segunda-feira, 19 de setembro de 2005
De heróis e vilões
Lá por volta de 1982, 83, eu trabalhava parte da semana em São Paulo, parte no Rio de Janeiro. No Rio, por trabalhar no Flamengo, costumava ir jantar no Lamas, restaurante tradicional, mais de um século de existência, ponto de encontro de artistas, políticos, celebridades em geral.
Vai daí, numa noite em que saboreava um filé-já-não-me-lembro-como, notei, em mesa próxima, um casal de meia idade, com a filha adolescente, a trocar cochichos e alternar espiadelas em minha direção.
Achei aquilo curioso mas não dei maior importância à coisa.
Neste ponto, preciso explicar: naquela época, estava para ser julgado um caso famoso. Um conhecido cantor brega (Lindomar Castilho) assassinara a ex-mulher, também cantora (Eliane de Grammont). As feministas elegeram Eliane, e sua morte, como símbolo de sua luta. A história toda era realmente chocante: ela já estava separada do cantor. Fazia apresentações em uma casa noturna em São Paulo. Um dia, Lindomar entrou no bar, durante a apresentação de Eliane e atirou nela, inconformado com a separação.
Por que lembrar tudo isso? Simples. Eu era, nessa época, bastante parecido com Lindomar. Já havia sido confundido com ele por vários motoristas de táxis.
Voltemos ao Lamas. Depois de ser olhado várias vezes pelo casal da mesa próxima e por sua filha adolescente, me dei conta do que acontecia: estava sendo confundido – mais uma vez – com Lindomar Castilho. Paciência. Não sendo apedrejado, tudo bem.
Para minha total estupefação, quando o trio terminou a refeição e preparava-se para abandonar o restaurante, o homem, ao invés de dirigir-se para a saída, veio na direção contrária, em minha direção. Chegou junto à minha mesa. Não disse uma palavra, não emitiu nenhum som. Simplesmente curvou-se, respeitosamente, numa tosca atitude de reverência. Depois virou as costas lentamente e foi embora, com a família.
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