sexta-feira, 20 de janeiro de 2006

Começo de vida adulta


I - Dinheiro (pouco mas maravilhoso)


Eu havia terminado o ginásio (o que hoje, acho, corresponde a terminar a oitava série) e ia começar o primeiro científico (primeiro dos três anos que antecedem o curso superior). Tinha quinze anos. Comecei a sentir vontade de ter meus trocados, sem precisar pedir a papai e mamãe.
Minha mãe era professora de matemática no Instituto de Educação Canadá, em Santos. Vivia sendo solicitada a dar aulas particulares a alunos com dificuldades em matemática. Pedi que me arrumasse um aluno.
Logo apareceu um garoto da 3ª série do ginásio (sétima série de hoje), cujo pai procurou minha mãe pedindo aulas particulares.
Fui à casa deles, combinei preço, horário das aulas, tudo direitinho. Viviam, pai e filho, em um apartamento na Epitácio Pessoa. O pai era um médico legista aposentado, cuja mulher dera no pé. Ele conseguira a guarda do filho (coisa rara naquele tempo).
Estudei direitinho a matéria da primeira aula e lá fui eu. Morto de medo.
O pai nos instalou em uma mesa da sala e foi para o escritório dele. Comecei a aula, nervosíssimo. Depois de uns dez ou quinze minutos lá vem o pai:
- Você se incomoda se eu gravar a aula? Assim, meu filho pode ouvi-la quantas vezes precisar.
Quase desmaiei. Mais essa. Aula gravada.
Resumo: sobrevivi, como vocês já devem ter percebido.
Com o passar do tempo e das aulas, fui adquirindo desembaraço. O pai, ganhando confiança em mim. Um belo dia me explicou que tinha pavor de deixar o filho sozinho no apartamento, com medo de a mãe vir seqüestrá-lo. Mas, como confiava em mim, disse-me que passaria a aproveitar o tempo de minhas aulas para sair um pouco, ir até a banca de jornais (e sabe-se lá mais o quê).
Detalhe: o garoto era muito inteligente. Não tinha a menor necessidade de aulas particulares. Então, minha tarefa era como cortar manteiga com faca afiada. Cada tópico eu ensinava rapidamente, fazia um exercício como exemplo e o resto ele tirava de letra.
Ficávamos, quase sempre, só nós dois no apartamento: um garoto de treze anos e seu vetusto professor, de quinze. A mãe seqüestradora, é claro, jamais apareceu.
A cada semana (ou será que era a cada mês. Não me lembro) o pai me pagava. Cash. Eu ia pra casa, sentava em minha cama e ficava a contemplar aquelas notas de cruzeiros. Eram poucos. Mas poucas emoções monetárias (digamos assim) em minha vida foram maiores que aquelas. Como era bom ver que havia conseguido aqueles papéis coloridos, que me permitiam cinemas, sorvetes etc e tal, com meu próprio esforço.
Acho que foi aí que comecei a emergir para a maturidade.

OBS: daria tudo para ouvir uns trechos daquelas fitas gravadas com as aulas que dei.

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