quarta-feira, 13 de novembro de 2013

Talismã


De volta a casa, ainda sem saber onde lançar as cinzas da mulher, resumidas ao conteúdo daquela urna que ocupava o assento do passageiro, repassava na memória perguntas que sempre se fizera, sem resposta.
- Por que tantos anos com ela, se nunca a amara?
~Por que sempre fora fiel, se poucas vezes a desejara?
- Por que dividira com ela seus momentos de lazer, se não havia entre eles afinidade de espírito?

E assim, sucediam-se as interrogações.

Talvez por algum raio de sol que o ofuscou temporariamente no percurso, quem sabe em razão da emoção da cerimônia fúnebre, veio, enfim, a resposta:
Era certo que jamais a amara, nem tivera com ela uma vida sexual empolgante, nem dividira com ela suas ironias e seus sarcasmos, pois para ela os humores eram de outra natureza.
Mas, a seu lado, tudo dera certo. A vida, mesmo quando movida por acasos, se é que não sempre, fora muito boa.
Ela fora seu talismã. Era isso.

Chegou em casa, colocou a urna na sala, em lugar seguro, disfarçada entre alguns bibelôs.

Quem sabe as cinzas fossem avatar da companheira perdida.

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