domingo, 27 de janeiro de 2008

O buraco é mais embaixo


Meu amigo Asulado me provoca, aqui, em relação à minha vontade de ir morar em Portugal.
O Asulado é um tremendo gozador mas vou responder seriamente a ele.

Em primeiríssimo lugar, quero ir viver em Portugal porque me sinto pertencente ao País. Sinto-me mais português que brasileiro. Adoro Trás-os-Montes, Bragança, Vinhais, Passos de Lomba. E o restante daquele retângulo encantador, cujo único defeito grave é o de ser cercado de espanhóis por quase toda parte (hehehe).
Fosse tudo uma questão de qualidade de vida, iria viver na Austrália. Lá vão viver dois de nossos filhos (“nossos” aí, significa da Baixinha e meus, o Asulado nada tem a ver com isso, hehehe), lá já temos um neto e – a confiar nas promessas de meu filho – teremos quatro, daqui a pouco tempo. Lá tem-se o terceiro índice de qualidade de vida do mundo.

A questão é: uma coisa é meu desejo de viver em Portugal. Outra, diferente, é meu desejo de sair do Brasil, aglomerado humano que já perdeu as características mínimas necessárias para ser considerado parte da civilização.
A provocação do Asulado originou-se em um episódio apresentado pela SIC TV a respeito do serviço de emergência de saúde e de sua interação com os bombeiros visando ao atendimento de um acidente em Alijó. O vídeo que o Asulado mostra em seu blog está causando enormes polêmicas em Portugal.
No Brasil, o evento nem seria notícia. Para os padrões brasileiros, simplesmente não aconteceu nada. Aqui, Asulado, morre-se como moscas nos corredores dos hospitais.
A propósito, o poeta Ferreira Gullar, na Folha de hoje (aqui, só para assinantes Folha ou UOL),faz várias “Perguntas que não querem calar”. Todas referentes ao Brasil de hoje. Aí vão algumas delas, pro Asulado (e demais portugueses) perceberem o grau de deterioração desta sua ex-colônia:


Sabia que já há condomínios, em bairro da zona sul do Rio, dominados pelo Comando Vermelho? Num desses condomínios, um morador, cuja filha fora cooptada pela gangue de drogados, ameaçou denunciar o que estava ocorrendo, mas desistiu. Sabe por que desistiu? O síndico o aconselhou a não fazê-lo, se quisesse continuar vivo. Na semana seguinte, ele pôs o apartamento à venda e se mandou de lá. O que faria você?

Você soube que, durante as operações policiais na favela do Alemão, um dos chefes do tráfico ordenava a seus comparsas que atirassem nos moradores? E que há moradoras idosas pagas por eles para declarar que quem atirou foi a polícia?

Processos indenizatórios contra o governo demoram de dez a 20 anos para serem julgados. E quando o cara ganha e é autorizado o pagamento, o governo simplesmente não paga, ignora a ordem judicial e a Justiça finge que não vê. Por quê?

Quando há operações policiais nas favelas, os moradores são obrigados a deixar a porta da casa aberta, para que os traficantes possam se esconder. Quem não obedece morre. Já imaginou isso em seu bairro?



E por aí vai. Comigo mesmo, aconteceu o seguinte:
Tínhamos de ir ao Rio de Janeiro visitar parentes. Lá moram minha irmã com meu cunhado, o filho mais velho e o neto mais velho, além de tios, tias, primos e primas etc etc.
Como, na época (ano passado), o caos aéreo estava a pleno vapor, fomos de carro. Quando estávamos perto do Rio, recebo telefonema de minha irmã.
- Olha, venham pela linha amarela. Mas, antes, liguem o rádio na CBN pra saber se está havendo tiroteio.
Isso ela disse com a maior candura. Naturalidade total.
Os cariocas ficam atentos ao rádio pra saber se podem ou não passar em determinadas vias públicas. Vira e mexe, morrem alguns em tiroteios. Coisa mais comum.
E vocês, em Portugal, atiçados pela conversa telefônica de uma atendente do INEM com alguns sonolentos bombeiros.
Ora, ora.

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