Thomas Cahill, em seu
excelente The Gifts of the Jews (1.998, tradução portuguesa de
1.999 – A Herança Judaica, editora Contexto), trabalha a tese de
nossa total imersão na cultura criada por “uma tribo de nómadas
do deserto”.
Para poder criar o
fundo sobre o qual construirá sua forma, começa por uma
reconstrução da mentalidade primeva, da civilização suméria. E
para tanto, faz-nos retroceder pouco mais de cinco milênios, com a
criação da escrita e o consequente início da História.
Não é o caso, aqui,
de nem mesmo resumir as características da civilização suméria,
plantada junto aos rios Tigre e Eufrates, na Mesopotâmia. Fico na
Epopeia do herói Gilgamesh. Dele o que se sabe são os fragmentos
contidos em pequenas tábuas de argila.
Por exemplo:
“Filho de Lugalbanda,
Gilgamesh, perfeito em força,
Filho da soberba vaca,
a vaca selvagem Ninsun.
Ele é Gilgamesh,
perfeito em esplendor,
Que rasgou passagens
nas montanhas,
Que era capaz de abrir
fossos até nos flancos dos montes,
Que atravessou o
oceano,
os vastos mares, até
onde o Sol nasce.”
Os deuses criam alguém
para enfrentá-lo:
Aruru – a mãe
universal - “pega 'num pedaço de barro, lança-o para o campo
aberto', onde ele se transforma em 'Enkidu, o guerreiro, filho do
silêncio e raio de Ninurta' ”.
Enkidu é o “homem
natural”, mais próximo dos animais do que dos humanos. E será por
seu envolvimento com a meretriz Shamhat que ele fará a inversão:
“As gazelas viram
Enkidu e fugiram,
O gado do campo aberto
afastava-se do seu corpo.
Porque Enkidu
tornara-se suave, o seu corpo estava demasiado limpo.
As suas pernas, que
costumavam acompanhar o passo do gado, estavam imóveis.
Enkidu estava
diminuído, já não podia correr como antes.
No entanto adquirira
discernimento, tornara-se mais sensato.”
Afinal, a luta entre
Gilgamesh e Enkidu:
“Bateram-se na rua,
na praça pública.
Os umbrais das portas
tremiam, as paredes vacilavam.”
Um deus interrompe a
luta. Gilgamesh faz um discurso que o estado das tabuinhas de argila
não permite compreender. Em seguida:
“Enkidu, de pé,
ouviu-o falar,
Pensou, e então
sentou-se, começou a chorar.
Os seus olhos
toldaram-se de lágrimas.
Os seus braços
penderam, a sua força […]
Então agarraram-se um
ao outro,
Abraçaram-se e
deram-se as mãos.”.
Gilgamesh e Enkidu,
“agora grandes amigos, mais estreitamente unidos do que marido e
mulher, tendo jurado defenderem-se um ao outro até à morte (...)”:
"Segura a minha mão,
meu amigo, e vamos!
O teu coração em
breve arderá por combater; esquece a morte e pensa apenas na vida.”
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