Em meu tempo de criança, minha irmã
mais velha gostava de mexer constantemente nos móveis da casa. Era
guarda-roupa pra cá, cama pra lá, cristaleira de um jeito, depois
de outro. Tudo mudava segundo o humor dela.
Meu pai, que trabalhava em casa, vivia
a implicar com as alterações que ela promovia.
E as discussões eram inevitáveis.
- Isso assim não fica bem!
- O senhor não entende nada disso!
- E você! Acaso já leu algum Manual
de Estética?
E por aí avançava a discussão.
À noite, costumávamos ficar ao lado
de minha irmã ao piano. Eu de um lado, minha irmã mais nova do
outro. Meus pais sentavam-se no sofá da sala para ouvir. A garotada
da vizinhança vinha às vezes aboletar-se no murinho do jardim de
casa para ouvir. Cantávamos de tudo um pouco.
Uma das músicas de que eu gostava era
Risque. E a cantava a plenos pulmões. Pulmões fortes, aos nove anos
de idade.
Um dia, meu pai – sem mencionar
nenhum Manual de Estética – disse-me:
- Ouvi no rádio um cantor italiano a
cantar uma versão de Risque em voz baixa, suavemente. Lindo!
Era uma sugestão. Que eu jamais
acatei.
Descobri agora, tardiamente, que meu
pai sugeria que eu ouvisse António Zambujo, anacronicamente.
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