O Bem e o Mal são objeto do capítulo
III da obra A Gênese, de Kardec. Utilizo a tradução, para o
Português, de Guillon Ribeiro, editada pela Federação Espírita
Brasileira (FEB). É uma tradução feita a partir da 5ª edição
francesa e a paginação que menciono é a da 52ª edição da FEB.
Por aí percebe-se que as traduções dos livros básicos do
Espiritismo vendem-se, no Brasil, tanto quanto pão quente.
A Gênese é obra de 1868 e o capítulo
III ocupa as páginas 83 a 99.
Se Deus é todo sabedoria, bondade e
justiça, o mal não pode ter nele sua origem.
Se o mal fosse atribuição de algum
ser especial, ou ele seria igual a Deus ou lhe seria inferior.
Se fosse igual, ambos estariam em
incessante luta, hipótese que se deve descartar, haja vista a
“unidade de vistas que se revela na estrutura do Universo.”
(pág.83).
Se fosse inferior, seria a Deus
subordinado, Teria sido por Ele criado. Por seu intermédio, Deus
teria criado o mal.
Assim, continuamos com o problema: o
mal existe. Deve, portanto, ter uma causa.
Kardec passa a investigar o mal para
chegar a sua causa.
Há males de duas categorias: os que o
homem pode evitar e os que lhe independem da vontade (aí incluídos
os flagelos naturais).
Quanto aos flagelos naturais: o homem
pode, com sua inteligência, atenuar-lhes os efeitos.
Os males que independem de sua vontade,
portanto, são “um estimulante para o exercício da sua
inteligência”. (pág. 85).
“A dor é o aguilhão que o impele
para a frente, na senda do progresso”. (pág. 85). (em itálico, no
original).
Essa é a segunda categoria dos males.
A menos numerosa.
A principal é a dos males que “o
homem cria pelos seus vícios”. (pág. 85).
Aqui Kardec introduz a contraposição
entre instinto de conservação e senso moral.
O Espírito, em suas primeiras fases de
existência corpórea, privilegia o primeiro.
Com a evolução o Espírito acentua o
valor do senso moral e reduz a importância do instinto de
conservação.
“O mal é, pois, relativo e a
responsabilidade é proporcionada ao grau de adiantamento” (pág.
88).
Neste ponto é que, julgo eu, o
Espiritismo chega a quase tangenciar a visão da Antroposofia, neste
tema. Voltaremos a isso quando resumirmos a visão antroposófica da
questão do Bem e do Mal.
Kardec conclui essa análise: “No
abuso é que reside o mal e o homem abusa em virtude do seu
livre-arbítrio”.
A partir daí, Kardec trata de dois
temas. O instinto e a inteligência e, por fim, Destruição dos
seres vivos uns pelos outros.
“O instinto é a força oculta que
solicita os seres orgânicos a atos espontâneos e involuntários,
tendo em vista a conservação deles” (pág. 89) (em itálico no
original).
“A inteligência se revela por atos
voluntários, refletidos, premeditados, combinados, de acordo com a
oportunidade das circunstâncias. É incontestavelmente um atributo
exclusivo da alma”. (pág. 89 e 90) (em itálico no original, a
menos da última frase).
Como o próprio Kardec adverte adiante:
“Todas essas maneiras de considerar o instinto são forçosamente
hipotéticas e nenhuma apresenta caráter seguro de autenticidade,
para ser tida como solução definitiva” (pág. 94). Por isso, não
vejo motivo para resumir as ideias a respeito do instinto.
Kardec menciona também as paixões,
comparando-as – mas também as distinguindo – do instinto.
E conclui: “O instinto se aniquila
por si mesmo; as paixões somente pelo esforço da vontade podem
domar-se.” (pág. 95).
Quanto à destruição dos seres vivos
uns pelos outros, “é, dentre as leis da Natureza, uma das que, à
primeira vista, menos parecem conciliar-se com a bondade de Deus.”
(pág. 95).
Isso porque os homens “não
compreendem que um bem real possa decorrer de um mal aparente”
(pág. 96).
Para justificar que uns animais comam
outros (incluindo o homem), diz Kardec:
“A verdadeira vida, tanto do animal
como do homem, não está no invólucro corporal, do mesmo que não
está no vestuário. Está no princípio inteligente que preexiste e
sobrevive ao corpo.” (pág. 96) (em itálico no original).
Vem certamente daí – dessa concepção
dos animais como seres dotados de Espírito – a atual moda de um
cuidado às vezes excessivo com cães, gatos etc.
Por isso, “ensina Deus aos homens o
pouco caso que devem fazer do envoltório material e lhes suscita a
ideia da vida espiritual” (pág. 96).
Finalmente, caso as explicações dadas
não bastem:
“Deus há de ser infinitamente justo
e sábio. Procuremos, portanto, em tudo, a sua justiça e a sua
sabedoria e curvemo-nos diante do que ultrapasse o nosso
entendimento.” (pág. 97).
No próximo texto, tentarei resumir as
ideias expostas por Rudolf Steiner em uma conferência sobre o Bem e
o Mal.
A comparação fica a cargo do leitor.
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