quinta-feira, 30 de setembro de 2004
Eleições Municipais Brasileiras
Domingo agora, os brasileiros estão convocados a elegerem os prefeitos de suas cidades e os vereadores das Câmaras Municipais (executivo e legislativo municipais).
Dois partidos tendem a adquirir predominância nesse pleito: o PT, principal inquilino do Palácio do Planalto, e o PSDB, que se afirma como principal núcleo de oposição à situação federal e que comandou o governo do país durante os oito anos anteriores a Lula.
Até aí, nada. As dúvidas começam a surgir quando se percebe que PT e PSDB têm programas praticamente idênticos. Desde a questão macro econômica até as prioridades para tapar buracos nas ruas, nada difere significativamente de um para outro. Graças a essa semelhança, muitas pessoas reclamam dos políticos. São todos iguais, oportunistas, mudam de posição conforme as conveniências. Etc e tal.
Ocorre que o processo eleitoral é – cada vez mais – interativo. Os partidos fazem pesquisas qualitativas para definirem suas bandeiras de campanha. Ou seja, procuram saber o que a maioria das pessoas quer e – com isso em mente – definem o que propor aos eleitores. Não só as propostas são fruto dos desejos dos eleitores. As imagens dos candidatos são trabalhadas em função dessas mesmas pesquisas. Quem se elegeu em 2.002 para a presidência foi o Lulinha Paz e Amor. O combativo Lula de antes jamais se elegeria.
Resumo: os prefeitos e vereadores eleitos serão expressão muito fiel da feição da maioria da população. Nosso presidente, os governadores, senadores e deputados, todos são imagens especulares de nós mesmos.
Os poucos agrupamentos políticos que defendem idéias próprias (o dr. Enéas e seu PRONA, à direita, o PSTU e o PCO à esquerda, por exemplo) têm raros seguidores. Quase ninguém os leva a sério. Os grandes partidos perseguem o senso comum. Por isso são grandes. São como nós.
O desagradável é que olhamos pra todos eles e dizemos que são horríveis.
Não gostamos de nos olhar ao espelho.
De médicos, De loucos
Quando conheci o blog Asul, o que mais me atraiu – de início – foram as “dicas” gastronômicas do Asulado. Desconfio que ele está naquela fase da vida em que o assunto com os amigos são os restaurantes (sem esquecer as mulheres, claro. Os temas não se sucedem. Apenas se acumulam). Quanto a mim, passei já à etapa dos médicos. Então, puxa uma cadeira que vou falar disso.
Faz pouco tempo, procurei uma dermatologista em função de uma irritação na pele do rosto. É claro que ela não deu a mínima pra minha preocupação. Em compensação achou uma porção de queratoses e outros palavrões espalhados pelo meu corpo. Passei por uma solene sessão de esfoliação química: ela brinca de ir pingando ácido em cada ponto a ser “consertado” e vai perguntando se já está ardendo.
Até aí, tudo bem. Todo médico tem sua alta dose de sadismo no sangue. O problema foi ao final da consulta. A distinta senhora receitou-me um bloqueador solar, nº 45, para passar em todas as partes do corpo expostas à luz do sol, pela manhã, à hora do almoço e – ápice da desfaçatez – caso vá expor-me em demasia ao sol durante o dia, por exemplo andando prosaicamente por uma rua ensolarada, de duas em duas horas. Esqueci de perguntar a ela se pegava bem eu comprar uma bolsinha pra levar o bronzeador pendurado no ombro.
Já do meu reumatologista, esse sim, eu gosto. Primeiro porque deixa beber quando se está tomando antiinflamatório. Volta e meia vou almoçar com alguém e, na hora de pedir bebida, a pessoa me sai com essa. Não, vou tomar só água. Não posso beber. Estou tomando Arcoxia. E eu, descontraído e feliz:
- Coincidência. Também tô tomando Arcoxia. Garçom, um Balla duplo, copo baixo, três pedras.
Mas o melhor do meu reumatologista são as justificativas dele pra certas recomendações. Última vez que estive em seu consultório, me disse que estava tudo bem. Só precisava eu perder uns quilinhos. E explicou:
- Faz isso por mim. Pra algum amigo teu não dizer: porra, que merda de médico é esse que te deixa gordo assim?
terça-feira, 28 de setembro de 2004
Bendita Língua
AUTOMÓVEL – sujeito que se move por conta própria. Vai pro trabalho a pé, por exemplo.
ETIMOLOGISTA – médico especialista em étimo, aquele órgão que fica na base das cordas vocais, responsável, portanto, pela origem das palavras.
GRAGRAGRA – algo absolutamente insuportável (se uma só GRA já não dá pra agüentar, imagina três)
PÓ LÍTICO – poeira que emperra as engrenagens sociais.
PUDICO – pudinzinho recatado.
SEMITÉRIO – local onde é enterrada metade dos erros de ortografia.
SUMO PONTÍFICE – diferentemente do que o nome sugere, não é de beber. É papa.
VULCÃO – cachorro que não se presta a cão de guarda. Apesar de ter grande capacidade de destruição, dorme quase o tempo todo.
domingo, 26 de setembro de 2004
Tempo
Ao esbarrar neste post:
Ruy Belo
Antigamente escrevia poemas compridos
Hoje tenho quatro palavras para fazer um poema
São elas: desalento prostração desolação desânimo
E ainda me esquecia de uma: desistência
Ocorreu-me antes do fecho do poema
e em parte resume o que penso da vida
passado o dia oito de cada mês
Destas cinco palavras me rodeio
e delas vem a música precisa
para continuar. Recapitulo:
desistência desalento prostração desolação desânimo
antigamente quando os deuses eram grandes
eu sempre dispunha de muitos versos
Hoje só tenho cinco palavras cinco pedrinhas
"Cinco Palavras Cinco Pedras", Palavra[s] de Lugar, in Homem de Palavra[s]
Posted by subrosa at setembro 26, 2004 04:00 AM
lembrei-me de que - no tempo de escola - jurávamos assim:
Palavra de Homem.
Como sou antigo, deus meu.
Observação: Em meu antigo blog apenas havia linkado esse post que aqui reproduzo. É que ele era do blog subrosa, instalado no Mblog. Falecido, portanto, tanto quanto o meu. Espero que ressuscite em algum outro endereço. (17 outubro 2.004)
sábado, 25 de setembro de 2004
O BOLO
Era um bolo. É. Um bolo. Daqueles simples, pra se comer acompanhado de uma chávena de chá ou uma xícara de café. Na verdade, era um pouco mais caprichado. Tinha maçã e canela. Talita chegara com ele, estagiária nova na empresa. Colocou-o na copa do andar em que trabalhava. O pessoal veio tomar o café das quatro da tarde e lá estava o bolo. Todo mundo elogiou.
- Que delícia, o bolo da Talita.
Ela, tímida, explicou que fora sua mãe a fazer o bolo.
- Sua mãe faz um bolo excelente, era a opinião unânime.
Foram fatiando o bolo e comendo.
- Ainda há mais bolo. Chama o pessoal. Está uma delícia.
Mais pessoas vieram, comeram, elogiaram.
E o bolo não acabava. Começaram por achar engraçado.
- Parece que esse bolo não acaba!
E vários repetiram. Comeram mais um pedaço.
O bolo não terminava.
- Pessoal! Há ainda bolo. Não é hoje o aniversário do António, lá do sexto andar? Chama lá a turma do sexto pra comemorar.
Veio o António. Veio a turma do sexto andar.
Aos poucos ficou claro que o bolo – digamos assim – se prolongava. Não acabava.
E alguém teve a idéia (sempre tem alguém com essa idéia):
- Escuta gente. Tem a favela aqui perto. Esse bolo está sobrando. Vamos levar uns pedaços pra distribuir lá.
Uns poucos toparam. Pegaram alguns nacos do bolo e lá se foram.
No caminho passaram por alguns mendigos que pediam esmolas no cruzamento de duas avenidas.
- Querem bolo?
Aceitaram.
- Pô! Nunca comi uma pizza de aliche tão gostosa! disse um pedinte.
Os que iam à favela estranharam o comentário, mas não deram maior importância.
Ao chegar aos muquifos, as crianças vieram correndo. Sabiam que gente bem vestida chega sempre trazendo alguma coisa interessante. Foram aceitando os pedaços de bolo e se refestelando.
- Que delícia de brigadeiro! dizia uma.
- Puta macarrão gostoso! era outro comentário.
Ficaram sem entender. O bolo parecia saber a coisas diversas. Maluquice.
Deixaram a garotada a deliciar-se com os pedaços de bolo e voltaram ao escritório.
Começaram a trocar idéias sobre todo o sucedido.
- E se a gente mandasse pedaços do bolo pras outras filiais e pra matriz da empresa?
Essa era a filial de Curitiba, no Paraná. Cidade estranha, na qual a torcida em campo de futebol aplaude, quando o jogador faz um gol. Onde se fala português correto. Tudo certinho.
Mandaram. Um pedaço pra cada estabelecimento da empresa. Via malote. Embrulhados, os pedaços, em papel alumínio.
É claro que todo mundo levou um pedaço pra casa. Óbvio.
Devagar a coisa ficou clara. Cada pedaço proliferava indefinidamente. Além disso, tinha o gosto daquilo que a pessoa quisesse comer. Você pensava em um bife acebolado? Pronto. Lá estava ele, contido no pedaço de bolo. Morango com chantili? É pra já.
Resumindo, a coisa alastrou-se. Não foi assim, de repente. De início, as pessoas tinham certo pudor em falar do bolo. Podia o interlocutor achar que estavam loucas. Mas foi irresistível. Correu mundo.
Quando chegou à África, por exemplo, acabou com a fome em várias regiões. Darfur foi uma delas. Em todos os continentes houve mudanças significativas. Mesmo nos Estados Unidos. Mesmo na Europa. É preciso dizer que o bolo não resolvia todos os problemas. É verdade que matava até a sede. Mas não substituía um bom vinho, por exemplo. Nem uma bagaceira, um whisky, um cognac. Em função disso, Portugal incrementou sua indústria do vinho. Mais se produzisse, mais se vendia.
A repercussão de tudo isso, percebe-se, foi imensa. Houve até uma edição especial do Saca-Mulas Oriental (especial porque deu-se numa terça-feira e não – como sempre – às quintas) a discutir a questão do bolo face à fenomenologia husserliana, face ao Tractatus. A playmate da edição foi, é evidente, Talita. Penso que deveria ter sido sua mãe, mas isso fica a questionar-se junto aos redatores do Saca.
Aliás, a esse tempo, já muitas dúvidas tinham sido suscitadas pelo Bolo. Havia quem duvidasse até da existência da mãe da Talita. Até mesmo da própria Talita, vejam só. Havia a teoria de que o Bolo teria sido gerado por Brahma, o Deus. Ou, diziam outros, o Bolo teria sido encontrado em um cesto às margens do rio Nilo. Dizia-se um de tudo.
Nem tudo eram flores, contudo.
A indústria de alimentação, principalmente nos países desenvolvidos, sofreu baque irrecuperável. Digamos com todas as letras: desapareceu. Com a honrosa exceção das bebidas, como já foi dito.
O Iraque não foi abandonado pelos Estados Unidos. Continuou ocupado. Mas já não houve mais tantos atentados, tantas mortes. Afinal, a comida sobejava. Fartavam-se as milícias. Bush bisneto quase não se reelege.
De uns tempos a esta parte, começaram a surgir alguns sinais de inquietação. Parece que satélites norte-americanos vislumbraram enormes pedaços do Bolo sobre a floresta amazônica. Os cientistas se desdobraram em esforços investigativos. O facto é: se o Bolo é partido, regenera-se. Se é deixado inerte, apodrece. Decompõe-se. E aí o problema. Como evitar a contaminação causada pelos pedaços apodrecidos?
Mesmo entre os animais a coisa agrava-se. Os predadores – eles também – preferem o Bolo. Afinal, tem o gosto que lhes apetece. Espécies multiplicam-se incontrolavelmente. O desequilíbrio ecológico (com perdão da má palavra) instala-se.
Está prevista, semana próxima, reunião do Conselho de Segurança da ONU para o debate da questão.
Quanto a mim, estou-me nas tintas para tudo isso (finalmente consegui usar essa expressão! - em brasileirês é 'estou cagando e andando pra isso tudo').
Estou é com fome.
Vou comer um pedaço de Bolo. Acompanhado de um Pera Manca, safra 2.045.
quinta-feira, 16 de setembro de 2004
Era uma vez - XIII
O Corró
Nos tempos finais de Presídio Tiradentes, as condições carcerárias melhoraram muito. Tínhamos mais banhos de sol por semana, cela pra artesanato etc. Mas o que mais propiciou um ambiente melhor foi a saída do corró.
Esse era o nome dado, na linguagem da cadeia, aos presos correcionais. Trocando em miúdos: aqueles indivíduos que estavam respondendo a inquéritos policiais, antes ainda da fase judicial. (Aliás, nunca soube porque o grande volante da seleção brasileira de 70 e do Santos F. C., Clodoaldo, tinha o apelido de corró. Sabe-se lá o que ele aprontou fora de campo. No campo, estraçalhou). Em função dessa situação, eles tinham uma rotina mais ou menos assim: pela manhã, eram levados ao DEIC (departamento policial) para serem “interrogados”. Lá pelo final da tarde voltavam para o Presídio, onde ocupavam o andar térreo do Pavilhão 2, disputando espaço com as enormes ratazanas que o infestavam.
Nesse período, entre 16 e 18 horas, mais ou menos, era possível ouvir diálogos bastante esclarecedores sobre os – digamos assim – procedimentos policiais. Presos que se conheciam, mas que estavam em celas diferentes, conversavam aos berros, cada um pendurado na grade da janela de sua cela.
- Ô fulano, quantos processos tu assinou hoje?
- Uns dez, meu.
- Eu assinei só cinco. Mas os home disseram que amanhã vou ter de assinar uma porrada.
Os presos eram levados ao DEIC, rotineiramente torturados, obrigados a assumir a culpa por crimes que eles não sabiam nem aonde tinham ocorrido etc etc. O mais incrível é que eles achavam tudo isso absolutamente natural. Talvez, pensando melhor, não seja tão incrível assim. Afinal, para eles, do corró, era natural mesmo. Tão natural quanto uma árvore, um passarinho.
Pior que o dia passado no DEIC, era a noite na cadeia. Cada cela tinha um “leão”, ou seja, um dono. “Dono”, neste contexto, tem um significado forte. E bota forte nisso. O leão era servido pelos demais presos e se servia deles, inclusive sexualmente. Toda vez que um novo preso era posto em uma cela, o leão o “convidava” a submeter-se. Caso o novato não aceitasse a submissão, partiam pro pau. Quem ganhasse, era o leão daí pra frente. Até uma próxima luta. Mortes ocorriam com freqüência nessa roda viva. Mais freqüentes, cotidianos mesmo, eram os gritos de dor e desespero dos que lutavam. Ouvíamos tudo isso com um sentimento de absoluta impotência. Nem seria preciso dizer isso. Mas já disse. Alguma redundância é boa, pros mais distraídos. Principalmente para os que saem por aí apregoando “Tortura nunca mais”. Acho que ainda não entendi bem essa expressão. A tortura é absolutamente cotidiana e rotineira nos nossos estabelecimentos prisionais e policiais. Até hoje. Podes crer. Mas como não atinge mais a classe média...
No corró, a moeda de troca era o Kent. Kent era um cigarro sem filtro. Tudo era reduzido a maços de Kent. Quando um novo preso chegava, claro que toda sua roupa era apropriada pelo leão. E começava a negociação. O leão gritava pela janela: quem quer uma calça jeans? Três Kent! Havia outras mercadorias. Maçã, por exemplo, era maconha. Negociada na Bolsa do Corró na maior tranqüilidade.
Mas, como o ser humano parece que se habitua a tudo, até no corró havia momentos de enlevo. O presídio feminino ficava do outro lado de uma muralha interna. Era possível comunicar-se com as detentas desde que se gritasse. E o pessoal do corró não deixava por menos.
- Fala, mãezinha! Manda a calcinha pra gente cheirar! (nunca soube se elas mandavam, mas o pedido era recorrente. E mãezinha era algo como amorzinho, benzinho. Bem edipiano).
E, por falar no lado feminino, havia um leão de cela que era conhecido como Martinho da Vila. Mulato enorme, tinha, assim como os demais leões, a regalia de ficar fora de sua cela durante o dia (isso quando não ia ao DEIC, claro), funcionando como atendente no corredor do primeiro andar, o dos presos políticos. Fazia pequenos favores, levando coisas de uma cela a outra, chamando o carcereiro quando necessário. A alcunha derivava do facto de Martinho cantar de modo a lembrar o verdadeiro Martinho da Vila. Tirando proveito disso, desenvolvera fama de compositor.
Essa fama lhe trouxe problema. E ele correu a buscar auxílio em nossa cela:
- Ô da doze!
- Fala, Martinho.
- Seguinte. Quero mandar este cartão de Natal pra uma mãezinha lá do pavilhão feminino. Acontece que ela pensa que sou compositor. Quer uma música pra ela. Aí pensei. Os meninos da doze vão me quebrar esse galho. Faz aí pra mim uma letra bacana. A melodia eu coloco. Mas não sei escrever direito.
- Deixa com a gente.
Reuni o pessoal mais jovem da cela. Nessa época a cela 12 tinha seis ocupantes. Dois deles eram o Vô e um companheiro seu cujo nome não me lembro, ambos do Partidão (PCB). Os outros eram o Jonas, o Toninho, o Melo e eu (todos do POC). Os “velhos” do Partidão nem pensar. Quanto aos demais, concordância imediata: era mandatório produzir uma letra pra música do Martinho. Foi um concurso de lugares comuns amorosos (aliás, como certos poemas encontrados em certos blogs, hoje em dia). O cartão de Natal nos inspirava. Martinho tinha enchido o dito cujo de talco perfumado. Um horror. Era daqueles cartões que, quando a gente abre, “brota” uma borboleta em três dimensões. Lindo, lindo.
Feito o poema, transcrito no cartão, esperamos Martinho, orgulhosos de nossa produção.
Ele veio, agradeceu muito e se foi.
Dia seguinte, mal o sol nascera, lá pelas seis da matina, acordamos com a música que subia do corró. Era Martinho a cantar “nossa” composição. Confesso que me emocionei. Sei lá porquê. Talvez porque nunca compusera um samba antes (nem depois).
Espero que a mãezinha tenha gostado.
terça-feira, 14 de setembro de 2004
Era uma vez - XII
Zezinho - o final
No sítio Ternuma, que já citei aqui, Zezinho aparece como Juraci, na descrição do seqüestro do cônsul do Japão em São Paulo. É dado como participante dos preparativos para o seqüestro e é noticiada sua prisão logo após o dito cujo.
De facto, dentre seus vários nomes de guerra, Zezinho teve esse. Juraci. Foi o que “pegou”, no presídio. Todos o conheciam por Juraci.
Diga-se, de passagem, que aquilo que Juraci realmente fez – ou não – nem o pessoal do Ternuma sabe na sua inteireza. Nem jamais saberá. E olha que eles tinham posição privilegiada na relação interrogador-interrogado (eufemistiquemos assim).
Por outro lado, imagino que a turma da ALN (e adjacências) deve ter dito cobras e lagartos de Juraci. Afinal, ele se entendia maravilhosamente bem com os carcereiros, preparava – dentro da cela – sua cachaça de laranja (uma coisa intragável, diga-se) e não morria de amores pelos “guerrilheiros” do fundão. Ouviam-se críticas à sua excessiva “intimidade” com os “homens da repressão”. Zezinho nunca me passou procuração para defendê-lo. Ele não precisava disso. O facto é que todos foram pra casa e Zezinho ficou preso até o fim. É verdade que – nos últimos tempos – conseguia (soube por minha mãe) sair nos finais de semana pra ficar com a família.
Mas, quiseram os fados, Zezinho morreu logo que ganhou a liberdade. Atingido por um câncer, lá se foi José Rodrigues Ângelo Junior.
Se a tal esquerda revolucionária brasileira fosse feita de Zezinhos, não teria muita teoria. Mas não lhe faltaria alma.
Fica aqui a homenagem a uma das pessoas mais emocionantes que conheci em minha vida.
sexta-feira, 10 de setembro de 2004
Problema de taxinomia
Quando comecei a assuntar esse mundo blogueiro, foi primeiro o blog do Amarar, quando ainda era escrito em New York. A partir dele fui me espalhando.
Um dia, resolvi fazer uma pesquisa no Google pra ver se havia blogs em Portugal. Descobri o blog do RE21. A partir dele, cheguei ao Luis Ene. E, assim, fui fondo, como dizia um jogador brasileiro de futebol.
Criei vínculos significativos. E como sabia - por experiência própria - da importância das indicações de blogs preferidos, comecei a ampliar minha lista de links. Enquanto ela era pequena, não havia necessidade de organizá-la. Mas ela cresceu.
E agora? Ordem alfabética, como a maioria? Classificação em categorias, como vários?
Sempre que penso em taxonomia, penso na classificação dos animais de Jorge Luis Borges (El idioma analítico de John Wilkins in Otras Inquisiciones). Resolvi adotá-la. Depois de uma bela trabalheira para acertar todos os links, estou como deus ao terminar cada fase da criação: acho que ficou bom.
Só espero que ninguém se chateie ao ver seu blog classificado em uma categoria que considere imprópria. Afinal, os blogs que coloco em minha lista são blogs de que gosto.
Os critérios para classificar os blogs nesta ou naquela categoria são absolutamente de cunho inconsciente. Por isso mesmo, altamente reveladores. Mas só no cenário psicanalítico. E como cinco longos anos de divã já me bastam, ficamos assim.
Afinal, quem quer critérios com uma classificação dessas?
quinta-feira, 2 de setembro de 2004
Era uma vez - XI
Midifácio
(Se não é Prefácio, pois já vamos pra mais de dez posts, também não é Posfácio, dado que não pretendo parar por aqui)
Tudo que escrevo aqui, nestes “Era uma vez”, tem como fonte minha memória. É preciso ter em mente, também, que se trata de acontecimentos vividos em clima de sigilos e segredos. Tanto antes de minha prisão, quando era absoluto requisito de segurança não saber nomes, não perguntar nada, quanto já na prisão, onde as pessoas ainda aguardavam julgamentos militares e, portanto, era de bom tom não escarafunchar a vida alheia, o conhecimento dos factos era retalhado, truncado e, claro, muitas vezes intencionalmente deturpado, pelas mais variadas razões. Após a prisão, afastei-me propositadamente desse mundo “revolucionário”, tendo desde então poucas oportunidades de trocar informações com remanescentes dele.
Acima de tudo, é bom salientar que pretendo manter tais relatos em clima de memórias de caráter estritamente pessoal. Ou seja, não pretendo escrever a história de coisa alguma. Quero, só, contar histórias.
Para quem quiser relatos “objetivos” há alguns livros produzidos pela esquerda. Digo que esses livros têm mais “objetividade” do que minhas memórias porque, em geral, foram produzidos por várias pessoas e considerando documentos que restaram do “incêndio” da esquerda. Talvez seja melhor dizer que tais livros têm – não objetividade – mas inter-subjetividade. Mas isso já é outro assunto. Na Internet, há sítios tais como Tortura nunca mais – RJ, que cito porque parece ser o mais antigo desses grupos Tortura-nunca-mais e porque nele se encontram links para outros do mesmo tipo. Há, também, a “objetividade” dos relatos do pessoal “do lado de lá do balcão”. Estes são de uma objetividade particular: resultam do conhecimento de depoimentos dos presos, da inspeção de locais onde vários militantes foram presos e/ou mortos etc etc. São relatos assemelhados a catálogos de botânica, nos quais os “terroristas” e suas organizações são enumerados, classificados e esculhambados; suas ações são descritas como se se tratasse de boletins de ocorrência policial. Tudo isto é possível ler no sítio Ternuma (Terrorismo nunca mais). É muito informativo. Quem escreve, certamente esteve “lá” ou tem muita intimidade com quem esteve. “Lá”, espero que esteja claro onde é.
Enfim, quero poder contar minhas histórias sem que me encham o saco, os de um lado ou de outro.
Se é evidente que não tenho a mais remota simpatia pelo então major Ustra (aliás, pensava eu que era Ulstra), que comandava a OBan (Operação Bandeirantes, ou DOI-CODI, ou o raio-que-o-parta) na época em que fiquei lá “hospedado”, também não morro de amores pelo Frei Betto, que ocupava a cela 17, quase em frente à minha, no pavilhão 2 do presídio Tiradentes.
“O mundo gira e a Lusitana roda”, dizia um comercial de uma empresa de mudanças que acho que não existe/roda mais.
Quanto a mim, o coronel-de-pijama Ulstra/Ustra pode ficar tranqüilo: não quero (nem posso) torturá-lo. E, já que tudo indica que a consciência não lhe traz desassossego, que viva sua vida e deixe-me viver a minha.
Quanto a Frei Betto, hoje em dia tem poder. É assessor do presidente da república para... para quê mesmo? Só faço votos de que ele continue a usufruir as delícias dos palácios. Afinal, a vida inteira lutou pra isso. Merece.
Amém.
quarta-feira, 1 de setembro de 2004
Desgraça pouca é bobagem
Já lá se vai o mês de agosto e a política brasileira não produziu nenhuma desgraça excepcional durante todo o mês.
Parece que isso de grandes tragédias políticas em agosto no Brasil é coisa de um passado longínquo (morte do Getúlio, renúncia do Jânio etc).
Nos dias que correm, a desgraça na política virou rotina. Trabalha em regime full time.
Subscrever:
Mensagens (Atom)