sábado, 22 de maio de 2004

Lusitanidade



Não sei, não sei.
Fui criado por um pai português que não amava Portugal (estarei sendo incorreto?). Já não posso certificar-me disso. Há muito ele nos deixou. Passei bastante tempo sem preocupar-me com isso. Com Portugal. Quando aí estive pela primeira vez, lá por 1.990, sobrevoei o Porto e fui ancorar em Lisboa. Era domingo. Fui ao restaurante Pabe e pedi um cognac antes do bacalhau. O garçom não entendia porque comi o bacalhau a chorar (‘Será que está tão ruim assim o prato’, deve ter pensado). É verdade que Carlos Drummond de Andrade já havia dito: ‘mas essa lua, mas esse conhaque, botam a gente comovida como o diabo’. Não era isso. Era estar na terra de meu pai, ainda que fosse a terra que ele havia renegado. Não se renega o sangue. Ele volta.
A primeira vez que visitei Passos, minha aldeia, senti que chegara à minha terra. Meu lugar. Não sei qual a ligação que meu pai tinha – lá no íntimo do íntimo – com sua terra natal. Sei de mim. Sei – não me perguntem por quê – que Passos é minha pátria.
Gosto de ver os portugueses a reclamar de tudo. Queixam-se dos políticos, da burocracia, do diabo. Bom. Muito bom. Mas eu não consigo discutir Portugal. Ao menos por enquanto. Quem sabe, quando for português mais experiente, possa eu vociferar contra os poderes constituídos. Por ora, encharco-me de lusitanidade.
Amo esse cantinho da Europa como uma criança cultua seu pedaço de quarto. Seu esconderijo, sua privacidade.
É verdade que o Algarve me intimida um pouco. É lindo demais, é elegante ao extremo.
É verdade que Lisboa é uma metrópole como muitas outras. Cidade universal.
Agora, quando penso em meu Trás-os-Montes, com suas cores pastel, seus relevos, sinto-me em casa, sou eu e minha circunstância.
Quero viver Passos, morrer em Passos, reatar os laços que meu pai rompeu. E quem sabe, lá adiante, tudo se rejunte, se consolide. Ou não. Talvez não haja como recuperar os elos perdidos. Talvez tudo seja novo, nada de retorno. Se for assim, que seja. O novo é esplêndido.

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