segunda-feira, 7 de janeiro de 2008

Da série O Brasil acabou - VIII


Em 1.978 comprei minha primeira casa. Pra chegar a isso, examinei – entre casas e apartamentos – uns cem imóveis. O corretor já não agüentava mais.
Belo dia levou-me a um local atrás de onde, alguns anos mais tarde, seria construído o Shopping Morumbi, em São Paulo.
Paramos o carro em uma pequena rua. O corretor me falou que a casa que pretendia me mostrar ficava na rua ao lado.
Fomos a pé até lá.
Quando viramos a esquina e vimos a rua – formada de uma só quadra, ocupada por 62 sobrados, decidi:
- É aqui que quero morar.
A rua era de terra. Fiquei sabendo depois que os 62 sobrados abrigavam 120 crianças na faixa de zero a dez anos.
De fato, a visão inicial que tive foi maravilhosa:
Dezenas de crianças brincavam livremente na terra da rua, lambuzando-se à vontade, sem nenhuma preocupação com automóveis nem coisa alguma.
Além de tudo isso, o sobrado era fantástico. Comprei.
Lá nasceu minha filha caçula. Passei a ter três filhos, entre 4 e zero anos.
Poucas vezes na vida conheci um grupo de crianças tão feliz quanto aquele da rua Domingos Ciccone.
Passados alguns meses, começou um movimento na rua para asfaltá-la. As pessoas reclamavam do pó que invadia as casas e acumulava-se nos móveis.
Resolveu-se fazer votação.
Resultado: 60 x 02
Pró asfalto. Só eu e um adepto da antroposofia que morava no início da rua votamos a favor da terra.
Como se tratava de ano eleitoral (eleições municipais), apareceu um candidato a vereador propondo-se a conseguir que a prefeitura asfaltasse a rua. Era o iniciante Ricardo Izar. Ele tinha amigos na rua. Conseguiu marcar uma reunião dos moradores na casa dos amigos dele. Pra pedir votos e prometer o asfalto. Eu, óbvio, não compareci.
Foi eleito e é – hoje – deputado federal, presidente do Comitê de Ética da Câmara Federal.
O asfalto não veio. Claro.
Tivemos de cotizar-nos para colocar o asfalto na rua. Inclusive o maluco do início da rua e o outro maluco (eu), que votáramos contra o asfaltamento.
Minha vida no Brasil tem sido assim. Uma luta constante contra a estupidez da maioria.
Não é à toa que quero ir embora.

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