segunda-feira, 19 de julho de 2004

Cosmogonias


Adão e Eva, o Éden, a serpente e o fruto proibido, são - talvez - nosso mais conhecido mito de origem. Mas há muitos outros. Faz tempo, interessado no assunto, comprei em um sebo uma obra em italiano que recenseava mitos de origem de povos do mundo inteiro. Eram quatro grossos volumes (que não li porque não leio italiano. Aí você me pergunta: por que comprou? sei lá). Há mitos de origem para todos os gostos. E muito o que conversar sobre eles. Lembro-me de um em que tudo começa em um lago onde nadam alguns patos (sic). Vai daí que Brama pousa no lago primevo e põe um enorme ovo do qual nasce... Brama. Então ele cria o mundo etc etc. Esse mito (que acho ter lido em Borges mas não encontro mais aonde) mostra a dificuldade do ser humano em lidar com o Princípio.
Por falar em Borges, em Otras inquisiciones (La Creación y P.H.Gosse) ele discute a questão do umbigo de Adão. Se Adão tinha umbigo, sem ter tido cordão umbilical, como fica o princípio de razão que exige que todo efeito tenha causa? Gosse bolou uma saída engenhosa: o tempo seria infinito para frente e para trás. Mas Deus, que pode interrompê-lo para o Juízo Final, eliminando dessa forma todo um porvir hipotético, pôde também interromper o fluxo temporal infinito em outro determinado momento, o momento da Criação. Assim, houve toda uma cadeia de eventos anteriores ao Paraíso, mas tais eventos não se realizaram. Dito de outra forma: podem existir esqueletos de gliptodontes, mas não houve jamais gliptodontes.
Borge, no mesmo texto, cita uma variante muito gira (como dizem os portugueses. Os cariocas usam 'muito manêra') inventada por Bertrand Russell: "No capítulo nono do livro The analysis of mind (Londres, 1921) supõe que o planeta foi criado há poucos minutos, provido de uma humanidade que 'recorda' um passado ilusório."
Já o gajo aqui bolou uma cosmogonia diferente. Vamos a ela:


Na Terra dos Deuses, em algum bairro perdido em certa metrópole, uma casa térrea, com grande quintal, abriga uma simpática família de divindades. Dois deusesinhos brincam animadamente nos fundos da residência. Um deles sugere.
- Vamos criar um mundo?
O outro logo concorda, mas acrescenta:
- Mas um mundo diferente, com uns seres estranhos. Vamos chamá-los de homens.
- Homens. Bom. Muito bom. Mas só homens não. Vamos criar dois tipos.
Homens e Mulheres, então. Certo?
- Certo!
E os dois começam a brincadeira. E vão desenvolvendo idéias e sofisticando a criação.
De repente, quando tudo já está bem adiantado, ouvem a mãe chamar para o almoço. Como a fome já chegou, largam tudo no quintal e correm para dentro de casa.
E lá ficamos nós, largados naquele quintal, à mercê dos ventos e da chuva.

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