segunda-feira, 26 de maio de 2014

Por que sou ateu - 1

Uma pessoa muito próxima a mim pediu que eu explicasse a ela por que me tornei ateu, eu que sou filho de pastor batista.
Resolvi publicar minha resposta. Quem sabe ela seja de interesse de mais alguém.

Nasci ateu do mesmo jeito que a mãe do Lula nasceu analfabeta.
Todo mundo nasce ateu.

Mas bem cedo comecei a passar por um processo de catequese.
A vida de minha família girava em torno da igreja na qual meu pai era pastor.
Contudo, havia alguma ambiguidade nesse ambiente familiar.
Se de um lado era praticamente compulsório aceitar a doutrina batista como verdadeira, respirava-se na casa de meus pais uma atmosfera cultural um tanto incompatível com essa mesma doutrina. Afinal, meu pai era pastor mas também um intelectual. Minha mãe e uma de minhas irmãs eram da área da matemática. Ciência e religião conviviam naquele lar, ainda que como azeite e água.

Desde muito cedo passei a ler os livros da biblioteca de meu pai. Os que ele me deixava que lesse e alguns que ele me proibia de ler...
E as dúvidas começaram a brotar.

Um dia perguntei a meu pai:
  • Se um indivíduo só é salvo caso aceite Jesus como seu Salvador, como fica a situação de um índio que nunca teve contato com o homem branco e jamais ouviu falar em Jesus? Ele vai para o inferno?
Meu pai deu de ombros:
  • Deixa o índio pra lá e cuida de sua vida.
Afinal, eu era um fedelho que não merecia resposta mais elaborada.

Algum tempo depois, estava eu com meus quinze anos e passei a ter um colega no Colégio Canadá, em Santos, que gostava de conversar sobre religião. Ao saber que meu pai era pastor perguntou-me se meu pai aceitaria que ele fosse a nossa casa para fazer algumas perguntas a meu pai. Perguntas sobre questões religiosas que o afligiam.
Meu pai aceitou recebê-lo e ele foi a nossa casa a carregar uma sacola cheia de livros.
Quando a conversa começou, depois das devidas apresentações, meu pai tirou os livros da sacola do garoto e viu que, entre eles, havia uma Bíblia. Disse então ao rapaz que aquele era o livro que interessava. Passou a ler vários versículos para nós e não deixou mais o garoto abrir a boca.
O rapaz foi embora visivelmente decepcionado. Nossas conversas sobre assuntos religiosos terminaram aí.

Esses pequenos acontecimentos aguçavam minhas dúvidas, por um lado. Por outro, tornavam claro que eu teria de resolvê-las sozinho. E contra a correnteza.

[continua]



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