sábado, 28 de novembro de 2009

Filhos da Pátria


César Benjamin, ex-preso político, ex-petista, ex-candidato à vice-presidência da República etc etc, escreveu nesta última sexta-feira texto de página inteira para a Folha de S.Paulo (aqui, para assinantes Folha ou UOL).

Como o tema era o filme sobre Lula (Lula, o filho do Brasil), o título do artigo é Os Filhos do Brasil. Césinha, como era conhecido no PT, começa contando um pouco de sua vida nas prisões da ditadura militar. Foi preso aos 17 anos, ficou vários anos separado dos demais presos políticos, mantido em presídios de criminosos. Depois de algum tempo em cela solitária, foi entregue a alguns perigosos detentos, nu, para que fosse sodomizado. Segundo seu relato, os bandidos o respeitaram e aos poucos ele foi aceito no ambiente da prisão como o Devagar.
Essa parte do relato é bastante interessante. Só me aborrece um tantinho o fato de César, da mesma forma que grande parte da esquerda presa durante a ditadura militar, passar ao leitor a ideia de ter sido um herói sem mácula. De ter passado por tudo sem concessões. Essa postura do pessoal de esquerda é muito conveniente para ele, mas impossibilita que se entenda como uma repressão tão burra e imbecil como era a brasileira conseguiu prender todo mundo sem jamais ter feito nenhuma investigação séria. Conseguiu tudo na base da tortura. Na base do pau, como se dizia. Fica-se, então, com o enigma: ninguém disse nada sob tortura, mas a repressão conseguiu encontrar todo mundo. Mas vamos em frente.

Césinha, o Devagar, anos mais tarde, 1.994 pra ser exato, participava da cúpula que tocava a campanha de Lula à presidência da República. Durante um almoço, presentes Lula, Césinha, o publicitário Paulo de Tarso, um marqueteiro americano cujo nome Césinha não recorda e outro publicitário de cujo nome também se esqueceu, além de um segurança de Lula, o futuro presidente começou um papo:
- Césinha, você esteve preso quantos anos?
- Vários, desconversou César.
- Eu não agüentaria, continuou Lula. Não vivo sem boceta.
E contou como, durante os 30 dias em que esteve preso, teria tentado sodomizar um rapazinho preso com ele e com outros na mesma cela. O rapaz teria reagido com socos e cotoveladas.

A partir desse almoço, César Benjamin abandonou o PT.

Depois de ler isso que vai resumido acima, fiquei pasmo, é claro. Não posso duvidar do relato de César. Ele pode ser um xiita chatíssimo, mas não inventaria essa história.
Por outro lado, minha experiência de prisão me informa que alguma coisa, nesse relato, não fecha. Não faz sentido. Lula, preso por ser sindicalista em evidência, mantido em cela com outros companheiros, se realmente tentasse servir-se sexualmente de alguém também ali detido, teria tal fato imediatamente aproveitado pela repressão para destruir sua reputação. Não só os companheiros de cela o reprovariam, como os carcereiros perceberiam o que se passava e informariam seus superiores.

Na Folha de S.Paulo de hoje, na coluna de Mônica Bérgamo (aqui, para assinantes Folha ou UOL) lê-se, entre outras notas, as seguintes:

COMPLICADO
O cineasta Silvio Tendler diz ser ele o "publicitário brasileiro" de quem o editor César Benjamin afirma não se lembrar no artigo publicado ontem na Folha sobre a campanha de Lula em 1994. Nele, Benjamin relata conversa em que Lula teria revelado como tentou subjugar um preso nos 30 dias em que esteve detido, na época da ditadura militar. "Aquilo foi uma brincadeira, uma piada que ele tenta transformar em drama", diz Tendler. "Se o cara [Benjamin] não consegue entender piadas, é complicado. Ele deveria ganhar o troféu de loira do ano."

TREZENTAS
Tendler diz que a conversa era "uma brincadeira como outras 300" que Lula fazia todos os dias. "Não tinha nada do tom dramático que ele [Benjamin] quer dar. O cara deve estar muito ressentido para sacar isso com 30 anos de atraso."

Não conheço Silvio Tendler. Mas a interpretação que ele dá aos fatos relatados por César Benjamin me parece muito mais verossímil. A história contada por Lula só pode ter sido uma brincadeira. De péssimo gosto, diga-se. Mas brincadeira.

Que Lula é grosseiro, vulgar etc etc, já sabíamos muito antes de Caetano Veloso afirmar isso publicamente. Mas burro ele não é. Ao contrário, é extremamente inteligente. Não incorreria em erro tão absurdo.

Claro que a revista Veja saiu a campo para explorar esse filé. Achou até o rapaz que teria sido “abordado” na cela por Lula. Ele não quis se pronunciar e só disse que quem contou a história que prove. O blogueiro da Veja, Reinaldo Azevedo, deu também seus pitacos na história. É do jogo. Afinal, todo mundo precisa ganhar a vida.

Mas tudo indica que Lula escapará de mais essa bala perdida.

A julgar pelo nível de civilização que conseguimos alcançar no Brasil (para baixo, claro, em direção ao pré-sal), essa história talvez arraste nosso grande líder de seus 80% de popularidade para uns 90%.

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