quarta-feira, 2 de julho de 2014

ESPIRITISMO - 02

Enquanto a Copa não termina, fiquemos em prolegômenos.
Discutir o Espiritismo, o Cristianismo e outros que tais – no meu caso, por ser ateu, materialista – é difícil. Existe, por parte da maioria das pessoas, um rancor em relação à descrença.
Vejam, por exemplo, o que diz Kardec sobre o materialismo:
“Ao combater o materialismo atacamos, não os indivíduos, mas a doutrina que, se é inofensiva para a sociedade quando se encerra no foro íntimo da consciência de pessoas esclarecidas, passa a ser uma praga social quando se generaliza.”
Ou seja, desde que eu, sendo ateu e materialista, fique quietinho em meu canto, tudo bem. Mas se abro a boca para emitir minhas opiniões, passo a agente de uma “praga social”.
Menos mal. Se os espiritistas não atacam os indivíduos, há várias religiões que o fazem ou fizeram sempre que têm ou tiveram poder para tanto.
“A convicção de que tudo está acabado para o homem depois da morte […] leva-o […] à máxima: cada qual por si durante a vida, dado que nada existe para além dela.”
Kardec devia mesmo sentir uma quase irresistível propensão ao que ele chama de vício:
“É preciso mesmo uma grande virtude para se ser travado no declive do vício e do crime não tendo como travão mais que a força de vontade.”
Eu devo mesmo ser um retardado: aos quase 70 anos ainda não matei ninguém.
De facto, para Kardec o ateísmo e o vício são praticamente a mesma coisa:
“Os que não acreditam em Deus nem na própria alma, que desprezam a oração e estão mergulhados no vício […; quanto a eles] não há mais nada a fazer para os tirarmos do atoleiro.”
Aliás, parece que nem é preciso ser ateu. Basta ter alguma dúvida sobre a tal vida futura:
“A dúvida, no que toca a vida futura, conduz naturalmente ao sacrifício de tudo pelo bem-estar presente, daí a importância excessiva dada aos bens materiais.
A importância dada aos bens materiais excita a cupidez, a inveja, o ciúme do que tem pouco do que tem muito. […]; daí os ódios, as querelas, os processos, as guerras e todos os males provocados pelo egoísmo.”
Pra resumir: aquele que duvida da vida futura vai desembocar no suicídio ou na loucura.
Só mais uma pérola:
“O materialista, que faz depender todas as faculdades morais e intelectuais do organismo, reduz o homem ao estado de máquina, sem livre arbítrio, por consequência sem responsabilidade pelo mal e sem mérito pelo bem que faz”.

Não à toa, desde que comecei a escrever sobre assuntos religiosos aqui, tenho recebido muitos comentários agressivos e grosseiros. Mas já sou calejado e não me surpreendo com isso nem me assusto.
Apenas lastimo.

Mas ocorreu-me fazer uma outra abordagem ao tema Espiritismo.
Ao invés de discuti-lo de um ponto de vista materialista, coisa que farei depois, vou começar por compará-lo a outra concepção que também reconhece a existência do mundo espiritual.
Trata-se da Antroposofia, de Rudolf Steiner.
Quando tomei conhecimento dela e li os primeiros livros de Steiner, já lá se vão quase quarenta anos, fiquei bastante impressionado. Lembro-me de ter comentado com o prof. Valdemar Setzer, ao devolver um livro de Steiner que ele me emprestara:
- Quando eu decidir ser místico, a mística que vou escolher será essa.

De facto, não sou de esconder minhas escolhas e preferências. Considero a Antroposofia muito mais complexa que o Kardecismo. Mas vou, aqui, comparar posições de uma e do outro e que os leitores tirem suas conclusões.
Para mim – e vou utilizar uma imagem comparativa tirada da literatura brasileira – o Espiritismo está para a Antroposofia como Paulo Coelho está para Guimarães Rosa.
Essa comparação pode ser vista do ângulo da qualidade mas também da quantidade: não conheço os números, mas certamente Coelho vende muito mais que Rosa.


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