quarta-feira, 13 de abril de 2005

Era uma vez - XXI
Bilhetes a Celina (2)


Este está sem data mas, pelo conteúdo, percebe-se ser de final de fevereiro de 1.972. Traz o inevitável "visto" do censor. Mantive a acentuação que se usava na época (pelo menos, a que eu usava). Minha letra era bonitinha, tá sabendo?
Deixa os auto-elogios pra lá e vamos ao texto. Reparem na preocupação em dizer as coisas de maneira a driblar a censura:
Oi! manhê!
É de manhã. Ficamos batendo papo a noite tôda aqui na cela, de modo que agora é que o pessoal foi dormir. O silêncio é quase total no presídio. Quando os “corrós” estavam aqui era uma barulhada de manhã! Agora a gente até estranha o silêncio. Acabei de ler mais um editorial do “Estadão” sôbre os presos correcionais (os corrós). Como todos sabem, tanto as senhoras como os senhores, os presos correcionais não existem. Uma pessoa, por lei, não pode ficar detida sem culpa formada por tempo maior do que um curto prazo. Na Justiça Comum, não sei exatamente qual é êsse prazo. Na Justiça Militar, são 30 dias prorrogáveis por outros 30. Isso em aritmética daquela que a gente aprende no grupo, dá dois meses. Depois, sempre segundo a lei, ou decreta a prisão preventiva ou solta o cidadão. Como eu já estou detido há sete meses, chega-se à límpida e insofismável conclusão de que eu não existo há exatamente cinco meses. Mas há pessoas que não existem há muito mais tempo. Napoleão, por exemplo, é uma delas.
As coisas chegaram e eu paro por aqui.
Apesar da inexistência, sábado eu estou lá no pátio. Inexistente mas assíduo.
Um beijão!
Tchau!
Beto

Sem comentários: