sábado, 3 de setembro de 2005

Era uma vez - XXVIII
Da Liberdade



Inesquecíveis, os momentos passados junto à porta do xadrez, mãos crispadas nas barras do guichê, olhar fixo na parede da ala, superfície engordurada, manchada sabe-se lá de quê.
A sensação era nítida: não dá mais para suportar. É preciso sair, sumir deste lugar fétido.
Mas não há como. Não se sabe quando, nem mesmo se.
Não há nem mesmo julgamento marcado. Só há espera. Só há aquela parede, aquelas manchas, aquele sem sentido.
Não quero. Não posso mais olhar ininterruptamente para essa parede.
Quantos dias já estive aqui, nesta mesma posição, nesta idêntica expectativa.
Quantas perguntas sem resposta, quanta dor a escoar por este corredor e suas paredes. Talvez seja essa a razão das manchas, da gordura. Talvez tudo isso seja dor consubstanciada, como no milagre da eucaristia.
Liberdade. Quero isso. Liberdade.
Liberdade de ser cotidiano, de entrar e sair da padaria com meus pãezinhos matinais. Liberdade de ir até a esquina buscar um jornal ou alguns jogos de palavras cruzadas com os quais matar o tempo, esse precioso tempo que na prisão decorre vazio, gira em falso.
Ser banal, corriqueiro, ridículo, medíocre, acomodado, alegre, triste, insosso, preguiçoso, apressado, inconseqüente.
Livre.

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