sábado, 15 de novembro de 2014

Mais estrepolias de Chico Buarque


Não quis colocar aqui essa história antes das eleições brasileiras porque iriam pensar que eu estava a criticar Chico por ele ser cabo eleitoral da Dilma. É verdade que o clima continua o mesmo em terras tupiniquins. Mas como agora Inês já é morta, vamos aos factos.

Antes de mais, deixo claro que distingo autor e obra. É que gosto muito das canções compostas por Chico. Quanto ao próprio, comentei uma vez, em um texto, o facto de ele ter furtado carros quando jovem, junto com amigos que queriam divertir-se. Fui admoestado por atentos defensores de tudo que diz respeito à Esquerda. “Cuidado com a reputação das pessoas!”, diziam. Como se tais estrepolias não fossem de domínio público.

Li recentemente o livro Solo, de memórias de Cesar Camargo Mariano. Dele consta um episódio protagonizado por Chico. Raras são as críticas que Cesar Mariano faz a alguém em seu livro. E este episódio não se inclui entre elas. Ao contrário, ele o conta por considerá-lo um facto engraçado.

É verdade que até velório tem piada. Mas reproduzo aqui o relato de Cesar Mariano para salientar uma faceta do caráter de Chico Buarque.

Avaliações, é claro, são do leitor.

“Roberto [Colossi, empresário de Simonal e do SOM 3] tinha ido à Itália para administrar a produção de alguns shows do Chico com o Toquinho. Ele sabia que nós estaríamos viajando naquele período, mas jamais imaginamos nos encontrar em Roma, do jeito que foi, na rua.
Depois de rirmos muito com aquela coincidência, Chico nos convenceu, Simonal e eu, de que tínhamos de mudar para o hotel onde eles estavam.
- Por quê, Chico?
- É que tenho alguns planos.
Mudamos para o hotel onde os quatro estavam hospedados e começamos a execução do plano, depois de um longo ensaio, naquela mesma madrugada.
Passava da meia-noite, e Chico achou que estava na hora de começar. Cada um foi para o seu quarto. Colossi, Marieta e eu nos posicionamos, cada um à frente de seu próprio quarto, com a porta aberta. Nossa tarefa era de apoio. Tínhamos de vigiar.
O hotel inteiro, a essa altura, dormia. Silêncio total.
Pé ante pé, saíram de seus quartos Chico, Toquinho e Simonal, nus, somente com uma toalha amarrada na cintura, e começaram a recolher os pares de sapatos deixados do lado de fora de cada quarto, para serem engraxados. Trocaram os sapatos do nosso andar inteiro, inclusive os nossos. O par que fosse do quarto 23, por exemplo, ia para o 32, do andar de cima; o do 32 ia para o 16, no andar abaixo do nosso. Além disso, eles separavam os pares: o direito subia, e o esquerdo ficava ou descia. Os avisos de “não perturbe” eram trocados por “despertar às 3h...”, e os pedidos de café da manhã eram preenchidos com os cardápios mais loucos.
(…)
Tudo tinha de ser muito rápido, porque, às 4h da manhã, começava um verdadeiro pandemônio naquele hotel. Todos gritando, brigando... E nós também, no meio deles. A cena era indescritível.
Porém, no terceiro dia de ação, ouvimos a campainha do elevador, que era exatamente em frente ao quarto do Colossi e do meu, bem na hora em que os três estavam executando a tarefa no nosso próprio andar. Nus. Era um garçom do hotel. Não houve a menor chance de avisá-los. Foi muito rápido.
Foi muito rápida também a nossa saída do hotel, naquela mesma manhã, a convite da gerência e da polícia.
Dias depois daquela missão naquele hotel chiquérrimo de Roma (…) retornamos ao Brasil. “

(Solo - memórias, Cesar Camargo Mariano, pág. 182 a 184)

1 comentário:

Alcilea disse...

Deve ter sido nessa época que ele gerou o Eduardo Campos. Pensando bem, pode ter sido melhor que ele se tenha mantido à distância... E poderia ter ficado calado durante a propaganda eleitoral para não destoar tanto do filho que ele não criou. Eu me pergunto se, em 2011, ele teria trazido a notícia a público se tivesse encontrado o filho numa situação desagradável!