sábado, 12 de agosto de 2006

Era uma vez - XXXII
Chegada ao DOI-CODI


Depois de nos deixar no banheiro da casa durante alguns minutos, com um meganha a nos apontar uma metralhadora, minha mulher e eu ali, em pé, dentro do box, como quem premeditasse um banho e tivesse esquecido de despir-se, os homens da OBAN nos levaram para uma perua D20 (ou algo assim. Até hoje nada entendo de automóveis, imagina naquela época. Segundo a Maray, era C14).
Indicaram que nos sentássemos em um banco no meio da cabine. Não me lembro se nos algemaram. O tempo todo minha mulher e eu ficamos juntos.
Ao chegar à Delegacia de Polícia da rua Tutóia (São Paulo) pudemos constatar o que já sabíamos: ela havia sido transformada em fortaleza do DOI-CODI. A Delegacia ficara sendo apenas uma fachada para a estrutura repressiva meio clandestina que o Exército montara ali. A D20 entrou em um pátio e ali fomos convidados a descer e levados até uma sala de espera.
Até aí, descontadas as armas que nos apontaram, o tratamento que nos dispensaram foi quase gentil. Mais tarde aprendemos: as equipes de busca, que eram as que iam atrás dos terroristas e subversivos, eram formadas por profissionais menos boçais. Afinal, eles arriscavam a vida. Já as equipes internas, de tortura, reuniam a escória da humanidade.
Sentados naquela sala, minha mulher e eu, banco de madeira, comecei a imaginar saídas daquela situação. Afinal, eu tinha uma vida oficial. Era professor do Instituto de Matemática e Estatística da USP. Parecia-me que seria relativamente fácil convencer aqueles senhores um tanto agressivos que minha mulher e eu nada tínhamos a ver com o que eles imaginavam.
Queria sair, voltar pra casa.
Começava um intenso aprendizado.

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