sexta-feira, 8 de abril de 2005
O desaparecimento gradual das (minhas) crenças
Quando eu tinha uns onze anos, perguntei a meu pai, que era pastor baptista:
- Pai, como fica o índio, no interior do Brasil, que nunca ouviu falar em Jesus. Quando ele morrer, vai pro inferno?
Minha dúvida fazia sentido. Afinal, os cristãos afirmam que só há salvação em Cristo. Se o indivíduo não aceitar a Cristo como seu Salvador, tá perdido. Só se salva (leia-se: vai pro céu) se aceitar a salvação em Cristo. Os evangélicos pensam assim (Os católicos já têm umas complicações, tipo purgatório etc e tal. Mas isso eu já não levava a sério mesmo aos onze anos).
Mas, e se ele nunca ouviu falar em Jesus? Vai pro inferno?
Meu pai deu de ombros. Disse-me pra que me preocupasse comigo e deixasse o índio em paz.
Começou aí, ao menos pelo que me lembro, meu processo de descrença gradual. Quando pude (isto é, quando cessou a pressão violenta da família) caí fora da igreja e passei a pensar por conta (mais ou menos) própria.
Passei por outras crenças. O marxismo foi uma delas. Devagar, debaixo de muita porrada, fui perdendo, uma a uma, todas as crenças.
Até hoje, mantive a crença na humanidade. Acredito na capacidade do ser humano de superar-se. De criar. De inventar.
Contudo, às vezes, essa última crença sofre abalos. Agora, por exemplo. Quatro milhões de pessoas tentam entrar em Roma para celebrar a morte do papa. Há confusão. Afinal, a cidade tem menos de três milhões de habitantes. Receber, de repente, a visita de quatro milhões é complicado. Falta água, falta tudo. Acho até que faltam ladrões para roubarem as carteiras dos visitantes. Normalmente isso abunda em Roma.
Fazer o quê. Essas pessoas querem ver o cadáver do papa. Já deve estar fedendo, já que dizem não ter sido embalsamado, o corpo. É um monte de ossos e de carne putrefata. Mas essa multidão quer ver isso.
Agora, diz pra mim: se eu perder minha crença na humanidade, vou acreditar em quê?!?!
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