Faz parte do esquemão de um partido marxista-leninista. Organizam-se os simpatizantes que gravitam em torno do partido em grupos de estudo, as organizações para-partidárias (OPP). Nas OPP estudam-se O Capital, o Manifesto Comunista, o 18 Brumário, de Marx, o Que Fazer (cap 2), de Lênin, análises conjunturais publicadas em jornais do partido, coisas assim.
Antes de entrar no POC, fiz parte de uma OPP. Foi a parte mais fecunda de minha militância. Sob a orientação de Reinaldo Lobo, estudamos bastante. Depois, veio Luis Eduardo Merlino, o Nicolau. A ênfase passou a ser mais operacional. Pudera. Reinaldo era (e é. Hoje, como psicanalista) um pensador sofisticado, diria um intelectual, não estivesse essa palavra tão desgastada pelo uso abusivo. Nicolau era um homem de ação. Queria preparar a revolução. Não discutir seus pressupostos ou sua oportunidade conjuntural.
Depois que me tornei militante do POC, uma de minhas atribuições passou a ser a supervisão de uma OPP. Passaram-me um pequeno grupo (quatro ou cinco rapazes) que eu deveria orientar.
Como não havia onde reunir o grupo, passamos a fazer nossas reuniões na casa em que eu voltara a viver com minha mãe. Era um sobrado simples, em uma das muitas vilas características da Vila Olímpia, em São Paulo. Sala e cozinha no rés do chão. Dois quartos e um banheiro, no alto da escada. Na frente havia espaço para um carro, sob uma cobertura Zetaflex. Nos fundos, um quintal bucólico, diminuto.
Marcava encontro com o grupo em algum lugar da cidade e os levava até minha casa. Por se tratar de OPP, não havia maiores cuidados com a segurança. Ninguém ia de olhos fechados, todos sabiam onde estavam.
No final da reunião, alguns dispensavam a carona (/boleia) de volta. Saíam a pé, conversando.
Não me lembro quais eram os componentes do grupo. Só de um, me recordo. Era Guido Mantega, o atual presidente do BNDES, ex-ministro do Planejamento de Lula. E não me lembro dele apenas por ter se tornado notório. Já na época, Nicolau – que me passara o grupo – chamara minha atenção para a figura. Filho de industrial, era da estirpe de Eduardo Suplicy. Filhos da elite, preocupados com o social.
Era um misto de ingenuidade e indignação.
Espero que se tenha mantido incólume, nessa devastação em que mergulhou o governo.
Terá sido dos poucos.
NOTA TRISTE:(texto de 31/10/2014)
Como nesse texto, escrito há mais de
nove anos, eu faço referência – e referência elogiosa – a
Reinaldo Lobo, preciso dizer alguma coisa a respeito.
Ele e eu nos conhecemos há décadas.
Mais precisamente desde o início de 1.968.
Durante esses quase cinquenta anos,
contudo, conversamos pessoalmente durante uma dúzia de horas. Pouco
mais, pouco menos.
Fomos, de início, colegas na turma de
1º ano do curso de Filosofia da USP. Assistimos às aulas sobre
Descartes e sobre Rousseau ministradas, pelo saudoso Roberto Salinas
e por Rolf Kuntz. Éramos, até então, apenas colegas de turma.
Quando pouco depois passei a frequentar
uma OPP do POC orientada por ele, como digo nesse relato, tínhamos
de fingir que não nos conhecíamos. Tratávamo-nos por nomes de
guerra.
Reinaldo saiu do POC. Perdemos
contacto.
Lá pelo final de 1980, começo de 81,
como eu estivesse a viver uma crise pessoal, comecei a procurar
antigos conhecidos, como tentativa de romper o isolamento em que
vivia desde a saída da prisão. Um dos que procurei foi Reinaldo.
Recebi com enorme prazer a visita dele e da esposa. Soube, nessa
ocasião, que ele se preparava para tornar-se psicanalista e
afastar-se do jornalismo.
Ele prestou-me, então, o primeiro
grande favor: indicou-me três nomes de psicanalistas para que eu
escolhesse um.
Escolhi – e fui aceito por – o dr.
Luiz Meyer. Foram cinco anos de quatro sessões semanais que me
ajudaram de modo inestimável.
Como logo em seguida me separei de
minha primeira mulher, Reinaldo e esposa – que tinham filhos na
mesma faixa de idade dos meus – passaram a ter mais contacto com
minha ex-esposa. Eu o encontrava acidentalmente vez ou outra, como em
uma ocasião em que nos esbarramos em Buenos Aires.
Já na primeira década deste século,
por ter um sobrinho que é excelente repórter fotográfico mas
estava desempregado, telefonei a Reinaldo para perguntar se ele
poderia ajudar a arrumar emprego para meu sobrinho. Reinaldo foi de
extrema gentileza e prontificou-se a redigir cartas de apresentação
de meu sobrinho a vários amigos dele em postos de direção em meios
de comunicação . Meu sobrinho foi ao encontro de Reinaldo e pegou
com ele as cartas. Infelizmente, por razões que me escapam, não as
utilizou. Esse foi o segundo grande favor que Reinaldo me prestou.
Independente do que digo no que segue,
serei sempre grato a Reinaldo Lobo por essas duas grandes ajudas que
me deu.
Voltamos a nos reencontrar no Facebook.
Eu já morava cá em Portugal. Uma das coisas que me atraíram, no
Facebook, foi a possibilidade de “conversar” amiúde com
Reinaldo.
A nossa conversa, todavia, não começou
lá muito animada. Escrevi um texto sobre assunto religioso (já não
me lembro qual era o tema) e Reinaldo comentou que estranhava que eu
perdesse tempo com assuntos assim. Fiquei surpreso. Nunca imaginei
que um intelectual, mergulhado até a alma em uma civilização
judaico-cristã (como é – queira ou não queira – qualquer
pensador, ao menos no mundo ocidental), pudesse achar ocioso tratar
de assuntos bíblicos.
Mal sabia eu que a procissão ia ainda
no adro.
Desde que Reinaldo percebeu que eu não
era mais de esquerda, a avalanche começou.
Toda vez que eu fazia comentários
discordantes das opiniões dele, lá vinha insulto pessoal.
Tentei vez ou outra reclamar dessa
agressividade. Entrava então em cena o psicanalista a afirmar que
sabia ser eu uma pessoa excessivamente sensível.
Até aí eu relevei.
Meu limite foi atingido quando, em
primeiro lugar, ele relatou no Facebook que – durante a ditadura –
ficou em prisão domiciliar. Disse que até comemorou com um jantar
entre amigos o fim de sua “detenção”.
Se a Esquerda reclamou imenso da Folha
de SPaulo o uso do neologismo “ditabranda”, Reinaldo Lobo, com
sua “prisão domiciliar” ofereceu o Quod Erat Demonstrandum de
tal brandura.
Estranhei o absurdo da afirmação, mas
cada um fica preso do jeito que pode ou do jeito que sonha.
Mas acendeu-se uma luz amarela. Algo de
podre podia deduzir-se de tão esdrúxula história.
A luz vermelha brilhou quando, ao
escassearem seus recursos de ofensa, resolveu dizer que minha
militância na Esquerda ter-se-ia devido a que – cito – na época
era moda.
Tenho visto que as agressões não se
dirigem só a mim. Muita gente que comenta as coisas que Reinaldo
escreve acusa os golpes que ele desfere. Deve ser gente muito
sensível... Se continuam a tentar debater com ele, é problema de
cada um.
Quanto a mim, não gosto de discordar
da posição de alguém sobre qualquer assunto e receber como réplica
alguma consideração pejorativa a respeito de minha personalidade.
Não gosto de psicanálise vendida em armazém de secos e molhados.
Enfim, Reinaldo Lobo, sei que você
terá argumentos contra mim. Para variar. Afinal, quem vive no mundo
da lua trotskista no ano da graça de 2.014 explica qualquer coisa.
Até batom em cueca.
E certamente toda esta minha conversa
não afetará em nada suas convicções belicistas.
Mas, para mim, você foi a grande
tristeza de 2.014.
Por sorte, um ano cheio de alegrias.
Continue firme em suas lutas. Mas vira
essa lança pra lá.
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