tradição os consagrou, graças a isso, como um entre os principais inimigos de Israel.
Tal dado genealógico deveria servir como apoio aos esforços pela paz na região, em nossos dias.

Ainda no terreno da genealogia, Rut é também venerada pelos cristãos por ser bisavó de David, de cuja descendência – argumentam os cristãos – faz parte Jesus.
De facto, o evangelho de Mateus (que, diga-se de passagem, não é da autoria de Mateus), sempre preocupado em ligar Jesus às profecias do Antigo Testamento, começa por listar a cadeia das gerações desde Abraão até David (segundo ele, catorze gerações), de David até a deportação para a Babilônia (outras catorze gerações), da volta da Babilônia até Jesus (outras catorze gerações). Lá estão nossos conhecidos Oved e Ishaí.
Sem entrar na questão de se o evangelho de Mateus sumiu com algumas gerações para conseguir essa coincidência das catorze gerações, o engraçado – a meu ver – é que, no final da enumeração dos ancestrais de Jesus temos um “Jacó gerou a José, marido de Maria, da qual nasceu Jesus, que se chama o Cristo”. (Mateus 1:16).
Como diria o mineiro:
  • Uai!
Jesus, até onde aprendi na Escola Dominical, é filho do Espírito Santo. José nada tem a ver – em termos de sangue – com o Cristo.
Mas religião alguma nunca teve preocupações com a lógica. Ora, a lógica.

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