Meu pai morreu quando eu tinha
dezesseis anos. Esse fim precoce impediu que tivéssemos conversas
adultas, de homem pra homem. Mesmo porque, nessa altura, eu já saíra
de Santos para estudar em São Paulo. Só nos víamos nos fins de
semana.
Quem sabe essa minha propensão a
discutir assuntos de doutrina religiosa tenha um bocadinho a ver com
não ter podido fazê-lo com ele...
Com a morte de meu pai, a pressão para
que eu me tornasse também pastor foi grande. Fui até levado a fazer
um sermão na igreja na qual ele havia sido pastor. Por ironia, soube
depois que uma senhora converteu-se em função de minha pregação.
O que mostra que quando alguém quer crer, qualquer discurso serve...
Se eu quisesse, teria futuro garantido.
Bastava seguir a carreira de meu pai. Mas, apesar de ainda ser
crente, naquela época, meus planos para minha vida eram outros.
Ao longo de meu curso de engenharia
aproveitava algumas das horas de lazer para ler livros sobre
religião. Algo como o Por que não sou Cristão, de Bertrand Russell
(disponível na Internet, em pdf), por exemplo.
Essas leituras foram a pá de cal no
que me restava de crença. Meu gosto pela Lógica não me permitia
continuar a aceitar as verdades sem pé nem cabeça que as religiões
me ofereciam.
Salta aos olhos, por exemplo, o absurdo
lógico da prática - muito comum entre os cristãos - de citar
versículos da Bíblia que a dão como a Palavra de Deus com o
intuito de “provar” que ela é a Palavra de Deus.
Paralelamente a essa minha migração
para a descrença, ampliava-se no Brasil o ambiente ditatorial
instaurado em 1.964.
Durante meu curso de engenharia eu
adotara uma postura política anarquista. Havia algum parentesco
entre meu rompimento com a fé religiosa e o anarquismo.
Ao final do curso de engenharia,
contudo, resolvi fazer o curso de filosofia. E mergulhei de cabeça
no clima revolucionário que predominava no ambiente acadêmico um
pouco por toda parte do mundo. Estávamos no histórico ano de 1.968.
Isso levou-me ao marxismo-leninismo e – em vários sentidos – de
volta ao espírito religioso.
Durante três anos dediquei toda minha
energia à luta revolucionária.
Depois de um ano e meio na prisão, em
convívio forçado com grande parte da chamada Esquerda
Revolucionária, saí vacinado contra toda e qualquer religião.
Cristianismo e Marxismo passaram a ser, para mim, apenas objetos de
estudo. Mesmo assim, minha dedicação maior voltou-se para o estudo
da Lógica e para a leitura dos clássicos gregos.
O estudo de Lógica foi o que consegui
levar mais longe, favorecido pela orientação que passei a receber
de um dos mais importantes lógicos do século XX, o prof. Newton da
Costa.
Já se disse que cultura é aquilo que
nos fica depois que esquecemos tudo o que estudámos. Hoje em dia, se
tento ler alguns resultados a que cheguei em Lógica, já não mais
entendo o que leio. Mas o que me ficou foi fundamental para o
restante de meus estudos até hoje.
[continua]
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