Mencionei meus estudos de Lógica
porque, para mim, acreditar em algo passa por entender esse algo ou
ao menos não vislumbrar nenhuma razão que invalide esse algo.
Contudo, tenho consciência daquilo que
quase toda gente reconhece e que B. Russell, no já aqui citado Por
que Não Sou Cristão, afirma. A saber:
“O que realmente leva os indivíduos
a acreditar em Deus não é nenhum argumento intelectual. A maioria
das pessoas acredita em Deus porque lhes ensinaram, desde tenra
infância, a fazê-lo, e essa é a principal razão.
Penso, ainda, que a seguinte e mais
poderosa razão disso é o desejo de segurança, uma espécie de
impressão de que há um irmão mais velho a olhar pela gente. Isso
desempenha um papel muito profundo, influenciando o desejo das
pessoas quanto a uma crença em Deus.”
De uns dez anos pra cá voltei a minhas
leituras de autores ateístas e aos estudos bíblicos.
Confrontado com a imensa quantidade de
evidências de que as religiões são puras construções humanas,
deixei de considerar-me um agnóstico, como até então me rotulara,
e me pareceu mais simples e verdadeiro dizer-me mesmo ateu.
Vou me restringir a alguns tópicos
relativos ao Cristianismo. Gostaria de falar um pouco sobre o
Espiritismo, bastante popular no Brasil de hoje, mas isso fica para
outros textos.
A leitura que normalmente os crentes
fazem da Bíblia é a chamada leitura devocional. Por exemplo, leem
os Evangelhos um a um – Mateus, Marcos, Lucas e João – e buscam
nessas narrativas da vida de Jesus inspiração que lhes alimente a
fé.
Uma leitura histórico-crítica é
diferente. Primeiro, é preciso situar esses textos na História.
Nenhum deles foi escrito por gente que tenha conhecido Jesus
pessoalmente. O Evangelho segundo Marcos foi o primeiro a ser
produzido, em torno do ano 70. Jesus teria sido crucificado antes do
ano 30, já que seu nascimento é situado uns seis anos antes do
início do primeiro século da era cristã. Quinze ou vinte anos
depois, já perto do final do século I, foram escritos os Evangelhos
segundo Mateus e segundo Lucas. Ambos basearam-se em Marcos mas
utilizaram também outra fonte. Por fim, já no século II, foi
produzido o Evangelho segundo João. Ao fazermos uma leitura
“horizontal” dos quatro Evangelhos canônicos (há vários outros
Evangelhos que não foram incorporados à Bíblia), ou seja,
comparando as narrativas de um mesmo episódio nos quatro Evangelhos,
constatamos que elas não coincidem e até se contradizem. E não
estou a falar de acontecimentos secundários. Pode-se fazer essa
comparação quanto ao nascimento de Jesus, quanto a sua crucificação
e quanto ao episódio da ressurreição, por exemplo. Faça você
mesmo a análise de ao menos um desses casos.
De resto, é bastante difícil
estabelecer com alguma segurança que Jesus efetivamente existiu. Mas
caso tenha mesmo existido, sua vida foi de uma falta de originalidade
absoluta.
Todos os que na Antiguidade bem
anterior a Jesus tornaram-se o centro de religiões, foram adorados
como “filhos de Deus” - Buda, Krishna, Confúcio, Lao-Tsé – e
tidos como nascidos de virgens.
Na lenda a respeito do nascimento de
Buda se fala de uma milagrosa luz celeste que anunciou o evento. O
nascimento de Krishna foi anunciado por um meteoro luminoso. No dia
em que nasceu Júlio César apareceu a estrela Ira no firmamento.
Pelo menos desde os tempos do rei Dario
I (séc. VI A.C.) da Pérsia, havia rituais em que magos/sacerdotes
deviam oferecer a Ahura-Mazda, o deus solar principal, os presentes
de ouro, incenso e mirra.
Por toda a Ásia há lendas
antiquíssimas como as de Tchu-Mong (Coreia), Tong-Mong (Manchúria)
ou Heu-tsi (China). Deste último, por exemplo, se conta que “sua
mãe o trouxe ao mundo em um pequeno estábulo à beira do caminho;
bois e cordeiros o aqueceram com seu calor. Acorreram a ele os
habitantes dos bosques, apesar do rigor do frio, e as aves voaram até
o menino como para cobri~lo com suas asas.”
A lenda da perseguição de Herodes não
tem respaldo nos fatos históricos mas – sim – em mito semelhante
relativo a Krishna.
Concluo com a comparação entre a vida
de Jesus e a do deus Sol de várias culturas antigas:
(como nas demais comparações de Jesus
com outras figuras importantes do imaginário dos povos da
Antiguidade, valho-me do livro Mentiras Fundamentales de la Iglesia
Católica, de Pepe Rodriguez)
”Todas as personificações de deuses
solares acabam por ser vítimas propiciatórias que expiam os pecados
dos mortais, carregando suas culpas e são mortos violentamente e
ressuscitados posteriormente.”
Osíris: nasceu como salvador ou
libertador vindo para remediar a tribulação dos humanos. Foi morto
pelo Mal, encarnado em seu próprio irmão. Colocado em sua tumba,
ressuscitou e subiu aos céus ao fim de três dias (ou quarenta,
segundo outras versões da lenda).
Shiva: deus hindu, em um ato de supremo
sacrifício ingeriu uma bebida envenenada e corrosiva que havia
surgido do oceano para causar a morte do universo, tragédia que
Shiva evitou com sua autoimolação e posterior retorno à vida.
Baco: outro deus solar, destinado a
suportar as culpas da humanidade, foi também assassinado para
renascer ressuscitado.
O mesmo, com pequenas variações
ocorre a Ausonius, uma forma de Baco, a Adonis, equivalente ao deus
etrusco Atune ou ao sírio Tammuz, a Dionísio ou ao frígio Atis e a
uma longa lista de seres divinos que tiveram trajetória semelhante à
de Cristo.
Se, como eu tendo a achar, Jesus
realmente existiu, sua vida foi devidamente mitificada com base nas
tradições pagãs.
Muito mais se pode dizer sobre Jesus e
sobre a Bíblia.
Mas esse texto já se prolonga mais do
que o desejável.
Ainda espero escrever muito mais sobre
tudo isso.
Penso ter dado algumas indicações das
razões que me levaram à descrença.
Obrigado pela atenção dos que me
acompanharam pacientemente até aqui.
Beijinhos trasmontanos a todos! E viva
a vida!
FIM