terça-feira, 27 de maio de 2014

Por que sou ateu - 3

Mencionei meus estudos de Lógica porque, para mim, acreditar em algo passa por entender esse algo ou ao menos não vislumbrar nenhuma razão que invalide esse algo.
Contudo, tenho consciência daquilo que quase toda gente reconhece e que B. Russell, no já aqui citado Por que Não Sou Cristão, afirma. A saber:
“O que realmente leva os indivíduos a acreditar em Deus não é nenhum argumento intelectual. A maioria das pessoas acredita em Deus porque lhes ensinaram, desde tenra infância, a fazê-lo, e essa é a principal razão.
Penso, ainda, que a seguinte e mais poderosa razão disso é o desejo de segurança, uma espécie de impressão de que há um irmão mais velho a olhar pela gente. Isso desempenha um papel muito profundo, influenciando o desejo das pessoas quanto a uma crença em Deus.”

De uns dez anos pra cá voltei a minhas leituras de autores ateístas e aos estudos bíblicos.
Confrontado com a imensa quantidade de evidências de que as religiões são puras construções humanas, deixei de considerar-me um agnóstico, como até então me rotulara, e me pareceu mais simples e verdadeiro dizer-me mesmo ateu.

Vou me restringir a alguns tópicos relativos ao Cristianismo. Gostaria de falar um pouco sobre o Espiritismo, bastante popular no Brasil de hoje, mas isso fica para outros textos.

A leitura que normalmente os crentes fazem da Bíblia é a chamada leitura devocional. Por exemplo, leem os Evangelhos um a um – Mateus, Marcos, Lucas e João – e buscam nessas narrativas da vida de Jesus inspiração que lhes alimente a fé.

Uma leitura histórico-crítica é diferente. Primeiro, é preciso situar esses textos na História. Nenhum deles foi escrito por gente que tenha conhecido Jesus pessoalmente. O Evangelho segundo Marcos foi o primeiro a ser produzido, em torno do ano 70. Jesus teria sido crucificado antes do ano 30, já que seu nascimento é situado uns seis anos antes do início do primeiro século da era cristã. Quinze ou vinte anos depois, já perto do final do século I, foram escritos os Evangelhos segundo Mateus e segundo Lucas. Ambos basearam-se em Marcos mas utilizaram também outra fonte. Por fim, já no século II, foi produzido o Evangelho segundo João. Ao fazermos uma leitura “horizontal” dos quatro Evangelhos canônicos (há vários outros Evangelhos que não foram incorporados à Bíblia), ou seja, comparando as narrativas de um mesmo episódio nos quatro Evangelhos, constatamos que elas não coincidem e até se contradizem. E não estou a falar de acontecimentos secundários. Pode-se fazer essa comparação quanto ao nascimento de Jesus, quanto a sua crucificação e quanto ao episódio da ressurreição, por exemplo. Faça você mesmo a análise de ao menos um desses casos.

De resto, é bastante difícil estabelecer com alguma segurança que Jesus efetivamente existiu. Mas caso tenha mesmo existido, sua vida foi de uma falta de originalidade absoluta.

Todos os que na Antiguidade bem anterior a Jesus tornaram-se o centro de religiões, foram adorados como “filhos de Deus” - Buda, Krishna, Confúcio, Lao-Tsé – e tidos como nascidos de virgens.

Na lenda a respeito do nascimento de Buda se fala de uma milagrosa luz celeste que anunciou o evento. O nascimento de Krishna foi anunciado por um meteoro luminoso. No dia em que nasceu Júlio César apareceu a estrela Ira no firmamento.

Pelo menos desde os tempos do rei Dario I (séc. VI A.C.) da Pérsia, havia rituais em que magos/sacerdotes deviam oferecer a Ahura-Mazda, o deus solar principal, os presentes de ouro, incenso e mirra.

Por toda a Ásia há lendas antiquíssimas como as de Tchu-Mong (Coreia), Tong-Mong (Manchúria) ou Heu-tsi (China). Deste último, por exemplo, se conta que “sua mãe o trouxe ao mundo em um pequeno estábulo à beira do caminho; bois e cordeiros o aqueceram com seu calor. Acorreram a ele os habitantes dos bosques, apesar do rigor do frio, e as aves voaram até o menino como para cobri~lo com suas asas.”

A lenda da perseguição de Herodes não tem respaldo nos fatos históricos mas – sim – em mito semelhante relativo a Krishna.

Concluo com a comparação entre a vida de Jesus e a do deus Sol de várias culturas antigas:
(como nas demais comparações de Jesus com outras figuras importantes do imaginário dos povos da Antiguidade, valho-me do livro Mentiras Fundamentales de la Iglesia Católica, de Pepe Rodriguez)

”Todas as personificações de deuses solares acabam por ser vítimas propiciatórias que expiam os pecados dos mortais, carregando suas culpas e são mortos violentamente e ressuscitados posteriormente.”
Osíris: nasceu como salvador ou libertador vindo para remediar a tribulação dos humanos. Foi morto pelo Mal, encarnado em seu próprio irmão. Colocado em sua tumba, ressuscitou e subiu aos céus ao fim de três dias (ou quarenta, segundo outras versões da lenda).
Shiva: deus hindu, em um ato de supremo sacrifício ingeriu uma bebida envenenada e corrosiva que havia surgido do oceano para causar a morte do universo, tragédia que Shiva evitou com sua autoimolação e posterior retorno à vida.
Baco: outro deus solar, destinado a suportar as culpas da humanidade, foi também assassinado para renascer ressuscitado.
O mesmo, com pequenas variações ocorre a Ausonius, uma forma de Baco, a Adonis, equivalente ao deus etrusco Atune ou ao sírio Tammuz, a Dionísio ou ao frígio Atis e a uma longa lista de seres divinos que tiveram trajetória semelhante à de Cristo.

Se, como eu tendo a achar, Jesus realmente existiu, sua vida foi devidamente mitificada com base nas tradições pagãs.

Muito mais se pode dizer sobre Jesus e sobre a Bíblia.

Mas esse texto já se prolonga mais do que o desejável.
Ainda espero escrever muito mais sobre tudo isso.
Penso ter dado algumas indicações das razões que me levaram à descrença.

Obrigado pela atenção dos que me acompanharam pacientemente até aqui.

Beijinhos trasmontanos a todos! E viva a vida!


FIM

segunda-feira, 26 de maio de 2014

Por que sou ateu - 2

Meu pai morreu quando eu tinha dezesseis anos. Esse fim precoce impediu que tivéssemos conversas adultas, de homem pra homem. Mesmo porque, nessa altura, eu já saíra de Santos para estudar em São Paulo. Só nos víamos nos fins de semana.

Quem sabe essa minha propensão a discutir assuntos de doutrina religiosa tenha um bocadinho a ver com não ter podido fazê-lo com ele...

Com a morte de meu pai, a pressão para que eu me tornasse também pastor foi grande. Fui até levado a fazer um sermão na igreja na qual ele havia sido pastor. Por ironia, soube depois que uma senhora converteu-se em função de minha pregação. O que mostra que quando alguém quer crer, qualquer discurso serve...

Se eu quisesse, teria futuro garantido. Bastava seguir a carreira de meu pai. Mas, apesar de ainda ser crente, naquela época, meus planos para minha vida eram outros.

Ao longo de meu curso de engenharia aproveitava algumas das horas de lazer para ler livros sobre religião. Algo como o Por que não sou Cristão, de Bertrand Russell (disponível na Internet, em pdf), por exemplo.

Essas leituras foram a pá de cal no que me restava de crença. Meu gosto pela Lógica não me permitia continuar a aceitar as verdades sem pé nem cabeça que as religiões me ofereciam.

Salta aos olhos, por exemplo, o absurdo lógico da prática - muito comum entre os cristãos - de citar versículos da Bíblia que a dão como a Palavra de Deus com o intuito de “provar” que ela é a Palavra de Deus.

Paralelamente a essa minha migração para a descrença, ampliava-se no Brasil o ambiente ditatorial instaurado em 1.964.

Durante meu curso de engenharia eu adotara uma postura política anarquista. Havia algum parentesco entre meu rompimento com a fé religiosa e o anarquismo.

Ao final do curso de engenharia, contudo, resolvi fazer o curso de filosofia. E mergulhei de cabeça no clima revolucionário que predominava no ambiente acadêmico um pouco por toda parte do mundo. Estávamos no histórico ano de 1.968. Isso levou-me ao marxismo-leninismo e – em vários sentidos – de volta ao espírito religioso.

Durante três anos dediquei toda minha energia à luta revolucionária.

Depois de um ano e meio na prisão, em convívio forçado com grande parte da chamada Esquerda Revolucionária, saí vacinado contra toda e qualquer religião. Cristianismo e Marxismo passaram a ser, para mim, apenas objetos de estudo. Mesmo assim, minha dedicação maior voltou-se para o estudo da Lógica e para a leitura dos clássicos gregos.

O estudo de Lógica foi o que consegui levar mais longe, favorecido pela orientação que passei a receber de um dos mais importantes lógicos do século XX, o prof. Newton da Costa.


Já se disse que cultura é aquilo que nos fica depois que esquecemos tudo o que estudámos. Hoje em dia, se tento ler alguns resultados a que cheguei em Lógica, já não mais entendo o que leio. Mas o que me ficou foi fundamental para o restante de meus estudos até hoje.

 [continua]

Por que sou ateu - 1

Uma pessoa muito próxima a mim pediu que eu explicasse a ela por que me tornei ateu, eu que sou filho de pastor batista.
Resolvi publicar minha resposta. Quem sabe ela seja de interesse de mais alguém.

Nasci ateu do mesmo jeito que a mãe do Lula nasceu analfabeta.
Todo mundo nasce ateu.

Mas bem cedo comecei a passar por um processo de catequese.
A vida de minha família girava em torno da igreja na qual meu pai era pastor.
Contudo, havia alguma ambiguidade nesse ambiente familiar.
Se de um lado era praticamente compulsório aceitar a doutrina batista como verdadeira, respirava-se na casa de meus pais uma atmosfera cultural um tanto incompatível com essa mesma doutrina. Afinal, meu pai era pastor mas também um intelectual. Minha mãe e uma de minhas irmãs eram da área da matemática. Ciência e religião conviviam naquele lar, ainda que como azeite e água.

Desde muito cedo passei a ler os livros da biblioteca de meu pai. Os que ele me deixava que lesse e alguns que ele me proibia de ler...
E as dúvidas começaram a brotar.

Um dia perguntei a meu pai:
  • Se um indivíduo só é salvo caso aceite Jesus como seu Salvador, como fica a situação de um índio que nunca teve contato com o homem branco e jamais ouviu falar em Jesus? Ele vai para o inferno?
Meu pai deu de ombros:
  • Deixa o índio pra lá e cuida de sua vida.
Afinal, eu era um fedelho que não merecia resposta mais elaborada.

Algum tempo depois, estava eu com meus quinze anos e passei a ter um colega no Colégio Canadá, em Santos, que gostava de conversar sobre religião. Ao saber que meu pai era pastor perguntou-me se meu pai aceitaria que ele fosse a nossa casa para fazer algumas perguntas a meu pai. Perguntas sobre questões religiosas que o afligiam.
Meu pai aceitou recebê-lo e ele foi a nossa casa a carregar uma sacola cheia de livros.
Quando a conversa começou, depois das devidas apresentações, meu pai tirou os livros da sacola do garoto e viu que, entre eles, havia uma Bíblia. Disse então ao rapaz que aquele era o livro que interessava. Passou a ler vários versículos para nós e não deixou mais o garoto abrir a boca.
O rapaz foi embora visivelmente decepcionado. Nossas conversas sobre assuntos religiosos terminaram aí.

Esses pequenos acontecimentos aguçavam minhas dúvidas, por um lado. Por outro, tornavam claro que eu teria de resolvê-las sozinho. E contra a correnteza.

[continua]



quinta-feira, 22 de maio de 2014

Pergunte a seu Pastor

No evangelho de Marcos, capítulo 2, versículos 23 a 26, conta-se como Jesus respondeu à crítica de que seus discípulos trabalhavam em um sábado:


23 . Aconteceu que, ao passar num sábado pelas plantações, seus discípulos começaram a abrir caminho arrancando as espigas.
24 - Os fariseus disseram-lhe: “Vê! Como fazem eles o que não é permitido fazer no sábado?”
25 - Ele respondeu: “Nunca lestes o que fez Davi e seus companheiros quando necessitavam e tiveram fome,
26 - e como entrou na casa de Deus, no tempo do Sumo Sacerdote Abiatar, e comeu dos pães da proposição, que só os sacerdotes podem comer, e os deu também aos companheiros?”


Utilizo aqui a tradução da Bíblia de Jerusalém, que considero mais bem cuidada. Na maioria das demais traduções fala-se que os discípulos de Jesus “começaram a colher espigas”, dando a entender tratar-se de colheita e não de abertura de caminho por entre a plantação. De qualquer modo, para a questão que vou colocar aqui, isso é irrelevante. Vamos adiante.

A história de David e de seus companheiros, mencionada por Jesus, é a que consta em 1º Samuel 21: 2-7 :

2 - Davi chegou a Nob e foi ao sacerdote Aquimelec, que veio tremendo ao encontro de Davi e lhe perguntou: “Por que vieste sozinho e não há ninguém contigo?”
3 - Davi respondeu ao sacerdote Aquimelec: “O rei me deu uma ordem e disse: 'Que ninguém saiba nada da missão à qual te envio e que te ordenei.' Quanto aos jovens, encontrei com eles em certo lugar.
4 - Agora, se tens cinco pães à mão, dá-nos, ou o que achares.”
5 - O sacerdote respondeu a Davi: “Não tenho à mão pão comum, mas só pão consagrado – com a condição de que os teus jovens não tenham tido contato com mulheres.”
6 - Davi respondeu ao sacerdote: “Certamente, as mulheres nos foram proibidas, como sempre que parto em campanha, e as coisas dos homens conservam-se em estado de santidade. Trata-se de uma viagem profana, mas, de fato, hoje eles se mantêm em estado de santidade quanto à coisa.”
7 - Então o sacerdote lhe deu o que havia sido consagrado, porque não havia outro pão, salvo os pães de oblação, os que se retiram de diante de Iahweh para serem sobstituídos por pão quente, quando aqueles são retirados.


A questão é:
Jesus, segundo Marcos, diz que Abiatar era o sacerdote por ocasião do episódio de David e dos pães consagrados.
O relato do Antigo Testamento afirma que o sacerdote, na ocasião, era Aquimelec.

Mais adiante (1º Samuel 22: 20) fica esclarecido que Abiatar era filho de Aquimelec:

Somente escapou [da morte] um filho de Aquimelec, filho de Aquitob. Chamava-se Abiatar, e fugiu para junto de Davi.”


Para embaralhar mais as coisas, em 2º Samuel 8:17 consta o contrário:

Sadoc, filho de Aquitob, e Aquimelec, filho de Abiatar, eram sacerdotes:


Mas esta confusão também é irrelevante para nossa questão. Voltemos a ela.

Ora, Jesus é tido pelo Cristianismo, desde o Concílio de Niceia (325 D.C.) como integrante da Santíssima Trindade. No popular: Jesus é Deus.
Mesmo que se considere que Ele não era completamente perfeito em sua encarnação terrestre, era de se esperar que ele conhecesse bem os textos sagrados para não cometer um erro desses.

Mas há ainda a possibilidade de Marcos ter-se enganado. Mesmo que esqueçamos a questão de a Bíblia ser tida como totalmente inspirada por Deus, resta a pergunta:
Terá sido apenas esse o erro de Marcos? Ou haverá outros?


Gostaria de saber o que pensam desse imbroglio todo os que costumam afirmar com grande convicção que a Bíblia é a Palavra de Deus, portanto integralmente verdadeira.

domingo, 18 de maio de 2014

Visão literal da Bíblia - Rainha Ester

Volto ao livro de Daniel C. Dennett e Linda LaScola, Caught in the Pulpit: Leaving Belief Behind.

Desta vez, cito um trecho do capítulo em que se trata de como os seminaristas reagem aos primeiros cursos que recebem nos Seminários sobre a Bíblia .
Justamente para tentar amenizar o impacto sobre os seminaristas de um estudo histórico/crítico da Bíblia, em um certo Seminário instituiu-se uma aula demonstração para futuros possíveis alunos. Como veremos, essa providência não resolveu o problema, apenas o antecipou um bocadinho.

Fala sobre isso Beatriz, a professora encarregada da aula demonstração:

Escolhi este tópico [o livro de Ester] de propósito, porque pensei: “Este é um livro ao qual ninguém dá muita importância, e se eu introduzo os alunos à ideia de que ele não é historicamente verdadeiro ou não ocorreu daquela maneira” - nunca houve uma Rainha Ester - “isso não deixará ninguém muito chateado.” Nós sabemos isso porque conhecemos um bocado a respeito desses reis Persas. Sabemos os nomes de todas as suas esposas e não houve nenhuma Ester, nunca. Assim, estamos bastante seguros de que nada parecido com aquilo ocorreu. Desse modo eu pensei que eu deveria escolher esta história e então falar a respeito de como eu penso que nós podemos ainda olhar para esses livros e meditar acerca da teologia que eles expressam. Nós formávamos um grande círculo, com todos esses alunos prospectivos que eu não conhecia e eu disse a eles que esta história jamais ocorreu tal como narrada mas que esse não é o ponto final; temos de olhar para esses textos, eles ainda são valiosos.... Mas depois da aula uma jovem, uma entre os alunos prospectivos, disse-me que naquele momento em que eu disse a ela que nunca houvera uma Rainha Ester seu mundo inteiro desabou.

sexta-feira, 16 de maio de 2014

Arte de rua

Matosinhos é uma cidade praiana, junto à cidade do Porto. Nela há um bairro, Leça do Balio, no qual existe um centro empresarial chamado Lionesa. No muro ao longo da rua Lionesa, que margeia o centro empresarial, foram feitos vários trabalhos de pintura. Fotografei quase todos no dia 1 de Maio de 2014.





















quarta-feira, 7 de maio de 2014

Amanhecer em Bragança

Eu que não sou de acordar cedo fui obrigado a tanto para preparar-me para uma colonoscopia. Além de levantar um bocadinho antes das seis horas, tive de - em jejum - tomar duas doses de um purgante.

Isso aconteceu no dia 8 de Abril de 2014.

Como há males que vêm para bem, pus-me a surpreender o dia a raiar.

Vejam. As fotos estão em sequência cronológica.

Ah! A colonoscopia informou que está tudo bem com minhas entranhas.