segunda-feira, 25 de julho de 2005

Era uma vez - XXVI
Os torturadores e Karl Liebcknecht


Os primeiros dias da tortura são sem palavras. No máximo gritos e imprecações. Pauleira pura.
Depois de alguns dias, começa uma grotesca mistura de tortura e interrogatório.
O torturador/interrogador (que obviamente mantém-se no anonimato, mas – sabe-se – é quase sempre um oficial do exército. Os investigadores de polícia não têm grau de cultura para interrogatório. Ficam restritos ao pau) senta-se de um lado da mesa. O preso do outro. Entre os dois, sobre a mesa, bloco de anotações e a rudimentar máquina de dar choque, com seus dois fios a serem ligados ao corpo do torturado e sua manivela que gera energia mecânica a ser transformada em energia elétrica que, por sua vez, se transformará em choques elétricos. Quando a resposta a uma pergunta não satisfaz, parte-se para alguns choques. E assim a coisa vai, até o torturador enjoar, terminar seu turno de trabalho ou sei lá qual motivo (nunca atinei com os critérios que determinavam a duração do interrogatório).
Certo dia, estava eu em uma sessão dessas, quando me perguntaram:
- Por que, afinal, um rapaz como você, engenheiro, professor da USP, se mete numa aventura dessas?
Lembrei-me de um livro que lera pouco antes de ser preso. Uma tradução francesa das obras completas do revolucionário alemão Karl Liebcknecht. Diga-se a bem da verdade que obras completas é expressão um tanto pomposa para o conjunto de panfletos escritos pelo dito cujo. Mas uma frase dele havia ficado em minha memória. E eu a utilizei para tentar explicar ao energúmeno que me dava choques e esperava por respostas a suas indagações imbecis, o porque de ter feito o que fiz:


O possível só é atingível através da tentativa de se atingir o impossível.


O estúpido nada entendeu, claro.
Eu, hoje, não a subscrevo. Mas que me emociona, ah. Isso sim.

Sem comentários: