quinta-feira, 28 de julho de 2005

Era uma vez - XXVII
As organizações para-partidárias (OPP)


Faz parte do esquemão de um partido marxista-leninista. Organizam-se os simpatizantes que gravitam em torno do partido em grupos de estudo, as organizações para-partidárias (OPP). Nas OPP estudam-se O Capital, o Manifesto Comunista, o 18 Brumário, de Marx, o Que Fazer (cap 2), de Lênin, análises conjunturais publicadas em jornais do partido, coisas assim.
Antes de entrar no POC, fiz parte de uma OPP. Foi a parte mais fecunda de minha militância. Sob a orientação de Reinaldo Lobo, estudamos bastante. Depois, veio Luis Eduardo Merlino, o Nicolau. A ênfase passou a ser mais operacional. Pudera. Reinaldo era (e é. Hoje, como psicanalista) um pensador sofisticado, diria um intelectual, não estivesse essa palavra tão desgastada pelo uso abusivo. Nicolau era um homem de ação. Queria preparar a revolução. Não discutir seus pressupostos ou sua oportunidade conjuntural.
Depois que me tornei militante do POC, uma de minhas atribuições passou a ser a supervisão de uma OPP. Passaram-me um pequeno grupo (quatro ou cinco rapazes) que eu deveria orientar.
Como não havia onde reunir o grupo, passamos a fazer nossas reuniões na casa em que eu voltara a viver com minha mãe. Era um sobrado simples, em uma das muitas vilas características da Vila Olímpia, em São Paulo. Sala e cozinha no rés do chão. Dois quartos e um banheiro, no alto da escada. Na frente havia espaço para um carro, sob uma cobertura Zetaflex. Nos fundos, um quintal bucólico, diminuto.
Marcava encontro com o grupo em algum lugar da cidade e os levava até minha casa. Por se tratar de OPP, não havia maiores cuidados com a segurança. Ninguém ia de olhos fechados, todos sabiam onde estavam.
No final da reunião, alguns dispensavam a carona (/boleia) de volta. Saíam a pé, conversando.
Não me lembro quais eram os componentes do grupo. Só de um, me recordo. Era Guido Mantega, o atual presidente do BNDES, ex-ministro do Planejamento de Lula. E não me lembro dele apenas por ter se tornado notório. Já na época, Nicolau – que me passara o grupo – chamara minha atenção para a figura. Filho de industrial, era da estirpe de Eduardo Suplicy. Filhos da elite, preocupados com o social.
Era um misto de ingenuidade e indignação.
Espero que se tenha mantido incólume, nessa devastação em que mergulhou o governo.
Terá sido dos poucos.

NOTA TRISTE:(texto de 31/10/2014)
Como nesse texto, escrito há mais de nove anos, eu faço referência – e referência elogiosa – a Reinaldo Lobo, preciso dizer alguma coisa a respeito.
Ele e eu nos conhecemos há décadas. Mais precisamente desde o início de 1.968.
Durante esses quase cinquenta anos, contudo, conversamos pessoalmente durante uma dúzia de horas. Pouco mais, pouco menos.
Fomos, de início, colegas na turma de 1º ano do curso de Filosofia da USP. Assistimos às aulas sobre Descartes e sobre Rousseau ministradas, pelo saudoso Roberto Salinas e por Rolf Kuntz. Éramos, até então, apenas colegas de turma.
Quando pouco depois passei a frequentar uma OPP do POC orientada por ele, como digo nesse relato, tínhamos de fingir que não nos conhecíamos. Tratávamo-nos por nomes de guerra.
Reinaldo saiu do POC. Perdemos contacto.
Lá pelo final de 1980, começo de 81, como eu estivesse a viver uma crise pessoal, comecei a procurar antigos conhecidos, como tentativa de romper o isolamento em que vivia desde a saída da prisão. Um dos que procurei foi Reinaldo. Recebi com enorme prazer a visita dele e da esposa. Soube, nessa ocasião, que ele se preparava para tornar-se psicanalista e afastar-se do jornalismo.
Ele prestou-me, então, o primeiro grande favor: indicou-me três nomes de psicanalistas para que eu escolhesse um.
Escolhi – e fui aceito por – o dr. Luiz Meyer. Foram cinco anos de quatro sessões semanais que me ajudaram de modo inestimável.
Como logo em seguida me separei de minha primeira mulher, Reinaldo e esposa – que tinham filhos na mesma faixa de idade dos meus – passaram a ter mais contacto com minha ex-esposa. Eu o encontrava acidentalmente vez ou outra, como em uma ocasião em que nos esbarramos em Buenos Aires.
Já na primeira década deste século, por ter um sobrinho que é excelente repórter fotográfico mas estava desempregado, telefonei a Reinaldo para perguntar se ele poderia ajudar a arrumar emprego para meu sobrinho. Reinaldo foi de extrema gentileza e prontificou-se a redigir cartas de apresentação de meu sobrinho a vários amigos dele em postos de direção em meios de comunicação . Meu sobrinho foi ao encontro de Reinaldo e pegou com ele as cartas. Infelizmente, por razões que me escapam, não as utilizou. Esse foi o segundo grande favor que Reinaldo me prestou.

Independente do que digo no que segue, serei sempre grato a Reinaldo Lobo por essas duas grandes ajudas que me deu.

Voltamos a nos reencontrar no Facebook. Eu já morava cá em Portugal. Uma das coisas que me atraíram, no Facebook, foi a possibilidade de “conversar” amiúde com Reinaldo.

A nossa conversa, todavia, não começou lá muito animada. Escrevi um texto sobre assunto religioso (já não me lembro qual era o tema) e Reinaldo comentou que estranhava que eu perdesse tempo com assuntos assim. Fiquei surpreso. Nunca imaginei que um intelectual, mergulhado até a alma em uma civilização judaico-cristã (como é – queira ou não queira – qualquer pensador, ao menos no mundo ocidental), pudesse achar ocioso tratar de assuntos bíblicos.

Mal sabia eu que a procissão ia ainda no adro.
Desde que Reinaldo percebeu que eu não era mais de esquerda, a avalanche começou.
Toda vez que eu fazia comentários discordantes das opiniões dele, lá vinha insulto pessoal.
Tentei vez ou outra reclamar dessa agressividade. Entrava então em cena o psicanalista a afirmar que sabia ser eu uma pessoa excessivamente sensível.

Até aí eu relevei.
Meu limite foi atingido quando, em primeiro lugar, ele relatou no Facebook que – durante a ditadura – ficou em prisão domiciliar. Disse que até comemorou com um jantar entre amigos o fim de sua “detenção”.
Se a Esquerda reclamou imenso da Folha de SPaulo o uso do neologismo “ditabranda”, Reinaldo Lobo, com sua “prisão domiciliar” ofereceu o Quod Erat Demonstrandum de tal brandura.

Estranhei o absurdo da afirmação, mas cada um fica preso do jeito que pode ou do jeito que sonha.
Mas acendeu-se uma luz amarela. Algo de podre podia deduzir-se de tão esdrúxula história.

A luz vermelha brilhou quando, ao escassearem seus recursos de ofensa, resolveu dizer que minha militância na Esquerda ter-se-ia devido a que – cito – na época era moda.

Tenho visto que as agressões não se dirigem só a mim. Muita gente que comenta as coisas que Reinaldo escreve acusa os golpes que ele desfere. Deve ser gente muito sensível... Se continuam a tentar debater com ele, é problema de cada um.

Quanto a mim, não gosto de discordar da posição de alguém sobre qualquer assunto e receber como réplica alguma consideração pejorativa a respeito de minha personalidade. Não gosto de psicanálise vendida em armazém de secos e molhados.

Enfim, Reinaldo Lobo, sei que você terá argumentos contra mim. Para variar. Afinal, quem vive no mundo da lua trotskista no ano da graça de 2.014 explica qualquer coisa. Até batom em cueca.
E certamente toda esta minha conversa não afetará em nada suas convicções belicistas.
Mas, para mim, você foi a grande tristeza de 2.014.
Por sorte, um ano cheio de alegrias.

Continue firme em suas lutas. Mas vira essa lança pra lá.

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