sexta-feira, 23 de dezembro de 2005

Poetinha absolvido


Vinicius de Moraes escreveu o Soneto de Fidelidade no Estoril, em outubro de 1939. Não vou cometer o exagero de dizer que o soneto é perfeito graças ao lugar em que foi escrito. Mas que o local ajudou, não tenha dúvida.
Acontece que três anos antes morria Henri de Régnier (1864-1936). E daí?, dirás. Que tem o U a ver com as alças?
Tudo.
Acontece que o Régnier escreveu, em 1928, em Lui ou les Femmes et l'Amour :

L'amour est éternel tant qu'il dure.

Onze anos depois, o poetinha vem com os versos:

E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama

Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.


Plágio? Entendo que não.
Régnier é irônico. Diz que o amor é eterno, enquanto dura (e não me venham com piadinhas de duplo sentido).
Já Vinicius não é nada irônico, neste poema. Ele deseja, ardentemente, a intensidade para seu amor (seja infinito), sem preocupar-se com a duração desse amor, ou melhor, reconhecendo a impossibilidade da duração eterna do amor (que não seja imortal).
Tanto os textos e seus contextos são diferentes, que a frase de Régnier faz sentido pleno, enquanto o último verso de Vinicius, muitas vezes erradamente citado como

Mas que seja eterno enquanto dure

fica de um non sense absoluto.

Claro que Vinicius havia lido Régnier. O Henriquinho, na época, era badaladíssimo. Alguma coisa ficou lá no fundo da massa cinzenta do nosso poeta. Mas daí a falar-se em plágio, vai uma distância intransponível.
Mas tudo isso serviu pra me aproximar de Régnier. Eu, mergulhado em minha ignorância insuperável, jamais havia lido uma linha sequer do acadêmico francês.
Agora, mesmo antes de comprar uns livrinhos dele pra ler, já fiquei fascinado por algumas das suas finas ironias. Fica esta como brinde:

As mulheres só se lembram dos homens que as fizeram rir. Os homens lembram-se apenas das mulheres que os fizeram chorar.


Tem muito mais coisa boa do Henriquinho aqui.

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