Enquanto a Copa não termina, fiquemos
em prolegômenos.
Discutir o Espiritismo, o Cristianismo
e outros que tais – no meu caso, por ser ateu, materialista – é
difícil. Existe, por parte da maioria das pessoas, um rancor em
relação à descrença.
Vejam, por exemplo, o que diz Kardec
sobre o materialismo:
“Ao combater o materialismo atacamos,
não os indivíduos, mas a doutrina que, se é inofensiva para a
sociedade quando se encerra no foro íntimo da consciência de
pessoas esclarecidas, passa a ser uma praga social quando se
generaliza.”
Ou seja, desde que eu, sendo ateu e
materialista, fique quietinho em meu canto, tudo bem. Mas se abro a
boca para emitir minhas opiniões, passo a agente de uma “praga
social”.
Menos mal. Se os espiritistas não
atacam os indivíduos, há várias religiões que o fazem ou fizeram
sempre que têm ou tiveram poder para tanto.
“A convicção de que tudo está
acabado para o homem depois da morte […] leva-o […] à máxima:
cada qual por si durante a vida, dado que nada existe para além
dela.”
Kardec devia mesmo sentir uma quase
irresistível propensão ao que ele chama de vício:
“É preciso mesmo uma grande virtude
para se ser travado no declive do vício e do crime não tendo como
travão mais que a força de vontade.”
Eu devo mesmo ser um retardado: aos
quase 70 anos ainda não matei ninguém.
De facto, para Kardec o ateísmo e o
vício são praticamente a mesma coisa:
“Os que não acreditam em Deus nem na
própria alma, que desprezam a oração e estão mergulhados no vício
[…; quanto a eles] não há mais nada a fazer para os tirarmos do
atoleiro.”
Aliás, parece que nem é preciso ser
ateu. Basta ter alguma dúvida sobre a tal vida futura:
“A dúvida, no que toca a vida
futura, conduz naturalmente ao sacrifício de tudo pelo bem-estar
presente, daí a importância excessiva dada aos bens materiais.
A importância dada aos bens materiais
excita a cupidez, a inveja, o ciúme do que tem pouco do que tem
muito. […]; daí os ódios, as querelas, os processos, as guerras e
todos os males provocados pelo egoísmo.”
Pra resumir: aquele que duvida da vida
futura vai desembocar no suicídio ou na loucura.
Só mais uma pérola:
“O materialista, que faz depender
todas as faculdades morais e intelectuais do organismo, reduz o homem
ao estado de máquina, sem livre arbítrio, por consequência sem
responsabilidade pelo mal e sem mérito pelo bem que faz”.
Não à toa, desde que comecei a
escrever sobre assuntos religiosos aqui, tenho recebido muitos
comentários agressivos e grosseiros. Mas já sou calejado e não me
surpreendo com isso nem me assusto.
Apenas lastimo.
Mas ocorreu-me fazer uma outra
abordagem ao tema Espiritismo.
Ao invés de discuti-lo de um ponto de
vista materialista, coisa que farei depois, vou começar por
compará-lo a outra concepção que também reconhece a existência
do mundo espiritual.
Trata-se da Antroposofia, de Rudolf
Steiner.
Quando tomei conhecimento dela e li os
primeiros livros de Steiner, já lá se vão quase quarenta anos,
fiquei bastante impressionado. Lembro-me de ter comentado com o prof.
Valdemar Setzer, ao devolver um livro de Steiner que ele me
emprestara:
- Quando eu decidir ser místico, a
mística que vou escolher será essa.
De facto, não sou de esconder minhas
escolhas e preferências. Considero a Antroposofia muito mais
complexa que o Kardecismo. Mas vou, aqui, comparar posições de uma
e do outro e que os leitores tirem suas conclusões.
Para mim – e vou utilizar uma imagem
comparativa tirada da literatura brasileira – o Espiritismo está
para a Antroposofia como Paulo Coelho está para Guimarães Rosa.
Essa comparação pode ser vista do
ângulo da qualidade mas também da quantidade: não conheço os
números, mas certamente Coelho vende muito mais que Rosa.
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