Uma pessoa muito próxima a mim pediu
que eu explicasse a ela por que me tornei ateu, eu que sou filho de
pastor batista.
Resolvi publicar minha resposta. Quem
sabe ela seja de interesse de mais alguém.
Nasci ateu do mesmo jeito que a mãe do
Lula nasceu analfabeta.
Todo mundo nasce ateu.
Mas bem cedo comecei a passar por um
processo de catequese.
A vida de minha família girava em
torno da igreja na qual meu pai era pastor.
Contudo, havia alguma ambiguidade nesse
ambiente familiar.
Se de um lado era praticamente
compulsório aceitar a doutrina batista como verdadeira, respirava-se
na casa de meus pais uma atmosfera cultural um tanto incompatível
com essa mesma doutrina. Afinal, meu pai era pastor mas também um
intelectual. Minha mãe e uma de minhas irmãs eram da área da
matemática. Ciência e religião conviviam naquele lar, ainda que
como azeite e água.
Desde muito cedo passei a ler os livros
da biblioteca de meu pai. Os que ele me deixava que lesse e alguns
que ele me proibia de ler...
E as dúvidas começaram a brotar.
Um dia perguntei a meu pai:
- Se um indivíduo só é salvo caso aceite Jesus como seu Salvador, como fica a situação de um índio que nunca teve contato com o homem branco e jamais ouviu falar em Jesus? Ele vai para o inferno?
Meu pai deu de ombros:
- Deixa o índio pra lá e cuida de sua vida.
Afinal, eu era um fedelho que não
merecia resposta mais elaborada.
Algum tempo depois, estava eu com meus
quinze anos e passei a ter um colega no Colégio Canadá, em Santos,
que gostava de conversar sobre religião. Ao saber que meu pai era
pastor perguntou-me se meu pai aceitaria que ele fosse a nossa casa
para fazer algumas perguntas a meu pai. Perguntas sobre questões
religiosas que o afligiam.
Meu pai aceitou recebê-lo e ele foi a
nossa casa a carregar uma sacola cheia de livros.
Quando a conversa começou, depois das
devidas apresentações, meu pai tirou os livros da sacola do garoto
e viu que, entre eles, havia uma Bíblia. Disse então ao rapaz que
aquele era o livro que interessava. Passou a ler vários versículos
para nós e não deixou mais o garoto abrir a boca.
O rapaz foi embora visivelmente
decepcionado. Nossas conversas sobre assuntos religiosos terminaram
aí.
Esses pequenos acontecimentos aguçavam
minhas dúvidas, por um lado. Por outro, tornavam claro que eu teria
de resolvê-las sozinho. E contra a correnteza.
[continua]
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